quinta-feira, 30 de julho de 2020

2ª Mostra de Cinema Egípcio Contemporâneo

2ª Mostra de Cinema Egípcio Contemporâneo

Mais uma dica de cinema para se assistir online, em tempos de pandemia, é a da 2ª Mostra de Cinema Egípcio Contemporâneo. Para se ambientar e conhecer melhor a mostra e a cultura deste fascinante país africano, sugiro a leitura da matéria CCBB Apresenta Mostra Online de Cinema Egípcio Contemporâneo, da jornalista e crítica de cinema Maria do Rosário Caetano para a Revista de Cinema.

 

Data: 29 de julho a 23 de agosto de 2020

Local: CCBBs de São Paulo, Rio, Brasília e Belo Horizonte (#CCBBemCasa). On-line e com ingressos gratuitos.

A exibição de 24 longas-metragens se soma a show musical direto do Cairo, debates, palestras e wokshop.

Cada filme terá duas sessões, em horários e dias diferentes. Serão realizadas sessões inclusivas (com legenda descritiva ou audiodescrição).


A apresentação da abertura terá tradução para Libras.
Para se credenciar, o interessado deve cadastrar seu CPF.
Informações detalhadas no site: www.cinemaegipcio.com.
Para imersão no Egito, o público poderá fazer visita virtual 360º em exposição sobre o Egito Antigo, realizada pelo CCBB. É só visitar o site: http://www.culturabancodobrasil.com.br.

 

PROGRAMAÇÃO

29/07 (quarta-feira)

19h00 – Debate de abertura com o diretor Amr Bayoumi e o curador Amro Saad. Show da banda Mazaher, direto do Cairo.

20h30 – Para onde foi Ramsés? (2019). Documentário de Amr Bayoumi. Registro do maior processo de transferência, pelas ruas do Cairo por mais de 12 horas, de grandiosa estátua de Ramsés (da praça que recebeu o seu nome, até seu novo local, um grande museu egípcio). Censura livre. Duração: 62 minutos.

 

30/07 (quinta-feira)

19h00 – Fotocópia, de Tamer Ashry (2017). Sessão inclusiva com audiodescrição. Ficção: Mahmoud, um velho aposentado, é proprietário de um centro de datilografia e fotocópia no Cairo que está lentamente se tornando irrelevante devido ao crescente uso de computadores. Ele leva vida rotineira que gira em torno de seus negócios, sua pensão sempre atrasada, seus vizinhos e clientes. Mahmoud começa a aprender sobre a extinção de dinossauros, e com isso desencadeia uma série de eventos que darão um novo significado a sua vida. Censura 10 anos. Duração: 90 min.

22h00 – Reprise de Para Onde Foi Ramsés?

 

31/07 (sexta-feira)

19h00 – Pó de Diamante, de Marwan Hamed (2018). Ficção: Taha trabalha para uma empresa farmacêutica e vive existência extremamente chata com seu pai deficiente. A vida dela é virada de cabeça para baixo depois que um assassinato misterioso revela muitos segredos, arrastando Taha para o mundo do crime e da corrupção. Censura dez anos. Duração:162 min.

22h00 – Reprise de Fotocópia

 

01/08 (sábado)

17h00 – Bate-papo: Novas Narrativas no Cinema Egípcio Contemporâneo, com a crítica Nahd Nasr (egípcia). Tradução para o português.

19h00 – Yomedine – Dia do Julgamento Final, de Abu Bakr Shawky (2018). Ficção: Beshay é um coletor de lixo que decide sair do confinamento de uma colônia de leprosos e partir para o Egito em busca da família. Ele viaja com seu aprendiz órfão ao longo do Nilo, ficando cara a cara com a maldição de ser um estranho. Censura 10 anos. Duração: 97 min.

22h00 – Reprise de Pó de Diamante

 

02/08 (domingo)

17h00 – Entre Dois Mares, de Anas Tolba (2019). Ficção: Uma família de uma área rural no Egito é dividida após um trágico acidente. A busca de uma mãe por redenção, vingança e esperança define os eventos dessa história dramática de uma sociedade esquecida. Censura: 14 anos. Duração: 87 min.

20h00 – Reprise de Yomeddine – Dia do Julgamento Final

 

03/08 (segunda-feira)

19h00 – Joana d’Arc Egípcia, de Iman Kamel (2006). Documentário. O diário perdido de uma garota beduína (Jeanne) inspira a jornada de um cineasta (Kamel). O documentário discute as experiências das mulheres egípcias após a revolução de janeiro de 2011 através de formas de arte desafiadoras. No diário, Jeanne escreve sobre querer se libertar do mundo dominado pelos homens e se tornar dançarina. Kamel decide encontrar Jeanne se conectando com outras sete artistas egípcias. Censura 10 anos. Duração: 86 min.

22h00 – Reprise de Entre Dois Mares

 

04/08 (terça-feira)

19h00 – O Portão de Partida, de Karim Hanafy (2014). Uma meditação sobre tristeza, morte e aprisionamento psicológico que dispensa diálogo e narrativa para uma experiência visual que quebra as convenções. Censura: 10 anos. Duração: 65 min. (sessão inclusiva com legenda descritiva).

22h00 – Reprise de Joana d’Arc Egípcia

 

05/08 (quarta-feira)

19h00 – Horário do Cairo, de Amir Ramses (2014). Ficção: Três histórias acontecem ao longo de um único dia no Cairo. Lila, atriz aposentada, está procurando Sameh, sua última co-estrela. Salma está namorando Wael e está em seu apartamento. Hazem é um jovem traficante de drogas que foge de Alexandria para o Cairo e encontra um velho homem com a doença de Alzheimer. Os personagens se encontram em momentos decisivos de suas vidas, que, embora díspares, são reunidos pelo destino e são apresentados através de performances perfeitas pelas lendas do cinema egípcio. Censura 12 anos. Duração: 110 min.

22h00 – Reprise de O Portão de Partida

 

06/08 (quinta-feira)

19h00 – Sheikh Jackson, de Amr Salama (2017). Ficção: A história de um clérigo islâmico que tem uma paixão secreta por Michael Jackson. Ele passa por uma crise de fé ao saber da morte de seu cantor pop favorito. Censura 10 anos. Duração: 93 min.

