sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Crítica: Simplesmente Complicado


Simplesmente Complicado
uma comédia para adultos

O novo filme de Nancy Meyers é (mais) uma deliciosa comédia romântica para os que já deixaram a adolescência. Com um bom roteiro (também de Nancy) e, praticamente, sem clichês tradicionais, Simplesmente Complicado (It’s Complicated, EUA, 2009) fala da confusão amorosa em que se metem a solitária Jane (Meryl Streep) e seu ex-marido Jake (Alec Baldwin) que, após dez anos de conturbada separação, voltam a sentir atração e incontrolável desejo sexual, um pelo outro, e acabam tendo um caso. Tudo estaria muito bem, não fosse um pequeno detalhe: Jake está casado com a mulher por quem ela foi trocada e que é muito mais jovem. Enquanto Jane se diverte com a situação (invertida), se apercebe flertando com o recém-divorciado arquiteto Adam (Steve Martin), responsável pela reforma da sua casa.

Quem viu Meryl no excelente Julie e Julia (Julie & Julia, EUA, 2009), escrito e dirigido por Nora Ephron, talvez estranhe a semelhança (?) de profissão das personagens. Aqui ela também exercita os seus dotes culinários. É dona de uma sofisticada confeitaria e os assuntos de família, segredos e fofocas se desenrolam em torno de uma mesa com boa comida e vinho. Mas as coincidências vão parando por aí. O foco de Simplesmente Complicado está nas relações amorosas, nas armadilhas do coração, em algumas traições e vingança involuntária. Nada que exija acompanhamento de um terapeuta para entender. É só entrar no cinema, sentar, relaxar, rir e apostar num final diferente. Até porque, a história, fora das telas, é muito mais comum do que se imagina, com as suas idas e vindas de ex-marido, ex-mulher, ex-amante...

Centrado no triângulo amoroso dos divorciados cinquentões (Streep, Martin e Baldwin em perfeita sintonia), ele tem um começo melancólico, mas logo ganha uma lufada de bom humor e segue com umas sacadas divertidas e até inteligentes. Em alguns momentos a intimidade entre Jane e Jake é tanta, e aparentemente tão natural, que faz a gente duvidar do tal puritanismo americano. Ponto para Nancy, que também evitou explorar a paspalhice que “se espera” de personagens interpretados por Steve Martin. Porém, apesar da graça e das boas piadas, é esticado demais. Um bom corte seria bem-vindo, principalmente na sequência da maconha, que acrescenta nada à história ou à interpretação dos atores. Um equívoco, sem dúvida, que pode comprometer a censura da produção. Nos EUA o filme recebeu indicação para maiores de 17 anos (por conta disso), desagradando os produtores que esperavam liberação para 13 anos. Se bem que, em tempo de vampiros e monstros emos, acho difícil os adolescentes se interessarem por uma produção que mira os mais “velhos”.

Caso alguém estranhe que a psique ou a profissão ou a independência de Jane (Streep) não foi totalmente explorada, vale lembrar que, em suas produções, a diretora raramente está preocupada com o antes. O que interessa é o hoje e, talvez, o amanhã. Ela trabalha com fragmentos da história que pega onde bem entende e vai até onde lhe parece satisfatório. Jamais perde tempo com explicações, digamos, supérfluas, sobre o passado de alguma personagem ou alimenta a curiosidade do público sobre as atividades dela. Os detalhes, se muito, são desvelados entre um diálogo e outro. Nancy Meyers até pode ter criado seus próprios clichês, mas o melhor é que, sempre que possível, cada vez mais ela nos poupa de piadas escatológicas, trombadas e escorregões.

O curioso, no cinema escrito e dirigido por mulheres (e sobre mulheres), é o olhar diferenciado que elas dispensam a um universo que nem todo diretor domina. Por isso temos mais filmes falando de “assuntos de homem” (brutamontes em guerra consigo ou com os outros) do que de “assuntos de mulher”. Nancy é especializada em comédia romântica para o público adulto (principalmente o feminino na idade dos “enta”). Seus roteiros, geralmente, são enxutos, verossímeis e priorizam as mulheres independentes (com muita vontade própria) e em busca de um amor. Os homens não passam de crianças crescidas querendo colo, ou de mero acessório. O que tem lá a sua verdade, nos dias de hoje. É claro que, para uma diretora, na mesma faixa etária que as suas personagens, é muito mais cômodo e saudável falar (com humor) dos temores da mulher que envelhece: solidão, flacidez, traição, plástica, desejo sexual..., do que tentar traçar (sem domínio) uma caricatura do homem mediano. E também não deixa de ser um filão e muito bem aproveitado por ela.

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