Manchester à Beira-Mar
por Joba
Tridente.
A dor
é um sentimento impossível de ser compartilhado. Pode-se até (tentar)
compreender o sofrimento alheio, mas jamais senti-lo na própria pele. Porque a
dor física ou espiritual que fragiliza o corpo e corrói a alma é única. Indissociável!
Ainda que em algum momento esta seja em comum, ela será diferenciada..., porque
cada um é universo único de emoções e apegos. Pois somos seres idiossincrásicos!
Ou como escreveu o jornalista, escritor TT Catalão: “..., cada um cada vez mais cada um”.
No
cinema, muitas produções já exploraram o tema (dor, culpa, trauma, remorso) com
relativo sucesso. A maioria piegas, escapista, ocupada mais com o
entretenimento edificante de resgate e redenção (familiar) do personagem
sofredor em sua jornada do herói..., moldada ao gosto popular do melodrama divã-terapêutico.
Manchester à Beira-Mar (Manchester
by the Sea, EUA, 2016) foge à regra-clichê do gênero. Escrito e dirigido
com maestria por Kenneth Lonergan, o
belíssimo drama gira em torno de Lee
Chandler (Casey Affleck,
soberbo!), um zelador de prédio (faz-tudo!) que vive sozinho em Quincy, no Massachusetts, EUA. É um sujeito introspectivo,
de frases curtas. Antissociável, nem sempre consegue evitar mal-entendidos com
condôminos (irritantes) e ou fregueses de algum bar.
Quando seu irmão Joe (Kyle Chandler) sofre um infarto fulminante e ele retorna à Manchester-by-the-Sea,
a sua cidade natal, é que o espectador vai compreender a razão de tanta
amargura e o porquê dele não suportar a ideia de voltar a morar ali, como tutor
do sobrinho adolescente Patrick (Lucas Hedges). Naquele lugar, onde os
moradores parecem lhe apontar o dedo acusador, o público conhecerá,
através de flashbacks (numa edição extraordinária), o seu trauma incomensurável,
a razão da dor que ainda drena seus sentimentos e embaça os seus atos e
sentidos. Um tormento fortemente delineado na (já) antológica sequência do
encontro casual (e catártico) com a sua ex-mulher Randi (Michele Williams,
inspiradíssima).
Em
2h17 de profunda reflexão sobre a dor humana, Manchester à Beira-Mar prova que nem todo cinema é (ou precisa ser)
movido à pipoca, refrigerante e celular para alcançar o “eu” do espectador. A
perspicácia do seu enredo, os diálogos e a naturalidade expressiva do elenco arrebatam
o espectador porque são críveis. Não há estereótipos e nem gratuidades. Nesse
melancólico conto (com leves toques de humor juvenil) os personagens sentem e
agem como (se fossem?) pessoas reais.
Casey
Afleck impressiona com sua perturbadora performance de Lee. A sensação de desconforto que seu personagem causa ao
espectador é a mesma causada aos personagens com quem interage. Não há
personagem e nem cena alguma fora de ordem. Tudo o que se vê tem a sua razão na
tela, principalmente o fio condutor (paralelo) do flashback. Da fascinante
direção de arte de Jourdan Henderson à clássica trilha sonora de Lesley Barber
(que serve de diálogo tocante entre personagem e plateia e ou de inesperado monólogo),
emolduradas pela fotografia gélida (de tristeza significativa) de Jody Lee
Lipes..., cada cena é meticulosamente trabalhada por Lonergan para o
“desconforto” providencial do público.
Enfim,
considerando que a imersão numa narrativa que lida com algo tão complexo, de
forma (aparentemente) tão simples e delicada, é uma experiência sensorial
única; que a excelência do elenco exala a química perfeita; que os prêmios que
possa vir a receber: direção e roteiro (Kenneth Lonergan), protagonista (Casey Afleck),
coadjuvante (Michele Williams) etc, são merecidíssimos..., o magnífico Manchester à Beira-Mar, com toda crueza
de seus personagens e ritmo diferenciado, é daqueles filmes para se ver e rever
em toda e qualquer oportunidade e com a certeza da mesma emoção à flor da pele...
NOTA: Não queira saber mais que isso. Não
veja nem mesmo o trailer. Essas informações (acima) são suficientes para
imersão total (sem prejuízo de spoiler)
nessa pungente obra-prima! Não esqueça de levar um lenço, mesmo descartável,
porque você pode precisar!
*Joba Tridente:
O primeiro filme vi
(no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990.
O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer
crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se
compara à "traumatizante" e divertida experiência de
cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do
norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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