22h00 – Reprise de Horário do Cairo

 

07/08 (sexta-feira)

17h00 – Workshop sobre Documentários com o cineasta Amr Bayoumi, diretor de Para Onde Foi Ramsés?.

19h00 – Les Petits Chats, de Sherif Nakhla (2015). Documentário sobre o surgimento da lendária banda de rock Les Petits Chats, formada em 1976, com Wagdi Francis Ezzat Abu Ouf e Omar Khairat. Os membros da banda se reúnem 30 anos depois para a performance de uma noite. Censura 12 anos. Duração: 80 min.

22h00 – Reprise de Sheikh Jackson

 

08/08 (sábado)

17h00 – Mawlana, de Magdi Ahmed Ali (2016). Ficção: Uma jornada aparentemente tradicional de um jovem sheikh em uma mesquita governamental que deixa de liderar orações para se tornar uma celebridade da TV emitindo “fatwas” aceitos por milhões de pessoas. Ele conquista legião de fãs por sua coragem e pelas tentativas de se desviar da retórica religiosa usual em uma sociedade fortemente influenciada pelo fundamentalismo. Censura 10 anos. Duração:130 min.

20h00 – Reprise de Les Petits Chats

 

09/08 – Domingo

17h00 – Vila 69, de Ayten Amin (2013). Ficção: Hussein é um arquiteto em estado terminal, mas encantador, que desfruta de uma rotina solitária em sua antiga casa de família e de uma variedade de visitantes femininas. Sem perceber que seu passado está prestes a alcançá-lo, a irmã de Hussein e seu neto se mudam para casa, interrompendo um estilo de vida bem estabelecido e forçando-o a reexaminar suas ideias sobre vida, amor e família. Censura: 12 anos. Duração: 120 min.

20h00 – Reprise de Mawlana

 

10/08 (segunda-feira)

19h00 – Saída para o Sol, de Hala Lotfy (2012). Vencedor de vários prêmios internacionais, incluindo o Melhor Filme Africano, no Festival de Cinema Africano de Milão, em 2013, o filme conta a história cotidiana de duas mulheres que cuidam de seu familiar doente. Censura: 12 anos. Duração: 96 min.

22h00 – Reprise de Vila 69

 

Dia 11/08 (terça-feira)

19h00 – Decor, de Ahmad Abdalla (2014). A vida da designer egípcia Maha dá uma guinada quando ela se vê como uma pessoa completamente diferente – uma dona de casa. O filme mostra a solidão enfrentada por alguns que sofrem de doenças mentais, bem como os desafios enfrentados por seus entes queridos. Em preto e branco, o longa é um belo tributo à era de ouro do cinema egípcio das décadas de 1940 e 1950. O cineasta Ahmad Abdalla mostra muitas invenções estéticas que o justificaram como o líder do novo cinema egípcio independente. Censura: 12 anos. Duração: 105 min.

22h00 – Reprise de Saída para o Sol

 


12/08 (quarta-feira)

19h00 – Eu Tenho uma Foto, de Mohamed Zedan (2017). Documentário. Com a ajuda de El Homossany, um dos mais antigos diretores assistentes do Egito, Zedan, um jovem cineasta independente, realiza um documentário sobre Motawe Eweis, que trabalhou como figurante em cerca de mil filmes no cinema egípcio dos anos quarenta até agora. Duração: 75 min. Livre.

22h00 – Reprise de Decor

 

13/08 (quinta-feira)

17h00 – Palestra sobre o filme Saída para o Sol, com a atriz Donia Maher (com tradução para o português).

19h00 – Mensagens do Mar, de Daoud Abdel Sayed (2010). Ficção: Após a morte de sua mãe, Yehia decide voltar para Alexandria, o lugar onde ele cresceu e se apaixonou. Desiste do emprego de médico e começa a pescar. Ele aprende muito com as histórias de outras pessoas e descobre o significado da vida enquanto medita no mar. Censura 12 anos. Duração: 134 min.

22h00 – Reprise de Eu Tenho uma Foto

 

14/08 (sexta-feira)

19h00 – O Elefante Azul, de Marwan Hamed (Egito, 2014). Ficção: Após cinco anos afastado, o psiquiatra Dr. Yehia retorna ao seu trabalho apenas para encontrar seu amigo universitário, Sherif, que acabou de chegar para avaliação mental e psicológica por ser acusado de assassinato. Tentando ajudá-lo, Yehia desvenda mistérios que nunca pensou que existissem. Censura: 16 anos. Duração:170 min.

22h00 – Reprise de Mensagens do Mar

 

15/08 (sábado)

17h00 – Não me Beije, de Ahmad Amer (2017). Ficção: Uma sensual estrela de cinema decide seguir um caminho mais religioso, mas o mundo do entretenimento e seus fãs têm opiniões diferentes sobre sua escolha. Censura: 12 anos. Duração:103 min.

20h – Reprise de O Elefante Azul

 

16/08 (domingo)

17h00 – Verde Seco, de Mohammed Hammad (2016). Ficção: Iman é uma jovem religiosa conservadora que se incomoda com a opinião dos outros sobre ela e que mantém posição rígida sobre a extinção das tradições. Uma terrível descoberta irá fazê-la abandonar todas posturas às quais um dia foi tão apegada. 14 anos. Duração: 73 min.

20h00 – Reprise de Não me Beije

 

17/08 (segunda-feira)

19h00 – Como um Palito de Fósforo, de Hussein Al Imam (2014). Uma comédia para homenagear as superestrelas da Era de Ouro do cinema egípcio. O enredo combina cenas, em preto e branco, estreladas por 21 atores da época com outras cenas escritas e estreladas por Al Imam. O produto final leva à redescoberta dos atores da idade de ouro em contexto totalmente novo. 10 anos. Duração: 84 min.

22h00 – Reprise de Verde Seco

 

18/08 (terça-feira)

19h00 – Fora do Comum, de Daoud Abdel Sayed (2014). Ficção: Um médico tira férias em Alexandria quando sua pesquisa sobre a existência de poderes psíquicos em humanos deixa espaço em branco. Ele se instala em uma pousada à beira-mar, lar de excêntricos personagens. 12 anos. Duração: 133 min.

