A
Grande Muralha
por Joba Tridente
Pense
em um espetáculo realmente grandioso. Pense em efeitos visuais muito mais que
especiais, daqueles de cair o queixo. Pense num 3D-IMAX imersivo! Pense num cenário
gigantesco ocupado por uma imensa força militar em perfeita sincronia de gestos
e cores vibrantes. Pense em parafernália e pirotecnia bélicas usadas com
inteligência para combater inimigos visíveis e invisíveis. Pensou? Então, é
isso e muito mais que você vai encontrar no divertido entretenimento
cinematográfico A Grande Muralha (The Great Wall, China/EUA, 2017), do
mestre chinês Yimou Zhang*.
Com
base em um roteiro funcional, escrito por seis autores americanos e que ganha
em esplendor oriental no olhar habilidoso de Zhang, a boa trama de A Grande Muralha busca dar veracidade a
uma “remota lenda chinesa”, que mistura fantasia e ficção científica para desvelar
um desconhecido motivo da construção do gigantesco muro: “conta-se” que, na
Dinastia Song (960-1279), o maior perigo a rondar o Império Chinês não era o da
invasão de tribos nômades da Mongólia e da Manchúria, mas o ataque de uma tribo
reptiliana extraterrestre, com milhares de ferozes indivíduos conhecidos como Taoties, que chegou a Terra em um
meteoro. A causa que trouxe estes seres inteligentes ao planeta, mais
precisamente à China, e cujo comportamento acaba se tornando um ciclo vicioso,
eu não vou contar, mas adianto que tem nada a ver com o que motivou a invasão dos
também ferozes Orcs de Warcraft.
Bem,
continuando e ou começando a divertida e curiosa história de ação desenfreada e
aventura heroica..., após uma jornada conflituosa pelo inóspito território
chinês, o intrépido arqueiro holandês William
(Matt Damon) e o espanhol Tovar (Pedro Pascal), dois sobreviventes de um grupo de mercenários em
busca do famoso “pó preto” (pólvora), dão de cara com a Grande Muralha da
China, que abriga um magnífico contingente militar denominado Ordem Sem Nome. À frente do fabuloso
exército estão o General Shao
(Zhang Hanyu), o Estrategista Wang (Andy Lau) e a belíssima Comandante Lin (Jing Tian).
Logo a dupla fica sabendo que aqueles soldados, muito bem vestidos e equipados,
não estão lá pra enfeitar a muralha, mas para barrar a entrada de um inimigo
devastador que ataca a cada sessenta anos e não deixa mortos (nem mesmo os
seus) para trás. Nem precisa dizer que, enquanto tramam um jeito de roubar a
pólvora e dar o fora dali, os dois soldados de aluguel vão lutar na batalha
insana quando o bicho pegar.
No entanto, fique tranquilo (a), ao
contrário do que algum cartaz possa sugerir e até equivocar alguns críticos, o
homem branco William (Damon) luta e
muito, mas não chega a ser exatamente o salvador branco do reluzente Império
Chinês. O certo é que a presença do ator americano deve ajudar na bilheteria. Quando
se trata também de cinema, os chineses só estão usando a mesma regra (ou seria truque?)
marqueteira hollywoodiana, que coloca personagens latinos, europeus e (recentemente)
chineses para impor suas produções, com expectativa de maior lucro, em outros
países. O filme poderia ser estrelado só por chineses? Com toda certeza! E sem perda de qualidade! Mas aí, como você iria saber que nesse período em que o "branco" europeu rondava o Império, à caça de pólvora, os chineses já tinham inventado também a bússola? Business to Business!
O enredo de A Grande Muralha é simples e direto (embate entre humanos e répteis
alienígenas), mas não deixa de sair mordiscando doído nas beiradas da ganância,
do poder, da estratégia, da demografia, do expansionismo que escraviza o homem
(lobo do homem) imperial (ou seria ornamental?). Toda via da história que
corre ligeira e envolvente, no entanto, quem não curte ou não está nem aí para
um subtexto num programa pipoca-refri, pode deixar a metáfora de lado e se
deleitar à vontade com a estética espetacular das batalhas (também acrobáticas).
Nenhum ataque e ou contra-ataque se
repete no desenvolvimento ágil da original história. Há sempre um novo deslumbramento
visual a ser apreciado. Há sempre um enfoque cultural, político ou filosófico a
ser ponderado na trama. Yimou
Zhang é sem dúvida um dos mais inventivos diretores chineses. É invejável como
lida com cores, perspectivas, movimento aéreo de (qualquer) coisa, figurino,
enquadramentos, principalmente em sequências de suspense em campo aberto...,
sempre antológicas e apresentando coreografias inusitadas meticulosamente
realizadas pelas personagens e seus objetos de cena.
A Grande Muralha tem um desenho de produção excelente,
principalmente o dos Taoties que, tanto
na forma quanto no conteúdo, possivelmente foram inspirados no mítico Taotie, tema zoomórfico que
representa a gula e a ganância (encontrado em vasos de bronze de até 3000 a.C.)
e aparece esculpido numa parede da Muralha cenográfica, conforme foto de cena acima.
Na internet é possível encontrar diversificado material (texto e imagem) sobre
esse interessante ser autofágico da mitologia chinesa..., um demônio que foi se
comendo até restar apenas a cabeça. Lembra que falei de metáforas? Então,
talvez o enredo não seja tão simplório quanto parece.
Enfim,
considerando a plasticidade; a narrativa fluida; os diálogos em mandarim e
inglês; o elenco bacana, lá e cá do oriente; grandes sequências, como a do ritual dos balões em
homenagem a um oficial morto; o humor leve; o subtexto (intencional ou não)
crítico; o misticismo da lenda breve e muito bem contada..., A Grande Muralha é um entretenimento genuíno
e que fica ainda melhor se o espectador se desconectar da realidade e embarcar
na fascinante onda bélica chinesa e ou na apavorante onda alienígena. Bom demais!
* Alguns diretores realmente dispensam maiores
apresentações: Sorgo Vermelho (1987); Lanternas Vermelhas (1991);
Nenhum a Menos (1999); Herói (2002); O Clã das Adagas
Voadoras (2004); A Maldição da Flor Dourada (2006); Flores
do Oriente (2011).
*Joba Tridente:
O primeiro filme vi
(no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990.
O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer
crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se
compara à "traumatizante" e divertida experiência de
cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do
norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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