A Morte
de Stalin
por Joba Tridente
Com
suas farsas e sátiras políticas televisivas e cinematográficas, o cineasta e
roteirista escocês Armando Iannucci
vem se tornando merecidamente unanimidade e referência de qualidade e ousadia.
É impossível ficar indiferente à comicidade de pérolas como o longa-metragem In the Loop (2009) e as séries The Thick of It (BBC - 2005/2012) e
Veep (HBO - 2012/2016)..., e ou não
reconhecer a sua maestria com a brilhante desconstrução de um mito da tirania e
seus asseclas na anárquica comédia dramática A Morte de Stalin (The Death
of Stalin, 2017).
Baseado
na premiada graphic novel homônima (2010),
dos franceses Fabien Nury e Thierry Robin, lançada no Brasil em 2015, a sátira A Morte de Stalin, com roteiro
inteligente de Iannucci, David Schneider e Ian Martin, é tão ferina quanto necessária nestes
dias turbulentos (de ânimos acirrados nas redes “sociais”) em que
políticos populistas (e seus correligionários acéfalos) se fazem de mansas
ovelhas e armam as suas arapucas para chegar ao poder e nele permanecer ad infinitum.
A
trama, situada em 1953, cobre algumas horas antes e, principalmente, alguns dias
após a morte do tirano sanguinário (que se considerava o pai dos povos) Joseph Stalin (Adrian McLoughlin)..., quando então a ebulição política toma conta
do Politburo, onde o deputado Georgy
Malenkov (Jeffrey Tambor), o
chefe do partido Nikita Khrushchev (Steve Buscemi), o ministro das Relações
Exteriores Vyacheslav Molotov (Michael Palin), o chefe da polícia
secreta Lavrentiy Beria (Simon Russell Beale) se engalfinham na ambição
de sucedê-lo. Todos temem uns aos outros. Todos se blindam com as “armas” que
têm: documentos, anotações e ou farta hipocrisia.
Para desatar
esse imbróglio, o excepcional diretor Armando Iannucci convocou um elenco
sublime, que inclui também Jason Isaacs
(o fanfarrão marechal Zhukov), Rupert Friend e Andrea Riseborough (o beberrão
Vasily e a perturbada Svetlana, filhos
de Stalin) e o expressivo fotógrafo Zac Nicholson, que (ladeado pela direção de
arte) dá a Londres as características perfeitas da Moscou cinquentista. Pelo
seu toque humorístico (a melhor maneira de atingir a qualquer alvo) A Morte de Stalin, cujos fatos narrados
com descompromissada elegância e diálogos afiados e hilários (em inglês e sem
sotaque russo!), pode até parecer, mas não é ficção. Pelo menos no todo! O que
não quer dizer que não tenha lá um olhar muito particular sobre esses fatos (alguns
até negados por partidários radicais, que seguramente se recusarão assistir a esta
preciosidade).
Embora
a trama cite (com brevidade e contundência) o lado mais tenebroso daquela
ditadura banhada em sangue e corrompida até a alma (como todas as ditaduras), o
foco da trama é a insana corrida ditatorial, com cada “candidato” se esmerando
nos conchavos com membros menos potenciais e na destruição moral (e física) do
provável concorrente. É da sordidez dos vilões posando de santos, enquanto o
corpo de Stalin esfria e durante a realização do velório, que vem o humor
(inglês e negro) com gags visuais perspicazes (às vezes beirando o pastelão) e
diálogos ferinos. Rimos da estupidez e da (nossa) servidão humana. Rimos da
nossa impotência, inda temerosos da repetição dos erros eleitorais passados, na
tentativa de superar a dor e as frustrações políticas. Rimos da mediocridade
dos poderosos ridículos em suas mortes solitárias..., vítimas da mesquinhez e
do próprio mecanismo genocida que criaram.
Enfim,
considerando o notável roteiro, o ritmo e a abrangência da história, que não faz
concessão a político algum (de ontem e de hoje, que queira vestir a carapuça);
que a narrativa sólida, sem cair na gratuidade do gracejo vago ou sádico (!), traz
sequências antológicas..., como, por exemplo, a do concerto ao vivo (“Esta é apenas uma emergência musical!”)
e as suas consequências drásticas;
ressaltando que algumas cenas (ou tiros!) são ótimas metáforas ao
mercado político de hoje no mundo; levando em conta que a obra foi censurada na
Rússia (por motivos óbvios!)..., A Morte
de Stalin é uma sátira política da melhor qualidade. Um filme para quem
aprecia a originalidade crítica em tempos de entretenimentos capengas...
*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo),
em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista
e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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