22h00 – Reprise de Como um Palito de Fósforo

 

19/08 (quarta-feira)

19h00 – Caos e Desordem, de Nadine Khan (2012). Ficção: Manal, Zaki e Mounir estão na faixa dos vinte anos. Vivem em uma comunidade caótica, próxima a depósito de lixo, onde suas necessidades básicas são minimamente atendidas. Sob esta desordem social, existe uma camada de relações problemáticas em que se misturam amor, decadência e disputa entre Zaki e Mounir pelo amor de Manal. Uma competição cujo resultado será decidido por uma partida de futebol. 12 anos. Duração: 77 min.

22h00 – Reprise de Fora do Comum

 

20/08 (quinta-feira)

19h00 - A Girafa, de Ahmed Magdy (2018). Ficção: Ahmed percorre a paisagem noturna do Cairo ansioso por conseguir dinheiro para pagar pelo aborto de uma jovem – um procedimento urgente. Ele se depara com um grupo intrigante de jovens, liderado por uma mulher, cujo objetivo é resolver enigma em torno de uma girafa que supostamente está escondida no zoológico do Cairo. À medida que uma cadeia absurda de eventos se desenrola, Ahmed se distrai de sua missão. 14 anos. Duração: 75 min.

22h00 – Reprise de Caos e Desordem

 

21/08 (sexta-feira)

19h00 – O Elefante Azul 2, de Marwan Hamed (2019). Ficção: Um novo preso no hospital psiquiátrico vira a vida do Dr. Yehia de cabeça para baixo. Ele prenuncia que a morte de toda a sua família acontecerá em apenas três dias. Yehia então usa as pílulas de elefante azul na tentativa de controlar as coisas e resolver os quebra-cabeças que ele enfrenta. O longa se tornou o filme egípcio com maior bilheteria na história do país. 16 anos. Duração: 130 min.

22h00 – Reprise de A Girafa

 

22/08 (sábado)

17h00 – Reprise de Mawlana

20h00 – Reprise de O Elefante Azul 2

 

23/08 (domingo)

16h30 – Encerramento. Vídeo dos melhores momentos (disponível por 24 horas)

17h00 – Reprise de Fotocópia

20h00 – Reprise de Mensagens do Mar


22 comentários:

  1. ..., Fotocópia é uma delícia! ..., comédia leve e despretensiosa. ..., ótimos atores e enredo/roteiro enxuto. ..., muito bom!

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  2. ..., gostei do estradeiro YOMEDINNE. ..., me lembrou a parábola O Filho Pródigo. ..., embora mostre o olhar de indiferença dos cidadãos "normais" (- Deus lhe ajude!) aos cidadãos diferentes (- Eu sou um ser humano!), no retrato da vida como ela é no mundo, é um drama sensível (sem jamais ser piegas) em sua dureza. ..., tocante e com um final incrível, não poderia ser outro!!!

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  3. ..., sensibilidade à flor da pele nesse belo (ainda que dolorido!) Entre Dois Mares! ..., gosto do encadeamento das histórias das mulheres na busca pela independência e dando tempo ao tempo para cuidar das feridas (que não são poucas!) e (quem sabe?) dar um rumo às suas vidas...

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  4. ..., a ARTE! ..., ah, a ARTE presente em Entre Dois Mares! ..., como A temem aqueles senhores tradicionais que tentam aprisionar a luz do conhecimento e da liberdade!

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  5. ..., memória (de uma casa e de uma família) e melancolia magnificamente emolduradas pela fotografia de Zaki Aref. ..., embora no Brasil (excetuando os musicais e um ou outro descuido) não se legende canções de país algum, gostaria que, aqui, as canções tivessem legendas, já que parecem fazer parte do contexto. ..., talvez pelos elementos do fantástico (realismo mágico), me lembrou o cinema latino-americano..., o que nos deixa irmanados na arte de bem narrar. ..., bela, sensível e meticulosa direção de Karim Hanafy no comando de uma dramaturgia singular e de um elenco muito expressivo se entregando de corpo e alma neste O Portão de Partida!

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  6. ..., Horário do Cairo traz uma trama leve, com pitadas de humor, de romance e de suspense (sem muita convicção). A impressão é a de que o argumento é muito melhor que o roteiro dividido em três histórias paralelas com pretensões cômicas (mas que soam apenas caricatas e um tanto inverossímil) e longo demais (uns 20 a 30 minutos a menos ajudariam). Por mais que se tente justificar um humor nonsense e ou ingênuo, é muito difícil acreditar nas situações vividas por uma atriz em busca de um ex-ator, e ou por um casal de namorados apaixonado mas titubeante, e ou por um jovem traficante e o seu carona com Alzheimer. Será que o Cinema Egípcio é tão realista a ponto do espectador confundir ficção e realidade? Ou tudo não passa de uma grande metáfora sobre a pureza física e de sentimentos em meio ao machismo (assediador) reinante? Ao menos o final é bem resolvido.

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  7. Este drama muito bem-humorado, Sheikh Jackson, dirigido por Amr Salama, que dividiu o excelente roteiro com Omar Khaled, poderia tranquilamente receber o título de As Tentações do Sheik, que não são poucas: morais, físicas, musicais, religiosas..., herdadas de uma cultura tradicional rígida e que, aos ocidentais, causam muita estranheza pela forma como povo egípcio submete-se (às vezes subverte!) à ela. Nesta mostra, o que tem me chamado a atenção são os surpreendentes arremates até mesmo em tramas mais fracas, como a do morno Horário do Cairo, cujo argumento me pareceu melhor que o roteiro). E não poderia ser diferente com o epílogo deste simpático Sheik Jackson em sua “jornada do herói” muito particular, que vai da busca de identidade à expiação e à redenção, sem se deixar macular pela pieguice e ou se anular pelo moralismo vigente... Bem, só senti a falta (questões autorais?) das músicas originais do rei do pop Michael Jackson, o motivo do enredo.

