sábado, 26 de novembro de 2011

Crítica: A Pele Que Habito


Quando me proponho a ver algum filme, não leio críticas e ou sinopses reveladoras. Prefiro fazer a minha própria leitura. Sei que apostar no diretor e ou no elenco pode não ser a melhor das alternativas, mas é pelo que vale arriscar, mesmo ciente de que nomes, passado e prêmios não garantem um bom espetáculo. Cinema (também) é uma cultura de risco! Assim, a sensação de ganho ou perda, de horas na sala, dependerá da minha expectativa. Vi A Pele Que Habito, bem depois do lançamento, na primeira de duas sessões, num cinema, praticamente, vazio.

Baseado no roteiro de Pedro e Augustín Almodóvar, A Pele Que Habito é uma ficção científica de horror B, inspirada no livro Mygale (lançado no Brasil pela Editora Record, com o título Tarântula), do escritor francês Thierry Jonquet (1959-2009). Em sua trama rasa e nada convincente, Antonio Banderas é o ilustre e inescrupuloso cirurgião plástico Robert Ledgard que, após duas tragédias em sua família e por razões pessoais, de dedica à pesquisa de uma pele artificial e às novas técnicas de cirurgia, usando como cobaia a paciente Vera (Elena Anaya). A sua governanta é Marilia (Marisa Paredes), uma velha conhecida, cuja intimidade será desvelada aos poucos.


Assisti a todos os filmes de Pedro Almodóvar que passaram no Brasil. Alguns perderam um pouco do encanto numa segunda vista, mas, no geral, continuo gostando da grande maioria. Talvez por isso a frustração diante de A Pele Que Habito (La Piel que Habito, Espanha, 2011), que me pareceu um cinema tributo ao próprio Almodóvar, por conta dos retalhos “referências” de outras produções suas costuradas aqui e ali. Os signos de cada autor são a sua assinatura e com Almodóvar não é diferente. Seus filmes são reconhecíveis pela ousadia, pelas cores, pelas personagens femininas (e atrizes), pela bizarrice, pelo humor (negro) ou melodrama, sem que se leia seu nome nos créditos. Porém, desta vez, nem ele e nem os atores e seus personagens convencem. Todos (!) os seus clichês estão ali, literalmente à flor da pele: tortura, sadomasoquismo, supressão da identidade, violência, submissão, crise familiar e sexual, vingança, mulheres, novelão, fetiche. Mas os elementos não têm liga. Se der continuidade, deu!


A produção flerta com a ficção científica (nem tanto por se passar em 2012, mas porque, a despeito da existência de uma pele artificial, a ciência médica ainda não criou aquele tipo de pele inviolável (imune a fogo, cortes, picadas) e tampouco tem tecnologia para modificar um esqueleto (da cabeça aos pés), como faz o Dr. Ledgard. Se já era difícil engolir a o troca-troca de rosto de John Travolta e Nicolas Cage em A Outra Face (Face/Off), de John Woo, aceitar a modificação da ossatura humana é pior ainda. Haja metáfora e imaginação! É mais fácil acreditar que Clark Kent e Superman são duas pessoas diferentes. Quanto ao horror B, ele se dá por conta do clima kitsch chic, beirando o trash, que a permeia: o “baiano brasileño” Zeca (Roberto Álamo), fantasiado de Tigre, seria hilário, não fosse ele uma ridícula caricatura bem ao gosto dos gringos que ainda pensam que samba é rumba.


Apesar de Almodóvar estar (ausente?) em tudo, do começo ao enfadonho e tolo final, A Pele Que Habito parece ter sido dirigido por um cover (dele) enroscado numa atadura. Todavia, nem tudo é um equívoco neste filme que se assiste bocejando. Há que se destacar a direção de arte, na minuciosa temática dos quadros espalhados pela casa-clínica de Ledgard, mas o que chama a atenção, mesmo, é o que se vê nas entrelinhas do leitmotiv, em duas belas sequências: a da releitura de Venus del Espejo, de Diego Velázques (1599 - 1660), transformada em Venus del Video, quando o doutor examina a sua paciente deitada nua, através de uma imensa tela de televisão (que remete ao belo Os Abraços Partidos); e o grito visual de Vera, ainda que prisioneiro, extrapolando a dor e se espalhando pela parede do quarto. Num melodrama sonolento e de pouco interesse, com uma óbvia “reviravolta reveladora” e um final, precedido de risível chantagem (!), pra lá de previsível, foi o que me valeu.

4 comentários:

  1. Prezado Joba: ótimo texto! Também acho que esse filme tem umas questões que merecem ser discutidas. Veja meu texto: http://arquivoscriticos.blogspot.com/2011/12/sim-almodovar-as-aparencias-enganam-mas.html

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  2. Olá, Ravel.
    Sua leitura é mais complexa que a minha.
    Depois que postei a crítica no Claque ou Claquete, saí a ler as matérias alheias.
    Abri várias páginas e, infelizmente,
    me perdi ao não salvar o nome e o endereço
    de uma autora que fez um comentário mordaz,
    ferino, sobre o crime e o castigo em A Pele Que Habito.
    Ela dizia (ironicamente)algo como: ser mulher é um fardo tão grande que a pena imputada a um criminoso é transformá-lo em uma.
    Para se pensar!

    Abs.

    T+
    Joba

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  3. Oi, Joba! Fiquei curioso em ler esse texto. Vou procurá-lo, e se achar lhe mando o link. Gostei de seu texto, também, sobre Operação Presente. Vimos o final de forma semelhante.
    Grande abraço!

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  4. Olá, Ravel.
    Se voltar a esbarrar na crítica
    eu lhe informo.

    Abração.

    T+
    Joba

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