sexta-feira, 21 de julho de 2017

Crítica: Em Ritmo de Fuga

Em Ritmo de Fuga
por Joba Tridente*

A ideia para o filme de ação Em Ritmo de Fuga, a mais nova audácia cinematográfica do diretor e roteirista inglês Edgar Wright, teria entrado em ebulição lá nos idos de 1994 e testada, por ele mesmo, no interessante videoclipe Blue Song, da Mint Royale, em 2003. Deu tão certo que a sequência de abertura do filme, praticamente, reproduz os primeiros minutos do vídeo musical.

Na verdade, Em Ritmo de Fuga (Baby Driver, EUA, 2017), de Edgar Wright, pode ser visto como um longo videoclipe híbrido e ou um musical híbrido, já que toda a narrativa (incluindo diálogos) segue o compasso de alguma música (em medley pop, rock, funk, soul, blue) que está sendo ouvida (e raramente comentada ou compartilhada) por Baby (Ansel Elgort), o jovem motorista do CEO do Crime, Doc (Kevin Spacey). Embora pareça não fazer parte da Ordem Criminosa, o monossilábico Baby tem motivos para estar o tempo todo com fones de ouvidos e a serviço de Doc..., que o tem como um talismã da sorte, já que é um motorista excepcional.


O que não quer dizer que, com sua cara de bebê, o rapaz seja unanimidade entre os assaltantes profissionais..., por razões que você vai descobrir quando der de cara com os psicopatas homicidas Griff (Jon Bernthal), Bats (Jamie Foxx) e Buddy (Jon Hamm)..., contratados por Doc, conforme a especialidade do assalto. Baby sabe que, quando se estaciona na garagem do crime, tem que estar preparado para todo tipo de avaria (material, física, moral) no “veículo” próprio e ou alheio. No entanto, toda via de fuga congestionada, enquanto não consegue se desviar desta rotina marginal, ele cuida do velho pai adotivo Joseph (CJ Jones) e busca se envolver com a graciosa garçonete Debora (Lily James), que se lamenta de ter tão poucas músicas com o seu nome e sonha sair estrada afora sem destino e sem olhar para trás...

Com seus curiosos cortes elípticos e sequências dignas (ou típicas) de musicais, enquadramento inusitado e perseguição automobilística bem coreografada, Em Ritmo de Fuga, que deve cair nas graças principalmente do público adolescente, poderia até ser considerado um drama romântico leve, não fosse o crescendo (estilizado e ou explícito) da violência que explode incômoda no ato final. Embora o humor (nonsense) negro busque lapidar a ação pesada (inda que o roteiro insinue novas rotas e os personagens em trânsito tenham um quê caricatural dos personagens da Gang do Motor, que animavam os reclames do Lubrificantes Bardhal, nos anos 1960), a violência pode soar repetitivamente clichê (que faz parte do gênero policial) e até cansativa.


A história do bom sujeito que comete erros na juventude e busca a redenção não é novidade no cinema..., o que lhe dá “originalidade” e valoriza a argumentação é a linguagem narrativa. E o provocador Wright, que surpreendeu os cinéfilos com Todo mundo Quase morto/Shaun of the Dead (2004), Chumbo Grosso/Hot Fuzz (2007), Scott Pilgrim Contra o Mundo/Scott Pilgrim vs. the World (2010), O Fim do mundo/The World's End (2013) sabe muito bem como customizar uma velha história para que ela pareça novinha na tela. Tanto, que tem feito um bocado de críticos especular se há (ou não!) referências ao menos a dois ótimos filmes: Drive (2011), de Nicolas Winding Refn, e The Driver (1978), de Walter Hill, cujos scripts guardam alguma semelhança. Tem sobrado até para o recente musical La La Land: Cantando Estações (2016)..., provavelmente por conta do toque de fantasia que enreda o jovem casal sonhador em meio aos rá-tá-tá-tás das metralhadoras...

A trilha sonora que embala, do prólogo ao epílogo, Em Ritmo de Fuga (embora não tenha a grande maioria das letras traduzidas, como é comum no Brasil) é coprotagonista na trama. Ela é a sombra sonora compilada, a consciência sincopada que dá ao protagonista Baby o senso de direção no alucinado ballet automobilístico pelas avenidas de Atlanta, ou numa caminhada dançante pelas calçadas do bairro, ou num rodopio na companhia do velho pai e na troca de confidências com a garconete (de contos de fadas) Debora. Aliás, como disse lá em cima, tudo soa musica neste louco thriller melódico: tiroteio, corrida, batidas, copos de café, diálogos, mesas etc...


Enfim..., considerando que os diálogos são bem econômicos (inclusive no conteúdo: Nos conhecemos antes, certo? Eu não sei. Você ainda está vivo, certo? Sim. Então acho que nunca nos encontramos.); que o elenco é excelente e as performances (cartunescas) divertidas; que a fotografia (!) a edição (!) e a trilha (!) estão em perfeita e invejável sincronia; que o roteirista e diretor britânico Edgar Wright continua realizando entretenimento de qualidade e (ainda) nem aí pra “filme cabeça”; que o enredo é enxuto (os percalços de um jovem motorista a serviço de uma gangue de assaltantes) e que, violência à parte, tem um charme (e ingenuidade romântica) dos filmes policiais dos anos 1950..., quando sai da sessão especial tinha achado Em Ritmo de Fuga apenas bacaninha, mas quando comecei a me lembrar de detalhes, para escrever a crítica, me dei conta de que o filme de ação musicalizada é muito bom! Um filmaço!

*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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