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  8. Les Petits Chats é um documentário que (para os ocidentais) funciona como uma curiosidade da vida cultural nas cosmopolitas cidades do Cairo e de Alexandria, no Egito, e de Beirute (a Paris do Oriente), no Líbano, nos anos 1960 e 1970, com sua efervescência musical influenciada (ou dominada?) pela música estrangeira americana, inglesa, italiana, francesa, espanhola..., repercutindo também no cinema. As nostálgicas e interessantes histórias dos integrantes da heterogênea banda Les Petits Chats (especializada em covers internacionais), procurando conciliar os estudos e a carreira musical (em tempos de revolução social e cultural), mostram quão longe o estrangeirismo pode chegar e também alterar ideologias de várias gerações. Bem, para quem sabia absolutamente nada da Les Petit Chats (composta por excelentes músicos), que dividiu palco com Jimmy Page e Demis Roussos, teve várias formações e se tornou um fenômeno sem jamais “cantar a sua aldeia”, me pareceu um bom filme. Mas, ainda que amplo, este retrato biográfico (com farto material de época em filmes, vídeos e fotos) que acertadamente registra os novos caminhos (do cinema, da tv, da ópera, dos concertos clássicos) que alguns integrantes decidiram seguir ao se desligarem da banda, deixa uma lacuna ou dúvida: afinal, os músicos não “cantaram a sua aldeia” por questão mercadológica e ou por não valorizar a música (pop) local (que certamente existia)?.

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  9. Mawlana (O Orador, 2016) é o tipo de filme que deixa sem palavras aquele espectador conectado com a realidade global. A ebulição de temas pertinentes, num mundo a cada dia mais em frangalhos com a intensidade das guerras religiosas e políticas, é tão forte que o atordoa por um bom tempo. Com roteiro e direção de Magdi Ahmed Ali, baseado no romance homônimo do polêmico jornalista e escritor Ibrahim Eissa e emoldurado pela significativa fotografia de Ahmed Bashary, a trama de Mawlana nos coloca na “fila do gargarejo” da discussão do extremismo religioso num púlpito/palco e ou púlpito/arena onde “fiéis” e “infiéis” digladiam-se e atiçam as chamas da intolerância religiosa às crenças seculares..., interpretadas ao pé da letra e ou ridicularizadas (conforme o acesso aos meios de propagação) por diversas gerações. No centro desse burburinho está o carismático sheikh Hatem El-Shinawy (Amr Saad), cuja oratória conciliadora e tranquilidade para explanar questões espinhosas (sobre o Alcorão, os Profetas, o Islamismo, o Cristianismo, o Xiismo, o Sufismo, o Fundamentalismo), seja numa mesquita e ou no palco de um canal televisivo, o transformam em celebridade respeitada e muito requisitada por incontroláveis e manipuladoras forças políticas e religiosas para “apaziguar” suas devidas “autoridades”, antes que literalmente virem cinzas em suas próprias fogueiras das vaidades.
    Mawlana tem ótima direção de Ahmed Ali. O seu roteiro pode não ser perfeito (as falhas são mínimas), mas é inteligente, ousado e explora muito bem o suspense nas questões (de fé) religiosa e (de fé) política. Não vacila ao tratar dos percalços da fama na vida de um (super) sheikh, que não está imune aos acidentes de percurso (seja com o filho pequeno: capaz de abalar a sua fé, ou com o filho alheio: capaz de colapsar o governo), e dá uma dinâmica impressionante nos diálogos/discursos sobre as religiões e seus profetas e as interpretações equivocadas dos fiéis. Um filme que versa com segurança e veracidade sobre a tolerância de crenças (sem soar piegas!) e o ciclo vicioso de desculpas esfarrapadas dos religiosos (muçulmanos ou cristãos ou...) por atos extremistas praticados e nunca um pedido sincero de perdão pelo crime em nome da fé cega, ou o envio franco de condolências às vítimas da “guerra santa”. Enfim, por mais complexo que o assunto (fusão política e religiosa) pareça (aos ocidentais?), é impossível tirar os olhos da telinha e não acompanhar o raciocínio lúcido do sheikh Hatem, que nos conduz, feito um Dante, pelo labirinto das lamentações, numa narrativa singular e pertinente... Um belíssimo filme!
    Recomendo a leitura desta interessante matéria: Egyptian filmmaker Magdi Ahmed Ali explores religious extremism in ‘Mawlana’, publicada no Arabs News.

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  10. Quando se assiste a um filme, conforme a trama, a cenografia local fica em segundo plano e ou não passa de mera coadjuvante. Porém, de modo subliminar ou não, a retina capta certos detalhes que ficam reverberando (feito um subtexto tardio) em nosso cérebro até encontrar par em nova produção. É assim que, mesmo sem ter pisado em terras outras e ter sido convidado para um chá, uma festa e ou uma noitada, reconhecemos facilmente na arquitetura, na cor, na decoração da residência, a origem das personagens antes de saber a nacionalidade de um filme. Ao menos a minha memória cinéfila coincide com o que vejo (em moradias) quando assisto à produções estrangeiras..., e confesso que, após uma dúzia de filmes, já me parece ser capaz de reconhecer o singular interior das residenciais egípcias (na arquitetura, na cor, na decoração), tanto em casas simples quanto em sofisticadas.
    Bem, essa digressão acima é só pra dizer que, até o momento, duas realizações sobre resíduos de memória residencial egípcia me surpreenderam incrivelmente: o melancólico e simbolista O Portão de Partida, de Karim Hanafy, e o nostálgico e metafórico Vila 69, de Ayten Amin, com sua curiosa analogia relacionada a um velho e resiliente arquiteto e à sua velha e imponente casa: ambos em estado terminal.
    Mantendo as devidas diferenças de linguagem, é arrebatadora a formatação (de sonho e de pesadelo) das tramas que os dois diretores encontraram para falar de memória (abstrata e concreta), de vida e de morte de seus protagonistas (moradores e moradia). Hanafy omite a palavra e dialoga apenas com o grito surdo das imagens surreais, numa trama fantástica de puro realismo mágico, por onde transitam seres “fantasmagóricos” de três gerações, com seus apegos físicos e materiais. Amin aposta na força da palavra (e do palavrão!) para dar vazão à catarse de um velho arquiteto visionário em defesa de projetos arquitetônicos que tragam conforto a seus ocupantes, bem como no aflitivo registro da corrosão silenciosa que dia a dia devora a bela e velha casa a beira-rio em que ele habita. Aqui, além do excelente alinhavo da concretude e da abstração, numa corrida contra o tempo, em busca de restauro, antes que o último vestígio moral desapareça na correnteza de um rio alheio às vicissitudes familiares, chama a atenção a interessante analogia entre o mal-humorado arquiteto magérrimo (ensimesmado em sua dor) e uma casa ampla e solar (com estrutura comprometida). Um vestindo o outro. Um se sustentando na memória afetiva do outro. Dependentes de terceiros, homem e casa sabem que o tempo para o restauro é escasso e que suas sobrevidas podem não fazer diferença..., quando seus destinos já estão traçados.
    A narrativa de Vila 69 demora um pouco a engrenar, mas, assim que o enredo passa a focar no que realmente interessa, que é a ligação (afetiva) do meticuloso arquiteto doente com a sua velha casa decaída..., em meio à relação tumultuada dele com todos ao seu redor..., a história segue um caminho mais confortável e (ainda que algumas pontas soltas fiquem esvoaçando) bem mais compreensível das amarguras do saudosista protagonista e da sua visão de uma arquitetura consciente...

