sábado, 23 de dezembro de 2017

Crítica: O Rei do Show


O Rei do Show
por Joba Tridente*

Quando se fala em musical não há como não pensar de imediato no cinema e no teatro norte-americano. Ao se falar do envolvente O Rei do Show (The Greatest Showman, 2017), dirigido por Michael Gracey, não há como não se lembrar do intrigante drama Monstros (Freaks, 1932), dirigido por Tod Browing (1880-1962). Ambos trazem em sua trama, seres humanos considerados bizarros, por deficiência física e ou alguma habilidade extraordinária.

O cult Monstros, baseado no conto Spurs (1923), do escritor de horror e mistério Tod Robbins (1888-1949), conta a história de uma bela e interesseira trapezista Cleópatra (Olga Baclanova) que namora o atlético Hércules (Henry Victor) mas se deixa seduzir pela fortuna do anão Hans (Harry Earles). O arrebatador musical O Rei do Show é uma cinebiografia inspirada na vida do controverso produtor e apresentador de show de variedades Phineas Taylor Barnum (1810-1891), que em 1834 chamou a atenção do público ao criar um circo itinerante onde apresentava o seu “Maior Show da Terra”, expondo pessoas “bizarras” e animais exóticos em números “artísticos” que tanto incomodava quanto divertia a plateia formada por gentes que se consideravam normais..., ao menos fisicamente. Assim como no drama de Browing, no musical de Gracey há interessante reflexão sobre preconceitos e sobre a aceitação social do diferente no físico e ou na cor. Bem como histórias circenses de amores (quase) impossíveis de seus protagonistas: a do pobre Barnum (Hugh Jackman) apaixonado pela bem-nascida Charity (Michelle Williams), e a do rico ator branco Phillip Carlyle (Zac Efron) apaixonado pela pobre trapezista negra Anne Wheeler (Zendaya).


Todo espectador sabe que qualquer narrativa (literária, cinematográfica, teatral) inspirada em fatos tem muito de liberdade poética de seus autores. Na intenção de envolver o público (e fazer boa bilheteria), uns douram a pílula e outros a fazem mais amarga. Em O Rei do Show, escrito por Jenny Bicks e Bill Condon, não é diferente. Pontuado com irresistíveis canções da dupla responsável pelas letras de La La Land, Benj Pasek e Justin Paul, levadas numa batida pop, afro e gospel contagiante, o filme traz uma leitura condescendente, que (segundo os estudiosos) destoa da biografia de P.T. Barnum, também tema de um musical (Barnum) que estreou na Broadway em 1980 (ficou em cartaz até 1982 e desde 1981 vem sendo montado em Londres). A mim o enredo não pareceu tão distante (do que li na internet - onde nem tudo é o que é - sobre o personagem).


Provavelmente, por estética ou mercado (?), os realizadores optaram por não polemizar alguns atos embaraçosos (exploração de incapaz, lei de contracepção) creditados ao empresário e político..., uma vez que no breve recorte de vida apresentado não caberiam e ou não haviam ocorrido. Assim como teriam apimentado a história da “Rouxinol Sueca” Jenny Lind (Rebecca Ferguson), com Barnum, quando da sua turnê norte-americana produzida pelo empresário, deixando no ar um melódico “mas poderia ter sido”...., o que jamais foi. 


Dizem que quando a lenda é mais interessante que os fatos, deve se preservar a lenda. O cinema é fantasia óbvia, onde verdade e mentira compartilham o mesmo script..., sem que se saiba qual é uma ou outra. É uma questão de edição ou de interpretação. Porém, quem se importa com a veracidade do roteiro, se quando a música viciante e a coreografia convidativa te envolvem de tal modo que, em vez de se ocupar com alguma incoerência do melodramático enredo, a sua vontade é a de sair cantando e dançando?


Este é o adorável musical O Rei do Show, que canta maravilhosamente um passado onde o atual politicamente correto não tinha vez. Não importa que o espectador saiba nada do empresário estadunidense Barnum, conhecido como o rei das fraudes, por fazer as suas “aberrações” parecerem mais curiosas do que eram realmente no seu famoso P. T. Barnum Grande Museu, Zoológico e Hipódromo Itinerante (de bizarrices). Pois, ainda que o motivo seja o visionário capitalista e tropece em alguma tristeza, é um filme (sobre artistas de circo e teatro) que busca a exaltação da arte. Portanto, este espetáculo deslumbrante poderia se referir a qualquer empreendedor cultural, inclusive fictício.


Enfim, considerando o elenco fabuloso; o polivalente australiano Hugh Jackman dando mais um show em cena (cantando, dançando, interpretando); a música e a coreografia; a direção de arte, a montagem e os efeitos especiais; a excelente direção de atores e a história breve..., se você gosta de musicais romantizados e levemente dramáticos, vai se emocionar com a magia e a ilusão de O Rei do Show.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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