Aqui no Brasil muita gente reclama da “tradução”
de títulos de filmes, que varia entre a idiota e a desveladora de trama. O
título pouco convidativo do film de route
Elle s'en va não parece, mas mudou (além da semântica) na versão brasileira
de filme de estrada Ela vai. O enredo contorna a
sexagenária Bettie (Catherine Deneuve), uma senhora um
bocado egoísta que, em crise amorosa e também financeira, em pleno horário de
expediente do seu restaurante, sai de carro para espairecer e fumar. Quando se
dá conta está a quilômetros de casa, rodando por estradas e vilarejos, em busca
de algum lugar que venda cigarros. É uma viagem catártica, que a leva a
conhecer pessoas que também têm lá suas diferenças amorosas.
Apesar da idade da protagonista, não se trata de
um filme sobre os percalços da vida na 3ª idade, tem mais a ver com as
contradições do amor, inclusive em família. Nem mesmo o punhado de gente idosa
que desfila pela trama se lamenta da velhice e ou está muito preocupado com a
vaidade. Nesse cenário pouco (ou nada) glamoroso, Bettie parece uma cebola selvagem, difícil de descascar. Há sempre
um senão evitando a retirada da camada “reveladora” da sua intimidade. Há
sempre um cigarro atrás do outro tecendo uma grosa cortina de fumaça e embaçando
suas confidências.
Todavia, aos poucos, essa interessante aura de
mistério vai perdendo o encanto na paisagem monótona e poluída por tanto
cigarro. E sucumbe de vez, lá no meio do
2º. ato, quando, feito um
sinaleiro mal regulado num desvio de rota, a narrativa resolve dar
carona ao clichê, joga os obstáculos da estrada para bem longe e, na praça de
pedágio, o preço é um passado repleto de frases de efeito e redenção familiar.
Aí, com a família retirada do porta-malas para o banco da frente, mesmo sem
cinto de segurança, a premissa de chutar a porta, arrebentar porteiras, romper
fronteiras e ganhar o mundo..., não passa de promessa pífia. Ah, a família!!! Ah, a tradição!!! Ah, o patrimônio!!!
Personagem que “surta” e sai estrada afora,
procurando a própria identidade, não é novidade no cinema. Todavia, não são
todos (outsiders) que conseguem
“encontrar” o espectador. Em seu trajeto pelo interior da França, enquanto
espera impaciente por um cigarro, Bettie
acumula histórias (de autoajuda?) irregulares. No entanto, como se num livro de
crônicas mal alinhavadas ou pouco originais, uma se destaca: a do velho
solitário que enrola seus próprios cigarros, sem ansiar o futuro. É a sequência
mais tocante de toda a trama e que me fez lembrar do belíssimo Uma Historia Real (The Straight Story, 1999), de David Lynch.
Ela vai, comédia
dramática e romântica dirigida por Catherine
Bercot, tem um “prólogo” francês, embarca num roteiro road movie tipicamente norte-americano (cenografia, personagens, idiossincrasias),
reconhecido (também!) pela própria Bettie,
para reencontrar (?) a tipicidade francesa lá pelo 3º. ato. A sensação de déjà-vu e de epílogo cantado vai se confirmando
cena a cena. Vale mais pelo trabalho da
talentosa Deneuve (e do velho do cigarro!) do que pelo edificante roteiro (escapista?)
on the road, embalado por uma trilha saudosista.
Enfim, um filme direcionado àquele público feminino mais condescendente e que,
cansado da rotina, resolve dar uma escapada “para comprar cigarro”.
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