quinta-feira, 21 de julho de 2011

Crítica: Estranhos Normais



De tempos em tempos chega aos cinemas um filme que se destaca (também) pelo bom uso da linguagem narrativa. O exercício fílmico da metalinguagem é uma lanceta que, em mãos tortas, pode tornar a operação da palavra visual um grande equívoco. O que não é o caso de Estranhos Normais, uma deliciosa comédia de costumes dirigida por Gabriele Salvatores.

Com um charme de Woody Allen (mestre nesta arte) e uma tradicional pegada cômica italiana, Salvatores nos apresenta uma trama que, apesar da referência direta a Luigi Pirandello e a sua peça Seis Atores em Busca de um Autor, se aproxima de Duluth, de Gore Vidal, lançado no Brasil, pela Rocco, em 1987. Afiadíssimo,Vidal faz paródia de uma cidade estadunidense (Dallas) onde tudo pode acontecer. Ali, as pessoas não morrem, tornam-se personagens de seriado de TV, e os personagens literários revoltam-se contra os autores e leitores. E todos, de uma forma ou de outra, acabam interatuando entre si: “A lei da exclusividade requer – exceto nos casos em que não requer – a total perda de memória da personagem que morreu ou fez apenas uma breve aparição numa narrativa fictícia. Naturalmente, ao se completar a redação do livro, todas as personagens que estejam vivas no final ficam, por assim dizer, à disposição de outros escritores, para serem reutilizadas. Às vezes chamam a isso de plágio, mas essa palavra é demasiado severa, quando se pensa em como é limitado o número de personagens e de tramas que há por aí.” (tradução de Manoel Paulo Ferreira). Quem desconhece Duluth, vai encontrar eco no curioso Mais Estranho que a Ficção, de Marc Forster (Direção) e Zach Helm (Roteiro), que bebe no mesmo copo de Charlie Kaufman: Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Quero Ser John Malkovich e Adaptação. Citações que enriquecem ainda mais o expressivo filme de Salvatores.


Estranhos Normais (Happy Family, Italia, 2010), fala da tumultuada vida de Ezio (Fabio De Luigi), um pretendente a escritor (meio preguiçoso) que trabalha num texto que pode vir a ser um roteiro, e por conta das suas costumeiras paradas e falta de ideias acaba se desentendo com os personagens, que já não aguentam mais tanta indecisão. A história que Ezio começou e não sabe como continuar e sequer finalizar, fala de duas famílias distintas que terminam se conhecendo, por causa da teimosia dos seus filhos adolescentes, Filippo (Gianmaria Biancuzzi) e Marta (Alice Croci), em se casarem. Enquanto os jovens insistem no enlace matrimonial, Vincenzo (Fabrizio Bentivoglio), Anna (Margherita Buy) e Caterina (Valeria Bilello), pais e irmã de Filippo, bem como os pais de Marta (Diego Abatantuono e Carla Signoris), vão remoendo seus dramáticos problemas pessoais sem conseguir ver o ponto final do capítulo. Inconformados com o rumo das suas (exageradas) vidas, todos resolvem reclamar e influenciar o autor. Engolido pelo seu próprio verbo, Ezio se torna personagem de si mesmo e começa a partilhar do cotidiano deles, na tentativa de encontrar uma saída do imbróglio em que se meteu. Mas o Destino não é de todo padrasto desse escritor que, se aprender a usar as palavras certas nas horas certas, poderá ter a chance de encontrar duplamente o amor. Se não, é melhor desligar o notebook.

Estranhos Normais tem por base a peça teatral Happy Family, escrita por Gabriele Salvatores e Alessandro Genovesi e, na sua essência, trata dos medos de cada pessoa preocupada mais com a dor (da solidão) do que com o prazer. Na abertura, enquanto o narrador (oculto) cita os medos que afligem os humanos, espera-se (ou teme-se?) uma reflexão comparável ao dramático O Medo do Goleiro Diante do Penalti (1972), excelente adaptação do romance homônimo de Peter Handke por Win Wenders. Entretanto, como o tom italiano é o da comédia leve, do nonsense, ao falar de solidão e dos percalços da comunicação, Salvatores e Genovessi buscam trilhar um caminho bem mais luminoso, ou melhor, menos sombrio e introspectivo, até mesmo quando tocam na dor (solitária) de Vincenzo em sua luta contra o câncer.


Sem pretender a profundidade de um drama alemão e muito menos a superficialidade piegas do cinema-psicanálise norte-americano, o mérito de Estranhos Normais está na simplicidade do mergulho na alma de seus personagens, trazendo à tona os seus mais íntimos desejos, frustrações e temores. As neuroses e ou as idiossincrasias de cada um, são “curadas” de forma natural, divertida, e bem longe dos divãs. Aceitar-se é o primeiro passo. A verdade é que, rir dos outros é bem mais fácil que (não impossível) rir de si mesmo, quando se está longe de um espelho. Com ótimo elenco de atores e equipe técnica, pontuado por momentos lúdicos e de pura magia, ao final, após o verbo conjugado, o que fica é o amor ao cinema e à vida. Em preto e branco ou em cores.

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