sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Crítica: Assassinato no Expresso do Oriente


Assassinato no Expresso do Oriente
por Joba Tridente*

O romance policial Assassinato no Expresso do Oriente, da rainha do suspense Agatha Christie (1890-1976), que traz o meticuloso detetive belga Hercule Poirot numa das suas mais famosas aventuras investigativas, foi lançado em 1934. No ano de 1974, a popular obra da Dama do Império Britânico (1971) e do Crime, ganhou a sua clássica (e definitiva!) versão cinematográfica. O filme Assassinato no Expresso do Oriente, com seu elenco espetacular e estelar, dirigido com elegância pelo mestre Sidney Lumet (1924-2011), a partir do roteiro de Paul Dehn (1912-1976), recebeu seis indicações ao Oscar, que premiou a atriz coadjuvante Ingrid Bergman (1915-1982), e dez no BAFTA, premiando novamente Bergman, o ator coadjuvante John Gielgud (1904-2000) e a trilha de Richard Rodney Bennett (1936-2012). Neste final de novembro de 2017, a obra literária que também ganhou adaptações para a tv e o teatro, chega aos cinemas brasileiros sob a direção de Kenneth Branagh (Henry V, Hamlet, Voltar a Morrer, Thor).


Assassinato no Expresso do Oriente (Murder on the Orient Express, 2017), dirigido e protagonizado por Kenneth Branagh, baseado no roteiro de Michael Green (Lanterna Verde, Logan, Blade Runner 2049), é uma versão atropelada do romance homônimo de Agatha Christie, cujo motivo condutor que envolve o icônico Hercule Poirot (Branagh) teria sido inspirado no dramático rapto e morte do bebê Charles Lindbergh (em 1932), e que, na trama bem urdida pela autora, virou Daisy Armstrong.

O ano é 1934 e (após um prólogo engraçadinho e moralista, típico de Histórias Maravilhosas, onde soluciona um roubo na Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, implicando um sacerdote, um rabino e um imã,), Poirot é obrigado a interromper suas férias em Istambul para resolver um caso em Londres. Contando com a providencial ajuda do seu amigo M. Bouc (Tom Bateman), diretor da Compagnie Internationale des Wagons Lits, o investigador consegue um lugar no luxuoso Expresso do Oriente (Istambul-Trieste-Calais), espantosamente lotado para a época do ano. Porém, a viagem é bruscamente interrompida por uma avalanche, o que acaba sendo providencial para o excêntrico Hercule Poirot resolver o misterioso assassinato de um passageiro.


Em meio à nevasca, um morto e doze suspeitos (de classes e nacionalidades diferentes) que não contavam com a presença do célebre investigador a bordo, à espera de socorro, de voz de prisão e de enterro. No jogo de cena, as aparências enganam, mas as identidades não.

Ao contrário de Sidney Lumet, que a partir do excelente roteiro de Paul Dehn (1912-1976), mais fiel ao livro, vai se desvelando cena a cena, juntando e analisando calmamente as peças do intrigante quebra-cabeça hediondo, até completá-lo no desconcertante epílogo, o impaciente Branagh parece não ver a hora de chegar aos “finalmentes”, fazendo do seu Poirot mais um adivinhador vaidoso dos seus “achismos” do que um investigador que usa metodicamente sua massa cinzenta. Apressado, o diretor e ator irlandês praticamente elimina o suspense do enredo e a sua narrativa truncada acaba claudicando para um final morno, não pela conhecida e polêmica conclusão do caso, mas pela discutível (ou risível) cena teatral (de gosto pra lá de duvidoso!) da revelação (Eu te acuso!) ao estilo mesa de Santa Ceia (claro-escuro). Uma metáfora sobre assassinos frios e calculistas, abóbadas e “fim” de túnel (dependendo do ponto de vista) tão estranha quanto ao corte do personagem Doutor Constantine, cuja função de médico (na trama) foi incorporada ao Coronel Arbuthnott (Leslie Odom Jr.), com um denso ajuste de cor de pele..., para desajustar o preconceito racial e confundir o espectador.


O grande elenco coadjuvante de Assassinato no Expresso do Oriente, que conta com Judi Dench, Johnny Depp, Michelle Pfeiffer,  Willem Dafoe, Penélope Cruz, Josh Gad, Lucy Boynton, Tom Bateman, Leslie Odom Jr., Olivia Colman, Derek Jacobi, Manuel Garcia-Rulfo, Sergei Polunin, Daisy Ridley..., é bom, mas não é tão cativante quanto o estelar de Sidney Lumet. Ansioso em contar uma história que prioriza as minúcias, principalmente nos diálogos, Branagh acaba interrompendo as performances (e a voz) de cada ator e ou atriz, fazendo com que suas personagens picotadas soem um tanto superficiais. Nesse quesito, com mais tempo em cena e razoavelmente caracterizado com um belo bigode de quatro pontas, ainda que sem a “cabeça de ovo” de Poirot, quem se sai melhor é o próprio Branagh!


Quando se desliza na neve, tem de estar sujeito aos escorregões e, embora seja um ótimo diretor, desta vez Kenneth Branagh foi ao chão, a sua arte gelou e ficou a desejar. Assim, considerando a conversão da fascinante trama de suspense de Ágatha Christie em trama policialesca chique-ostentação; a bela fotografia (em 65 mm) de Haris Zambarloukos; a cuidadosa direção de arte; os bons efeitos visuais; a trilha musical (argh!) redundante; uma ou outra pitada de humor (quase inglês); a ação totalmente descabida de socos, perseguições, tiros e pontapés..., pela ligeireza da narrativa, Assassinato no Expresso do Oriente deve conquistar apenas uma nova geração de “espectadores” (acostumados aos blockbusters rasteiros) que não têm paciência e nem cérebro para degustar e ou se deixar enredar por uma boa história de suspense. Já para o cinéfilo realmente apaixonado por cinema, não deve passar de um filme que, quadro a quadro, ressalta ainda mais as qualidades da versão de Sidney Lumet. Pode não ser totalmente descartável (para quem não conhece a adaptação de 1974), porém, tampouco é memorável. 

Agora é esperar para ver se o quê nos chegará com a próxima aventura de Hercule Poirot investigando uma Morte no Nilo, se um crocodilo aborrecido ou uma múmia mofada.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

2 comentários:

  1. A ideia do filme foi perdida pra você, revisor. Como todo filme de Branagh, o foco é teatral - o suspense nunca foi o foco desse filme, mas o conflito interior e as discussões sobre moral, motivo pelo qual suponho ele tenha escolhido fazer mais uma adaptação da estória. A perturbação do próprio personagem Poirot no filme se deve ao conflito moral de quem sempre teve uma visão dualista de mundo - certo ou errado.

    Quem assiste esse filme esperando um tom de suspense ou uma outra adaptação, mais moderna, do filme antigo, há de se decepcionar.

    Pessoalmente, achei o filme bom. Nada de maravilhoso ou espetacular, sequer memorável, mas bom.

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    1. ..., a arte (também) cinematográfica, Mystgun, só é arte quando possibilita as mais diversas leituras. ..., cada olhar, um olhar. ..., cada leitura, uma leitura. ..., e todas são satisfatórias, para quem olha e para quem lê. ..., grato, pela visita e considerações.

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