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  11. Finda a exibição de Saída para o Sol (Al Khorug lel Nahar), penso que a melhor definição para a pungente trama que acompanha os exaustivos cuidados de mãe (Hayat/Salma Al-Naggar) e filha (Soad/Donia Maher) ao pai doente (Ahmad Lutfi) seja o substantivo resignação. Tudo é solidão, carência e desleixo manifesto no cansaço da rotina das mulheres. Tudo é sombra e resíduo de aflições cotidianas em cada cômodo onde a luz do dia mal tangencia. Tudo é tédio e desespero na vida seca de uma família conformada com a sua amargura e sem tempo para praguejar contra quem quer que seja o responsável por destino tão miserável e periférico. Um trio quase indigente em seu monossilábico abandono. Um trio que espera pelo pão da manhã como se esperasse a Godot, que não chega porque a padaria estava cheia e ou porque faltou dinheiro e ou porque não importa (se não tiver pão de hoje come-se pão de ontem). Uma mãe (Hayat) enfermeira que se desdobra nos afazeres. Uma filha (Soad) solteira cansada da dura lida doméstica e precisando urgentemente de ouvir outras vozes, ver outras pessoas, respirar outro ar, fazer um agrado a si mesma, sem se sentir culpada..., se possível! Nervos à flor da pele. Angústia engolida a seco. O tempo urge e a elas parece restar envelhecer apenas na companhia melancólica uma da outra enquanto a vida se esvai ao sol. “- Mãe, onde é o nosso cemitério?”.
    Finda a exibição do premiadíssimo drama Saída para o Sol, muito bem escrito e dirigido por Hala Lotfy..., considerando o ótimo elenco, a acertada ausência de trilha sonora e a magnífica fotografia naturalista de Mahmoud Lotfi, que imprime a cada cena um realismo perturbador..., por mais que se creia que este recorte aflitivo da vida como ela é (também) nas periferias do Cairo se assemelha a outros recortes nas periferias do mundo, é impossível não se deixar quedar por um tempo na cadeira revendo seus próprios conceitos de dor...

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  12. É, pelo que se vê em Decor, quando a meta é a linguagem cinematográfica, Ahmad Abdalla não se faz de rogado e dá asas à imaginação, usando todos os recursos técnicos disponíveis para narrar um drama que flerta com o suspense hitchcockiano e a terapia do divã.
    Com seu um apelo metalinguístico, focado na importância da dramaturgia em produções egípcias de ontem e de hoje, o roteiro de Sherin Diab e Mohamed Diab (que dá alguns pontos sem nó, para não entregar o bordado antes da hora) traz um conto ao mesmo tempo aterrador e comovente sobre as armadilhas da mente. A insinuante trama de mistério psicológico, desenvolvida a partir de um set de filmagem, onde, após um colapso, a estressadíssima cenógrafa Maha (Horeya Farghaly), tem a sensação de estar vivendo uma vida (desesperadora e fictícia) dentro de uma vida (idealizada e real), na companhia distinta dos colegas de trabalho Mustapha (Maged El Kedwany) e Sherif (Khaled Abol Naga), prende o espectador (no mesmo looping) do princípio ao fim aberto a qualquer “diagnóstico”. Você decide!
    Carregada de metáforas, a ideia do filme (em preto e branco!) dentro do filme dentro de um filme em que ficção e realidade se (con)fundem até o último fotograma, que culmina num simbólico plano-sequência, ou melhor, num simbólico plano com sequência que sinaliza (?) o corte entre a fantasia e a realidade, num flash incrível, é excelente. Se “a vida não é em preto e branco”, como nos filmes de antigamente, então somos todos prisioneiros da cor? Ou tudo não passa de um jogo de cena?!
    Nota: E por falar em ficção e realidade, em alguns momentos me lembrei das gags sobre casamentos em celuloides de Horário do Cairo, de Amir Ramses...

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  13. ..., Eu Tenho uma Foto é um ótimo documentário carregado de humor e de melancolia sobre a memória cinematográfica egípcia. Tudo começa com a presença constante de um ator-figurante em dezenas de filmes e que..., diferente de outros atores-figurantes que raramente são notados, pois entram mudos e saem calados das cenas..., chama a atenção do então cinéfilo Mohamed Zedan. O seu nome, que só foi descoberto após exaustiva pesquisa (já que figurante não tem direito nem a crédito) é Motawe Eweis..., e (pela idade) poderia já estar morto, quando o jovem diretor Zedan, há muito obcecado pela sua marcante presença nos filmes egípcios (e até internacionais) decidiu fazer um documentário sobre ele. O curioso é que, o que prometia ser um simples registro documental, acaba tomando ares de ficção, quando, por insegurança (devido a diferença de idade) Mohamed resolve convidar outra figura carimbada do cinema egípcio, o assistente de diretor Kamal El Homossany (amigo de Eweis), para facilitar o relacionamento. Daí que, num documentário que mira o foco na arte de um (eterno) figurante (de pouca ou nenhuma fala), Motawe Eweis acaba dando zoom num (eterno) assistente de diretor que (além de não parar de falar e de ditar técnicas de filmagem) consegue roubar a cena, por se considerar mais esperto e preparado na direção que o próprio Mohamed Zedan. Assim, provando que camelo não é dromedário, o filme pode ser visto tanto como documentário sobre o notável Motawe Eweis (com intromissão especial de Kamal El Homossany) quanto como a feitura do (ou de um) documentário, com os palpites infindáveis do assistente El Homossany ao paciente diretor Zedan. Ou seja, dois apreços no registro de um.
    Toda via de um projeto cinematográfico tem seus obstáculos, e aqui Mohamed Zenan acaba encontrando uma forma (zen?) de contornar e até mesmo de lidar com a insegurança de Eweis que..., acostumado às ficções que participou e sem compreender o objetivo de um documentário (principalmente sobre sua pessoa)..., fica à espera de um texto e ou de uma motivação para ser filmado num lugar ou noutro. Em alguns momentos o idoso ator-figurante está lúcido e conta histórias saborosas dele e de colegas de set e noutros, quando lhe falha memória, recorre a um precioso arquivo fotográfico (Eu tenho uma foto) que prova a sua presença nos estúdios e a ligação com os grandes nomes do cinema egípcio. É um filme que emociona e faz refletir sobre o papel anônimo de anônimos figurantes (à espera de um dia também serem estrelas) e eternos amadores do cinema que fazem de tudo por uma ponta numa produção qualquer da sétima arte. Bem como sobre os sabores e dissabores de realizar (como diretor e ou assistente) um filme no Egito, mesmo nos dias de hoje...
    Nota: o acervo de filmes antigos presentes no documentário faz a gente querer conhecer mais e mais essa arte tão antiga no Egito, onde, segundo El Homossany, nasceu o neorrealismo (italiano) e “Ladrões de Búfalo” virou “Ladrões de Bicicleta”!

