terça-feira, 6 de julho de 2021

Crítica: Pedro e Inês


PEDRO E INÊS

por Joba Tridente 

Os brasileiros mais velhos conhecem muito bem a expressão “Agora, Inês é morta!”..., querendo dizer que “Agora não adianta mais socorrer ou condenar alguém (que já morreu)!”. Porém, assim como de trocentas outras expressões, não têm a menor ideia de como esta surgiu. Ou não tinha. Pois, com o lançamento (nas salas de cinema) do filme português (legendado em português brasileiro) Pedro e Inês, do roteirista e diretor António Ferreira, o ditado popular (que teria surgido na idade média portuguesa) começa a fazer algum sentido..., quando a soberania de um reino está em jogo e o “pivô” do mal-estar já morreu


Pedro e Inês (coprodução: Brasil, Portugal, França, 2018) é um melodrama macabro adaptado do romance A Trança de Inês, de Rosa Lobato de Faria, que, por sua vez, seria inspirado na rocambolesca história real (ou lenda medieval) do Infante Dom Pedro I (Diogo Amaral), casado com Constança Manuel (Vera Colodzig) e que, ao assumir o trono de Portugal, mandou retirar o cadáver da sua amante Inês de Castro (Joana de Verona) do jazigo onde se encontrava, há vários anos, para torná-la rainha..., com direito à fétida cerimônia do beija-mão da rainha-cadáver. Pedro era filho do rei de Portugal D. Afonso IV (João Lagarto), com de Beatriz de Castela (Custódia Gallego), e mesmo antes da morte da sua esposa, arrastava as asas para a bela e insinuante Inês, que era dama de companhia de Constança e não se furtava aos avanços e afagos nada discretos do herdeiro do trono. 


Bem, isso é o que está mais ou menos anotado nas crônicas palacianas sociais da época das (in)conveniências. Toda via tortuosa da narrativa, no entanto, como nem sempre a História subtrai das anotações a história romanesca dos amantes (famosos) que traem seus cônjuges, o roteirista António Ferreira, nas trilhas de Lobato Faria, reforça o irrefreável desejo (à primeira vista) de Pedro e Inês cometendo o pleonasmo da reencarnação dos lendários protagonistas, que descansavam em seus suntuosos jazigos, com saída para o Além, para reviverem a mesma história de paixão avassaladora e trágica (do século XIV) em mais duas versões (deles mesmos): uma nos dias atuais e outra num futuro pós-apocalíptico. Porém, o destino do casal trágico, traído pela intensidade amorosa, permanece inalterado. Se a mão que empunha a faca não desiste do corte mortal, qual a necessidade da repetição do gesto? Nas “refilmagens” da história original, meras atualizações ocupacionais de época: o príncipe vira arquiteto e vira lavrador; a dama vira trainee e vira roceira; os reis viram empresários e viram agricultores. Algumas religiões consideram, em suas Doutrinas, a possibilidade da Lei do Eterno Retorno (não necessariamente a nietzschiana), que consiste em reencarnação após reencarnação (quantas vezes forem necessárias) para que o reencarnado corrija seus “erros” e evolua. Mas, cá pra mim, reviver uma tragédia pessoal num loop infinito é dose enfadonha até em filme de terror. 


Pela extensão da metragem, o enredo de Pedro e Inês é um fiapo, uma fitinha de devoção à Fátima: Era uma vez Pedro, filho de Afonso e Beatriz, casado com Constança e amante da linda Inês..., que sempre chega de longe, com seu ar misterioso (ingênuo até), para retirar a carta certa do frágil castelo de cartas conjugais (de Pedro e Constança) e desencadear uma tragédia (ao estilo do bardo inglês). Nas três versões, sem muita variação na trama e no drama e com os personagens mantendo seus nomes e personalidades, as mudanças mais visíveis estão na caracterização dos protagonistas: cor e corte de cabelo e de barba e figurino. O elenco de coadjuvantes e figurantes também continua o mesmo. Levando em conta que a tripla repetição do notório caso amoroso (com um parêntese confuso na introdução do memorialista Pedro, interno num Hospital Psiquiátrico), além de acrescentar nada à lenda, torna a longa narrativa cansativa e previsível, em vez de quatro curtas-metragens entrelaçados, talvez Pedro e Inês resultasse melhor num longa-metragem focado apenas na história original, que já fornece material sombrio (com pitadas de realismo mágico) suficiente para um bom e divertido entretenimento. 


Enfim, Pedro e Inês é um típico dramalhão romântico ao gosto do público que se emociona com os personagens rasos das telenovelas simplistas que repercutem histórias de amor sempre iguais na bendição e na perdição. A fotografia de Paulo Castilho tem momentos inspiradíssimos, mas a direção de António Ferreira não está livre de escorregões, principalmente nas (risíveis) cenas de violência (gore) e horror grotesco..., as sequências de assassinatos, nas novas versões da história, beiram ao cômico (uma delas é bem trash). Ah, sim, no eco do inusitado, o filme pode interessar também aos espectadores que não acreditam na lengalenga terrestre (mas gostam da especulação) de que o homem (re)nasce sempre homem e a mulher (re)nasce sempre mulher (com os mesmos portes físicos, nomes, raças, famílias) para corrigir (?) e/ou repetir (?) os "erros" das vidas passadas..., até quebrar o círculo vicioso e sumir para onde humano algum jamais esteve. Eu, hein...

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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