quarta-feira, 4 de março de 2020

Crítica: O Melhor Está Por Vir


O MELHOR ESTÁ POR VIR
por Joba Tridente

Numa época individualista e de amigos virtuais de ocasião (cuja maioria você jamais conhecerá fisicamente), uma boa e velha amizade, daquelas que une pessoas (na alegria, na tolice e na tristeza) por décadas e sem qualquer explicação lógica (além do acaso do primeiro encontro), vale ouro, nas horas mais frágeis de cada um. Não há fronteira familiar que barre a amizade verdadeira. Portanto, na engrenagem (ou traquinagem) do tempo, que engole segundos e minutos preciosos do passado, ter um amigo (no presente), a quem se pode confidenciar (ou compartilhar) uma aflição, faz toda a diferença. Amizade e amor é o cerne do simpático melodrama (com pitadas de humor) francês O Melhor Está Por Vir (Le Meilleur Reste à Venir, 2019), roteirizado e dirigido por Matthieu Delaporte e Alexandre De La Patellière.

O Melhor Está Por Vir fala de dois amigos adultos que cultivam uma amizade inabalável desde a infância. Um dia, por conta de um incidente, o introvertido Arthur (Fabrice Luchini) fica sabendo que o efusivo César (Patrick Bruel) está com câncer. Porém, ao dar a má notícia ao velho amigo, ele se enrola tanto que César acaba achando que é Arthur quem está com a doença terminal e decide fazer de tudo para tornar seus últimos dias mais felizes. Assim começa a saga dos dois em busca de momentos inesquecíveis do passado e procurando realizar alguns sonhos/desejos impossíveis..., um tentando amenizar a dor do outro.


A imersão no tema (câncer) não é novidade no cinema. São muitas as tramas envolvendo jovens (românticos) e ou adultos (resignados)..., bem como sobre confusão de diagnóstico médico, este sempre num tom mais cômico. Delaporte e De La Patellière, no entanto, não parecem preocupados com o ineditismo do tema. Estão mais interessados em contar uma boa e melodramática história (com bem-vindas surpresas), sobre o valor da amizade, do amor, da solidariedade, em cujo entrelinhado aparece a doença terminal. O câncer (no enredo) nada mais é que o impulso dramático para a narrativa que se quer leve (pra cima) e nada piegas. Não para maquiar e ou ignorar a doença..., mas, diante de um diagnóstico definitivamente fatal, resta ao diagnosticado a paciência e o bom senso (se possível, evidentemente) de aproveitar os seus dias (terminais ou não) da melhor maneira possível..., ou com alguma dignidade.

Mesmo com os clichês de praxe e a trilha instrumental inconveniente, O Melhor Está Por Vir é um filme que se assiste com prazer e, certamente, há de emocionar boa parte do público. Luchini e Bruel estão muito bem, mesmo quando parecem exagerar nas idiossincrasias das suas personagens raras (nos dias de hoje), mas críveis. O roteiro é clássico e planta com inteligência algumas dúvidas nas certezas do espectador. Nem sempre o humor francês faz sentido, mas isso é mero detalhe. A dupla direção é eficaz e Matthieu Delaporte e Alexandre De La Patellière contam (sem enrolação) muito bem a envolvente história que se propuseram a narrar.

Nota: A quem não tem, nunca teve e quer saber qual é o sentimento de ter um amigo verdadeiro, recomendo a leitura de Um Amigo (1973), de Leif Kristiansson.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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