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  14. Assistindo ao melodrama Mensagens do Mar (selecionado, mas não indicado ao Oscar 2011), de Daoud Abdel Sayed, me peguei pensando, algumas vezes, se a gagueira é crime no Egito (ainda que, segundo a lenda, o tal do Moisés era gago). Sim, porque, apanhar da polícia, ser esculhambado por empresário ou confundido com bêbado, pelo simples fato de ser gago, não tem a menor lógica. Será que ser gago lá em Alexandria (que na trama parece um lugarejo esquecido às bordas do mediterrâneo, sem telefone, tv, internet) é como ser negro nos EUA e ou no Brasil..., com todas as restrições profissionais e sociais?
    Com narrativa irregular e clichê para todos os gostos, a impressão é a de que o argumento de Mensagens do Mar é bem melhor que o roteiro (do próprio Abdel Sayed), que vai de lugar algum para lugar nenhum, diferente das ondas do mar, que carregam mensagens indecifráveis em garrafas e, ao menos, quebram na praia. O enredo é bastante previsível e os personagens soam inverossímeis (na ingenuidade e no moralismo). A relação entre Yehia (Asser Yasin) e Nora (Basma) parece ter sido inspirada no relacionamento conturbado de Alfredo e Violetta, da ópera La Traviata de Verdi, principalmente pelo (esperado) afrontoso “pagamento” do Ano Novo. Algumas cenas são constrangedoras no tabu vigente (?) acolá..., como, por exemplo, aquela simulação amadora de “cópula” do casal vestido e sob a coberta que, após a “transa”, se levanta da cama, veste uma ou outra peça que falta e já está pronto para o batente. Seria mais interessante (e até mais sensual) apenas sugerir a conjunção carnal, como em outras cenas...
    Bem, eu estou começando a achar que os cineastas egípcios têm fixação pela velha e bela arquitetura local, já que (assim como em Portão de Partida e Vila 69) também aqui há referências à memória residencial, que faz com que o protagonista se apegue ao confortável apartamento da família (um dos pontos de discórdia no drama). Enfim, talvez Daoud Abdel Sayed quisesse contar uma história ampla, traçar um painel crônico socioeconômico da região, com pitadas de humanismo, porém, assim como a indecifrável mensagem do mar, suas histórias paralelas (que acrescentam nada à trama principal) servem apenas para aumentar a metragem, feito uma novela carente de humor...

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  15. O drama de suspense O Elefante Azul, dirigido por Marwan Hamed, baseado no romance homônimo de Ahmed Mourad, é um típico cinemão internacional de “mistério” e violência, ao gosto de boa parcela dos fãs do gênero que não se cansa de variações do mesmo tema: incorporação diabólica (com resquícios até de O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski, 1968), satanismo, objetos amaldiçoados, seitas ocultistas etc. Excetuando o fato do personagem protagonista (incumbido de desvendar um crime) ser um psiquiatra inacreditavelmente chapado (há cinco anos!), consumindo todos os tipos de drogas lícitas e ilícitas..., (geralmente em filmes de investigação criminal, principalmente norte-americanos, quem assume o papel de bêbado ou de drogado é o policial e ou detetive responsável pelo caso)..., e não passando um minuto sequer sóbrio (queima fumo/haxixe até no consultório!), a novidade é O Elefante Azul ter sido feito no Egito, onde não se produz esse tipo de thriller.
    Assim, considerando que a trama fraca não enreda o espectador mais exigente no cansativo mundo das alucinações e tampouco deixa espaço para a sua imaginação dar forma ao terror “sugerido”, como em 99% dos filmes atuais do gênero, que se valem apenas do áudio-susto (via decibéis de barulhentas trilhas sonoras) para “assustar” e ensurdecer o público incauto; e que o imbróglio familiar no entrelaçamento (nada sutil) dos personagens centrais (pouco convincentes) beira o ridículo.., O Elefante Azul (com seu discutível final alternativo) é uma curiosidade cinematográfica egípcia que, infelizmente (a mim), não diz a que veio. Quem sabe a parte dois (de uma trilogia?) faça mais jus.

