Fragmentado
por Joba Tridente
Fazer
cinema pode ser como dirigir um trem desgovernado..., se o condutor conhece bem
a estrada-de-ferro e seus desvios, pode salvar o dia, se não, o desastre é
certo e não sobrará vagão para contar a história. O controverso roteirista e
diretor M. Night Shyamalan é um maquinista que, quando assume a cabine
cinematográfica de um trem, nem sempre é unanimidade entre os passageiros mais
críticos das suas paradas crônicas no mundo do entretenimento, onde a tela é
ocupada por narrativas que exaltam a fantasia, a fábula, o suspense e ou o
horror..., tudo dentro do palatável.
M. Night Shyamalan que, em 1999, chegou atropelando Hollywood
com seu expressivo Sexto Sentido, continuou
embalado com Corpo Fechado (2000),
seguiu a toda atento a Sinais (2004),
chegando com bom combustível à estação A
Vila (2004) e energia suficiente para não deixar para trás A Dama na Água (2006)..., encontrou um
desvio inesperado e se perdeu com o Fim
dos Tempos (2008), tentou sem sucesso outros trilhos com O Último Mestre do Ar (2010) e sumiu
na cerração Depois da Terra (2013), para só reaparecer
recauchutado em A Visita (2015). Agora, um tanto Fragmentado (2017), reabastece a máquina,
bem ocupada com velhos e novos passageiros cinéfilos, para uma jornada nada
confortável.
Fragmentado (Split,
2017), escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, é um thriller que nos convida a embarcar numa viagem imersiva no universo
distorcido de Kevin (James McAvoy), cujo corpo/mente abriga
23 personalidades distintas e uma nova e devastadora a caminho. Kevin sofre de Transtorno de Identidade
Dissociativa - TID e, além dele, o espectador conhecerá apenas cinco de suas
manifestações: Dennis (obsessivo-compulsivo),
Patrícia (mulher dissimulada), Barry (estilista despretensioso), Hedwick (garoto de nove anos) e a Besta (assombrosa).
Personagens traumatizados (física,
psicológica e espiritualmente) são, de certo modo, recorrentes na obra fabular de
Shyamalan. Toda via
expressa da insinuação do horror alegórico, no entanto, seus tormentos andam ganhando
ares cada vez mais explícitos em narrativas que (ainda) não chegam a gotejar
gore, pois se pressupõe farsa no diálogo e ou no monólogo que antecipa o jogo
de cena de quem o protagoniza (ou antagoniza).
Fragmentado começa com o sequestro de três adolescentes:
Claire (Haley Lu Richardson), Marcia (Jessica Sula) e Casey (Anya Taylor-Joy), logo após uma festa
de aniversário. As garotas acordam aprisionadas num claustrofóbico bunker, onde recebem visitas
perturbadoras e ameaçadoras dos alter
egos de Kevin, que tem uma
relação “familiar” (no fio da navalha) com a psiquiatra Dra. Fletcher (Betty Buckley),
autoridade em TDI, mas com uma visão um tanto ingênua quanto às múltiplas
personalidades de seu paciente. Ali, enquanto as desesperadas Claire e Marcia, através do enfrentamento e do medo, buscam uma forma (simplista)
de escapar, Casey estuda
meticulosamente as particularidades de cada inimigo manifesto, para não falhar a
fuga. Das três, somente ela tem antecedentes (visto em flashbacks) que justificam a sua introspecção e tal reação diante
do perigo iminente. Porém, o trio sabe que não será fácil dominar qualquer uma
das “facetas” do múltiplo Kevin.
A trama basicamente “discorre” sobre o
presente de Kevin (com seus eus) e sobre
o passado de Casey (com seus ais). Os
dois carregam um fardo de abuso e de submissão psicológica como se carregassem os
pecados da humanidade. Na catarse (tardia) de ambos, a porta da “expiação” pode
tanto aprisionar quanto libertar suas almas. A discussão dos seus traumas pode
não ser lá muito profunda, mas (implícita!) é bem mais convincente que a rasura
das duas garotas “de bom coração” (Claire
e Marcia) e mesmo da psiquiatra (Fletcher), que se ocupa
mais com a harmonia de Kevin com suas
facetas do que com a segurança da sociedade em que está inserido. Aliás, de Kevin,
o público só vai conhecer a sua atividade profissional no epílogo, já que,
segundo o script, ele e seus 23 egos, seriam influenciados pelo ambiente de
trabalho.
Embora
o seu roteiro, com vícios de linguagem, não seja dos mais originais (sequestro
de adolescentes, prisão subterrânea, desnudamento, psicopatias), ainda assim o
drama (com algum humor cinzento) é capaz de surpreender o espectador e prender a
sua atenção até o “desfecho” que o fará rever toda a narrativa em segundos, para
resgatar duas sequências e dizer: “Ah,
esta é a razão do off!” e “Ah, esta é
a razão do trem/metrô!”. Aqui eu pergunto, mesmo sabendo a resposta (que
tem nada a ver com a do filme): “Por que
será que vilões (inclusive alienígenas) adoram uma performance (desastrada) num
trem e ou metrô?. Quanto à resposta ao suspense shyamalaniano, ela poderá
ser vista numa provável continuação dois em um: Corpo Fechado e Fragmentado 2 (Unbreakable and Split - 2)...
Enfim, considerando a
razoabilidade do tema (TDI) e a curiosidade do enredo; algumas sequências muito
bem resolvidas, como a do sequestro das adolescentes e a do quarto de Hedwick; as excelentes atuações de James McAvoy (Kevin) e de Anya Taylor-Joy (Casey);
a alternância entre a meia-luz (prisão) e a claridade (clínica),
redefinindo personagens e refletindo a complexidade da natureza humana; as
alegorias nem sempre funcionais..., descartando um ou outro escorregão, Fragmentado é um bom programa. Recomendo para que gosta de pensar (sobre cordialidade) fora da caixinha e além do divã.
Pode não ser o melhor filme de M.
Night Shyamalan, mas prova que o
interessante diretor ainda tem muito combustível para impulsionar sua locomotiva
Hollywood afora.
*Joba Tridente:
O primeiro filme vi
(no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990.
O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica
em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à
"traumatizante" e divertida experiência de
cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do
norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
O diretor vem decepcionando com os filmes realizados a partir de "A vila". Alguns são difíceis de aturar e "Depois da Terra" é, francamente, indefensável. Mas sou obrigado a reconhecer que em algo ele é muito bom: sabe criar climas e atmosferas exclusivamente com a câmera e efeitos puramente cinematográficos. Nesses aspectos, o cinema de entretenimento vem falhando há muito tempo.
ResponderExcluirAinda não vi "Fragmentado".
Abraços.
Olá, Guimarães, como disse, é um diretor e roteirista controverso. No momento é assista-o ou esqueça-o. Fragmentado, tem bons e maus momentos, que talvez engatem na continuação. Se assistir, dê uma breve opinião por aqui. Abração.
ExcluirFarei isso. Está anotado. Grato. Abraços.
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