Que no cinema há mais filmes de (ou com) dança
do que sobre dançarinos famosos os fãs do gênero estão com as sapatilhas gastas
de saber. Ainda que os dançarinos (mesmo coreógrafos), principalmente das
antigas, sejam fantásticos em suas modalidades (jazz, contemporâneo, clássico),
pouco ou nada se sabe sobre seu interesse pela arte de bailar.
Reservando o palco na atual temporada de cinebiografias
inspiradas em fatos, eis que nos chega o filme inglês O Dançarino no Deserto (Desert
Dancer, 2014), do estreante diretor Richard Raymond. A história rodopia em torno do bailarino iraniano Afshin Ghaffarian, exilado na França, e
faz menções à teocracia do ditador Mahmoud
Ahmadinejad. O interesse de Ghaffariam pela dança começou na
infância. Ainda garoto (Gabriel Senior),
sofreu com o conceito religioso e as regras proibitivas, encontrando o apoio ao
seu talento apenas no Art Saba, dirigida por Medhi (Makram Khoury), que
também era alvo da “polícia da moralidade”, os Basij. Ali, através de filmes
antigos, teve seu primeiro contato com a maestria de Rudolf Nureyev. Mais
tarde, na universidade, Afshin (Reece Ritchie) se juntou aos jovens Ardavan (Tom Cullen), Sattar (Simon Kassianides), Mona (Marama Corlett), Mehran (Bamshad Abedi-Amin) e Elaheh
(Freida Pinto), que também lutavam pela
liberdade de expressão, e formou uma companhia de dança. O grupo ensaiava secretamente
e fez a primeira apresentação no deserto, reservada a alguns amigos de
confiança. Logo após o espetáculo Ghaffarian
foi perseguido e conseguiu emigrar para França.
Como em cinema o que conta é a “inspiração”
nos fatos, devidamente encaixada no clichê funcional, e não a “veracidade” dos
fatos, o roteiro toma lá as suas liberdades (entre outras) de itinerário. Ainda
que no pano de fundo se fale do regime ditatorial iraniano, mais precisamente
da intolerância, o foco narrativo é o envolvimento de Ghaffarian com a dança. Não há nenhuma discussão aprofundada sobre
as proibições, o entorpecimento, as diversões clandestinas, a desobediência
civil dos jovens iranianos. O que se vê são apenas cenas de passagem tirânica
costurando ritos de passagem artística. Ou seja, as maldades estão ali mais
para ressaltar a perseverança de Afshin
e seu grupo. Um alívio (?) para o espectador que não é chegado em filme
político (ou seria cabeça?).
O
Dançarino no Deserto
tem ótimas performances, com destaque para Reece e Freida, que dançam todos os
números sem a necessidade de dublê de corpo. As coreografias assinadas por Akram Khan são belíssimas. É difícil
escolher a mais marcante. Cada uma provoca um arrepio e ou embevecimento
diferente. O solo inicial de Elaheh
(Freida) é puro deslumbre, para deixar a plateia realmente de boca aberta, tamanha
a expressividade e a beleza inequívoca da atriz. São dois os pas de deux com Elaheh e Ghaffarian: um,
terno e melancólico ensaio com as mãos; outro, tenso e libertador no deserto. O
solo brutal de Afshin, na França, é o
melhor momento de Reece no palco.
Enfim, considerando que O Dançarino no Deserto é uma cinebiografia
dramática (mas, qual não é?) que beira o dramalhão; que, excetuando duas
sequências tensas (as viscerais apresentações no deserto e a na França), sugere
situações de suspense, violência (física, moral e psicológica), e algum romance;
que as coreografias são lindas e os atores/dançarinos mandam muito bem; que a
fotografia de Carlos Catalán é envolvente;
que até esse filme, não conhecia Afshin
Ghaffarian e outros excelentes artistas asilados na França (que descobri no
Google e YouTube), como o também bailarino e coreógrafo Shahrokh Moshkin Ghalam e o
músico Shahin Najafi (que já morou
no Brasil); que apesar da opção dos diálogos em língua
inglesa (no Iran?) parecer equivocada e o roteiro meio raso beirar a
hagiografia..., se gosta do gênero e quiser arriscar, no mínimo os fantásticos números
de dança valem um boa olhadela.
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