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  16. Pelo que se vê nesta 2ª Mostra de Cinema, os cineastas egípcios gostam muito de trabalhar com temas relacionados à memória arquitetural (Portão de Partida, Vila 69, Mensagem do Mar) e cinematográfica (Horários do Cairo, Decor, Eu Tenho Uma Foto). Levando em consideração essa entrega temática, não é de se estranhar que, assim como em Decor (de Ahmad Abdalla ) e Eu Tenho Uma Foto (de Mohamed Zedan), o roteirista e diretor Ahmad Amer também faça uso da metalinguagem no desenvolvimento da sua comédia Não Me Beije, que discute, de maneira razoavelmente divertida, a evolução e a decadência das cenas de beijo (com muitos registros fílmicos) na cinematografia egípcia.
    Uma curiosidade une as metalinguagens de Eu Tenho Uma Foto e de Não Me Beije. No primeiro, o acaso gerou dois documentários em um (trazendo tanto a carreira do notável ator-figurante Motawe Eweis quanto a feitura do próprio documentário, repleta de regras cinematográficas segundo o impagável assistente de diretor Kamal El Homossany). No segundo, propositadamente há dois filmes dentro de um (terceiro) filme, já que o roteiro que está sendo filmado é contado do ponto de vista de um “documentarista” que registra (com depoimentos de toda a equipe) o primeiro trabalho e as reações de um jovem diretor à beira de um ataque de nervos com a atriz que, de uma hora para outra, se recusa a beijar o seu parceiro de cena em sequência final importante para a trama. Se bem que, nesse caso, o correto seria dizer que (em Não Me Beije) se trata de um mocumentário duplo: alguém filmando um “documentarista” que cobre a feitura de um filme de ficção para mostrar, também, o atual conservadorismo na vida cultural do Egito.
    O desdobramento dessa tripla metalinguagem melhora em muito o sabor da história ao acrescentar entrevistas hilárias com “diretores”, “celebridades”, “religioso”, “produtor”, “figurinista”, “espectadores”, na discussão do insosso beija não beija, e no destino da atriz perdida na sua própria fogueira da vaidade e na sua inesperada devoção. Enfim, um filme que reflete, de uma maneira branda, sobre insegurança profissional, fé e conservadorismo. Embora algumas piadas funcionem e outras não, é um bom passatempo.

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  17. Assim como Saída para o Sol, de Hala Lotfy, o drama Verde Seco, dirigido com delicadeza impressionante por Mohammed Hammad, é (mais) um soco na boca do estômago, ao falar do papel da mulher monossilábica na tradição egípcia. Hammad..., que além de diretor, exerce a função de roteirista, produtor, diretor de arte, designer de produção, editor..., nos presenteia com um filme melancólico (quase silencioso) e carregado de metáforas espinhosas que vão nos arranhando até a alma. A saga humilhante de Iman (numa entrega absurda de Heba Ali), uma mulher solteira e contida em seus desejos íntimos e que, em respeito às tradições e na falta do pai falecido, tenta persuadir qualquer um dos três tios a comparecer ao noivado da sua irmã mais nova Noha (Asmaa Fawzi), é comovente. Sem se deixar infectar pelo moralismo religioso e sociocultural, o ousado Mohammed Hammad trabalha com equilíbrio (sem histerismo!) um tema (independência!) que parece bem caro às mulheres do oriente..., principalmente àquelas que, pelas circunstâncias, tornam-se responsáveis pela manutenção da casa. O bom uso do simbolismo (no jardim de cactos, na criação da tartaruga, na importância de uma cortina em uma casa carente de outros cuidados), bem como seu desconcertante revés, me pareceu fundamental para arrematar uma história tão cáustica. Enfim, fazendo par com o dolorido Saída para o Sol (- Mãe, onde é o nosso cemitério?), Verde Seco é mais um daqueles filmes de estranha e caótica beleza que teimam e ecoar em nosso íntimo quando menos a gente espera...

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  18. Como um Palito de Fósforo, de Hussein Al Imam, é uma paródia engraçadinha, mas não chega a ser hilária, dos velhos filmes de gangster. Vale mais pela curiosa pesquisa e resgate da filmografia clássica egípcia do que pelo filme em si, cujo assunto se esgota rapidamente. A colagem de sequências de filmes antigos (estreladas por atores e atrizes da Era de Ouro do Cinema Egípcio) às cenas novas, (re)escritas e interpretadas por Al Imam, mostra-se um trabalho árduo, sem dúvida, o problema é que nem sempre os enredos (mais dramáticos) da películas de ontem parecem casar com o enredo (drogas e gangsterismo pastelão) de hoje. A narrativa rocambolesca que brinca com o estilo de film noir (mais pelo preto e branco e tom confessional) do que pela estética, também vacila em não dar tratamento adequado às imagens (digitais limpinhas e brilhantes) recentes, para aproximá-las daquelas em película (com seu distinto granulado). Enfim, é um razoável passatempo. Mas a brincadeira cinematográfica deve fazer mais sentido para o público egípcio que conhece os filmes em questão.

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  19. Fora do Comum, de Daoud Abdel Sayed (Mensagens do Mar), é um filme que, assim como Mensagens do Mar, promete uma coisa e dá outra..., ou fica na promessa. Esse é o segundo filme do famoso roteirista e diretor Abdel Sayed que estou conhecendo e a impressão é a de que também este começa com todo gás, mas vai perdendo fôlego até chegar arfando ao (forçado?) final (feliz?) meio que sem que nem mais porquê.
    O argumento sobre um jovem médico incrédulo, Yehia (Khaled Aboul Naga), em busca de material confiável sobre paranormalidade, para sua tese, é curioso o suficiente para uma grande história. Porém, Abdel Sayed parece achar que um pouco de ação (desengonçada) não fará mal à trama de suspense leve e quase onírica. Ledo engano! A história que começa muito bem, com Yehia cansado da sua pesquisa inócua, indo relaxar em uma pousada (de hóspedes excêntricos) à beira-mar, não tarda a desandar. Basta o jovem médico demonstrar algum interesse pelas histórias estranhas da atraente e esquiva dona do local, Hayat (Naglaa Badr) e da sua graciosa filha Farida (Mariam Tamer), sugerindo que ambas possuem poderes sensoriais..., para o enredo emaranhar de tal forma que nem tesoura afiada é capaz de cortar o embaraço. O ponto frágil está principalmente numa cena bacana de brincadeira infantil de Farida no circo, que poderia ser melhor resolvida. O que é aquela reação bandeirosa de Hayat, que vai culminar na violenta chegada (a que veio mesmo?) do investigador da polícia (?) e empreendedor (?) Amr el-Banhawy (Aboelhassan Abbas), botando mãe e filha em rota de fuga (sem saber o porquê) de lugar algum para lugar nenhum? Nesse angu com muitos caroços, o enredo vai desfiando incoerências e a história definhando, cada vez mais sem sentido. Quanto mais a gente tenta entender, mais o drama muda que muda até o final de volta ao começo. A mensagem (ou moral) sobre paranormalidade acaba ridicularizada e todo mundo feliz da vida por rodar e rodar e não sair do lugar.
    Realmente, cada olhar um filme e, aqui, entre um rumo mais rico e lúdico de fábula, o diretor opta pelo policialesco, que é bem mais fácil de trabalhar e muito mais comercial.

