quinta-feira, 29 de março de 2018

Crítica: Jogador N.º 1



Jogador N.º 1
por Joba Tridente*

Steven Spielberg é um diretor que ao longo de sua carreira vem alternando com naturalidade, mas nem sempre com a mesma qualidade, a direção de dramas e dramalhões (para adultos) com a direção de filmes de ação e aventura com pitadas de suspense e mistério (para jovens de todas as idades) que, a mim, é onde se sai melhor. Da sua verve melodramática, cito apenas Lincoln (2012) e The Post - A Guerra Secreta (2017). Já da fase mais divertida gosto da grande maioria, com alguma ressalva.

Jogador N.º 1 (Ready Player One, 2018), baseado no romance de ficção científica homônimo de Ernest Cline, do qual só li a sinopse que se desvela diferente do filme roteirizado pelo autor e Zak Penn, é uma experiência visual e tanto. A história catastrofista, situada em 2045, apresenta uma parcela dos norte-americanos enfrentando crise energética sem precedentes. Sinais de pobreza são visíveis na periferia de Columbus, Ohio, onde proliferam as favelas (ou pilhas) de contêineres que servem de moradia aos mais miseráveis. Em vez dos androides/replicantes de Blade Runner, perambulando pelas ruas e interagindo com humanos, encontramos pessoas manipuladas por um programa de realidade virtual inspirado na cultura pop dos anos 1980/1990, chamado OASIS, criado pelo visionário James Halliday (Mark Rylance), com uma multiplataforma onde os obcecados jogadores podem jogar, estudar, trabalhar, viajar por mundos além da imaginação..., e assim “esquecer” ou camuflar os dissabores da vida.


Com a morte de Halliday, a nova onda dos viciados usuários é colocar os seus avatares à caça de três chaves especiais, escondidas no hipnotizante mundo virtual, que darão ao vencedor humano o prêmio Easter Egg (Ovo de Páscoa) e o direito a todos os bens do criador do jogo eletrônico, incluindo o controle do OASIS, conforme seu testamento. Nessa alucinante e alucinada caça ao tesouro trilionário, aos modos do clássico Deu a Louca no Mundo (1963), de Stanley Kramer, encontramos o time da “utopia”, formado por Wade Watts/Parzival (Tye Sheridan), Art3mis (Olivia Cooke), Aech (Lena Waithe), Daito (Win Morisaki) e Shoto (Philip Zhao), e o time da “distopia”: Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), CEO da “Division Oology” na Innovative Online Industries (IOI), e seu “exército” de nerds e geeks e gamers.

Jogador N.º 1, dirigido com empenho por Steven Spielberg, é uma inebriante viagem retrô por uma montanha russa com mais de duas horas de trilhos em rota de colisão com personagens e objetos (de desejos) populares de videogames, música e filmes dos anos 1980/1990. Acredito que o grande público (alvo) adolescente não tem o menor conhecimento da maioria deles..., não que faça alguma diferença para se acompanhar (com interesse e ou enfado) a peleja dos avatares protagonistas com os enlouquecidos obstáculos. Talvez por isso algumas cenas-referências, como a do Hotel Overlook (de O Iluminado, do Stanley Kubrick, 1980), são bem explicadinhas.


Ah, é bom saber que a quase totalidade desses “saudosistas” encontros ou topadas com trocentos personagens são tão rápidos (e toscos) que se o espectador piscar já era. O que também não faz a menor diferença na história reconhecer algum personagem que atravessa a tela feito o The Flash e ou agir como se estivesse à procura de Wally, da série de livros infantojuvenis Onde está o Wally (1987), ilustradas pelo britânico Martin Handford.

Excetuando os personagens e as coisas realmente mais célebres, o que se “vê” são bandos de coadjuvantes estranhos que, no máximo, valem um risinho e uma cutucada no amigo ao lado. As sequências pouco maiores trazem ícones como o Robô Gigante (de O Gigante de Ferro, do Brad Bird, 1999), já visto no trailer, e outros muito mais populares, até mesmo de Spielberg, que seria sacanagem revelar aqui. Provavelmente, depois de ouvir falar em Buckaroo Banzai, você vai querer assistir ao cultuado filme de ficção científica As Aventuras de Buckaroo Banzai (1984), de W.D. Richter.


Jogador N.º 1 é um bom filme-passatempo. Esteticamente é bonito, mas deve empolgar mais a quem tem intimidade com games e fica na torcida dos jogadores profissionais em campeonatos de jogos eletrônicos tão em voga..., ou a quem se basta com um fiapo de trama (clichê) que vai desfiando ao longo da narrativa até sobrar nada ao se deixar a sala de cinema. É uma pena que o roteiro (raso e escapista) não vá além da aventura virtual de um grupo de jovens ambiciosos contra um grupo de empresários ambiciosos na caça de um tesouro que pode livrar o primeiro de uma vida miserável (mas não do aprisionamento à tecnologia virtual) e dar ao segundo o controle mundial de um lucrativo jogo virtual viciante. O curioso é que, embora seja um filme juvenil que transpira a moral spielberguiana, não há jornada do herói de nenhum dos adolescentes na disputa de inteligência (artificial e humana).


Enfim, considerando que, tecnicamente, em sua mistura de atuação real (20%?) com animação (80%?), Jogador N.º 1 utiliza o que há de mais atual em CGI fotorrealista, aproximando-o, em efeitos especiais, ao Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (2017); que o elenco de atores é eficiente (com destaque para Mark Rylance, entre os humanos, e i-Rok entre os avatares animados) e dá conta dos seus limitados personagens; que o tradicional relacionamento traumático entre pai e filho, está em cena, mas (felizmente!) de forma bastante subjetiva  e metafórica; que tem algumas músicas bacaninhas; que carece de humor (só ri amarelo duas vezes!) e a ação praticamente contínua pode cansar quem não é um gamer..., levando se em conta que é um filme de ficção científica (bem) infantojuvenil repleto de ação e aventura da grife Spielberg, diretor que, por mais redundante que possa parecer, ainda satisfaz às expectativas de muitos fãs adultos, se gosta do gênero fantasia e ação, vá e tire as suas próprias conclusões. As minhas (com alguma rabugice) são apenas mais umas entre dezenas de considerações críticas mundo afora!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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