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  20. O filme Caos e Desordem, de Nadine Khan, não poderia merecer título melhor (ou mais óbvio). Em sua crônica de costumes, Khan, que escreveu o roteiro em parceria com Mohamed Nasser, traça um panorama peculiar do cotidiano tumultuado em uma comunidade instalada à beira de um lixão. O recorte é de apenas uma semana, mas o suficiente para o espectador ter noção dos afazeres e dos grandes dramas ou das pequenas tragédias que preenchem a vida daquela gente periférica que ama e odeia e briga e faz as pazes e fofoca e pratica pequenos e grandes delitos e resolve pendengas até mesmo em jogos de futebol... Apesar do aparente Caos e Desordem reinante, há, no vilarejo, uma harmonia típica das grandes famílias, onde se briga para depois ficar de bem. Tem cara de docudrama, mas é “ficção” e totalmente amoral. Não há julgamentos dos atos ilícitos praticados por crianças, jovens e ou adultos, mas há críticas “veladas” aos “chefes” que controlam as atividades comerciais locais e lucram em cima dos mais necessitados..., em pequena ou grande escala (se é que me entende!). Sem jamais soar chato ou radicalmente engajado, é nas sutilezas (do subtexto ou do subliminar) que Caos e Desordem toca o público cinéfilo e o leva à reflexão da sua própria periferia. Pontos para a jovem diretora e seu olhar apuradíssimo sobre as artimanhas do amor e as ardências da guerra!

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  21. A narrativa de A Girafa, do ator, roteirista e diretor Ahmed Magdy, dá voltas e mais voltas noctívagas na carona de um grupo de jovens que roda pela cidade tentando levantar uma grana para que uma amiga faça um aborto. A trama (meio filme estradeiro) chega com uma urgência estranha, já que explica absolutamente nada sobre a gravidez da garota, mas vai deixando pistas falsas e símbolos confusos pelo caminho: girafas (gerando filhote espontaneamente), manchas crescentes numa parede, garota em fuga, personagens mudos... Não faltam analogias entre o aborto de filho indesejado e a morte de uma criança querida e entre o enterro do feto e da criança. Fala-se de solidariedade na morte de seres humanos e na falta dela na morte se seres não-humanos, como a girafa. Toda via do amor e da dor, no entanto, quando o dia amanhece, é vida que segue... O roteiro é, sem dúvida, pretensioso e está mais para a experimentação (que os festivais de cinema adoram) do que para o entretenimento do grande público. Digamos que é um filme meio-cabeça...

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  22. O thriller adolescente O Elefante Azul 2 pode, tranquilamente, ser renomeado de O Elefante 1 e ½, pois, embora seus efeitos especiais nos penduricalhos oníricos (ou surreais) sejam superiores aos do filme anterior, o enredo (com variações mínimas) é praticamente o mesmo..., quase um remake. Ou seja, se no O Elefante Azul 1, o traumatizado psiquiatra Yahya (Karim Abdel Aziz) - que não passa um minuto sem alguma droga lícita e ou ilícita - volta a clinicar cinco anos depois de um acidente que culminou com a morte da mulher e da filha e vira investigador criminal místico, para descobrir porque o seu velho amigo Sherif (Khaled El-Sawi), também psiquiatra, matou a mulher e a filha.., em O Elefante Azul 2, o enfastiado psiquiatra beberrão - que não se sabe porque anda aborrecido com a sua mulher Lubna (Nelly Karim), que (em O Elefante Azul 1) era a grande paixão da sua vida - volta, cinco anos depois de encerrar (?) a carreira e entrar para o ramo imobiliário (?), a clinicar, ou melhor, a investigar misticamente outro crime, desta vez cometido por uma mulher, Farida (Hind Sabry), que também diz não se lembrar de ter matado o marido e a filha. Como se vê, os crimes têm as mesmas características de demência, só muda o gênero autoral.
    Bem, enquanto se desenrola o (re)conhecível fio da meada, ficamos sabendo que as duas tramas têm mais em comum do que suportam nossa inteligência. Para avariar um pouco as ideias, Farida é rival (no amor) de Lubna, que era rival (no amor) da primeira mulher de Yahya, e quer se vingar na família do psiquiatra o seu amor ferido, matando a mulher e o casal de filhos dele. Ou seja, crimes e criminosos continuam em família. Até Sherif reaparece para ajudar a resolver o imbróglio, que só “ganha” sentido (óbvio!) quando Yahya perde os sentidos, ao tomar as pílulas alucinógenas Elefante Azul, viaja ao passado e conhece as (confusas) encarnações anteriores da trupe toda, reencontra o imortal gênio diabólico Nael, que adora incorporar os incautos, e acredita ter as respostas para tanta matança. No entanto, se não voltar à lucidez rápido, pode acabar perdendo também a sua segunda família...
    Em síntese, é essa a linha que segue, com muitos fios enroscados (para ganhar tempo com descartáveis personagens antigos?), o roteiro déjà vu de Ahmed Mourad. Para o espectador jovem e nada exigente, que prefere sempre o conhecido caminho das pedras, deixando que os sustos lhe cheguem, de forma divertida e esperada, com os altos decibéis sonoros da trilha manjada, não há o que reclamar..., o entretenimento, em padrão internacional, o satisfaz (mesmo sem lógica) plenamente. Porém, o cinéfilo que espera algo realmente novo e mais profundo, psicológica e ou mesmo misticamente, pode se decepcionar com a previsibilidade da história e a falta de simpatia dos personagens cada vez mais rasos.
    Enfim, há um ou outro probleminha técnico compensado pelas belas imagens surreais e do passado, mas nada que impeça de se assistir a O Elefante Azul 2 com algum interesse, na expectativa de uma reviravolta final..., que só deve chegar (se chegar) com O Elefante Azul 3. Isso é, desde que Yahya volte (cinco anos depois?) da prática de qualquer atividade ou do ócio para resolver outro crime bizarro do além. Se isso acontecer (pelo final vai acontecer!), que a história seja original e, preferencialmente, o entrelaçamento familiar fique de fora!

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