terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Crítica: Logan

Logan
por Joba Tridente

Para a fidelidade do leitor, a vida de herói de história em quadrinhos é cheia de surpresas e finais praticamente previsíveis. Toda via de traços diferenciados no retrato de um mesmo personagem, no entanto, num mundo onde a realidade pode ser paralela e ou alternativa, muitos já foram mortos e ressuscitados pelos roteiristas, para desespero dos fãs, em diferentes plataformas em que atuam: hq, tv e cinema. É claro que, num universo (ou multiverso) de tantos heróis, muitos (a maioria?) não fazem a menor falta. Já outros, por mais que seu tempo tenha passado, têm sempre que voltar à cena.

Embora poucos leitores se deem conta, nas mãos de um bom autor, o tempo não para nem mesmo para um carismático super-herói. Porém, chega uma hora em que o sujeito se cansa de salvar a pátria (ou o planeta) de infinitos vilões. Acostumados com a sua imprescindível força bruta, poucos de nós se importam com a sua vida pessoal (família, traumas, estafa). Ou se dá conta de que até mesmo um ator que dá vida a ele, nas telas de cinema, também envelhece, também se cansa, também quer partir para outras histórias, até mesmo menos heroicas e, quiçá, mais humanas..., como Hugh Jackman, que nos últimos 17 anos personificou nove vezes o grande Wolverine ou Logan ou James Howlett, na telona. 


Levemente inspirado nas minisséries Wolverine - O Velho Logan (Old Man Logan, 2008) e em A Morte de Wolverine (Death of Wolverine, 2014), o filme de ação Logan (Logan, EUA, 2017), dirigido por James Mangold e estrelado por Hugh Jackman, chega para fechar com trava de adamantium uma trilogia solo que começou com X-Men Origens: Wolverine (2009) e seguiu com Wolverine Imortal (2013). Pelo que se comenta nos bastidores, este seria o canto do cisne de Jackman na pele de Logan/Wolverine. Mas, assim como nos quadrinhos, quem é que sabe? Até uma próxima edição na telona, tudo pode acontecer!


Escrito por James Mangold, Michael Green e Scott Frank, a trama de ação (extremamente violenta!) de Logan se passa em 2029. Há mais de vinte anos não nascem mais mutantes e a maioria dos X-Men foi morta. Logan (Jackman) está velho, o adamantium o envenena e o seu poder de cura está debilitado. Para sobreviver ele trabalha como motorista de limusine na fronteira árida e decadente dos Estados Unidos com o México, na esperança de juntar dinheiro suficiente para comprar um barco e sair velejando na companhia do Professor Xavier (Patrick Stewart) e de Caliban (Stephen Merchant), que também estão doentes: “Nós pensamos que todos faziam parte do plano de Deus, mas talvez fossemos o erro de Deus”.


Ser motorista é um trabalho cansativo, pouco rentável e há sempre alguns basbaques querendo atrapalhar a sua vida. Aí, quem não ouve a voz da razão e fere um lobo com chumbo quente, aprende da pior forma possível que, mesmo velho, debilitado ou bêbado, um ex-herói não perde a fúria e, ainda que aposentado, sabe muito bem onde enfiar as suas garras de adamantium.

É em meio a um cotidiano cada vez mais caótico que Logan é contratado para levar Laura (Dafne Keen), uma menina muito especial e tão mal humorada quanto ele, para um lugar chamado Éden, na fronteira com o Canadá. Poderia ser apenas um trabalho de rotina, não fosse o condenável interesse do cirurgião-chefe da Transgen, Dr. Zander Rice (Richard E. Grant), e do perverso segurança Donald (Boyd Holbrook) e sua “gangue” de Carniceiros, pela garota. Se você assistiu a trailers e ou leu material com spoiler já sabe quem é a misteriosa jovem..., mas, para quem prefere a surpresa, me nego a desvelar a sua identidade aqui.


Assim como a minissérie O Velho Logan (inspirada em Os Imperdoáveis, Mad Max e A Estrada), de Mark Millar, o filme Logan, de James Mangold, pode ser considerado uma dos mais violentos da Marvel. Mangold aproveita bem as referências cinematográficas de Millar, principalmente Mad Max, ao conduzir o espectador por territórios fronteiriços arruinados, mas dispensa o indigesto humor negro dos quadrinhos. Na verdade, há quase nada de humor em Logan. Nem mesmo a ironia do herói encontra eco quando, ao lado de Xavier e Laura, assiste na tv ao clássico faroeste Shane (1953), de George Stevens, que, em impressionante reflexo atemporal, se repete belo e trágico em seu caminho. Justiça e paz de espírito definitivamente parecem não coexistir na vida dos heróis.


Sem alívio cômico (raridade num produto da Marvel), o excelente roteiro ganha intensidade ao traçar uma melancólica e dramática jornada do herói (imortal) para um ex-herói (imortal) que não quer saber de redenção, mas de ser esquecido..., ainda que o passado o persiga e todas as dores e feias cicatrizes pelo corpo insistam em lhe gritar quem foi e ou o quê ainda é enquanto (experimento) vivo. Irascível, ele sabe como acabar com o próprio sofrimento e possivelmente já o teria feito não fosse pela amizade e dependência dos amigos Xavier e Caliban. Sombrio, continuaria “enterrado vivo” em El Paso, no México, até conseguir comprar um barco, não fosse a determinada jovem Laura arrastá-lo para o Éden.  


Enfim, considerando que, se você é um espectador que resistiu imune à violência de Kick-Ass - Quebrando Tudo (2010) e Deadpool (2016), vai tirar o “X” de letra; que, se o enredo não te enrola é porque é muito bom e, em se tratando de um X-Men (de poucos efeitos especiais e CGI) vai muito bem em sala X-Plus; que, embora a trama “brinque” com a metalinguagem (HQ dentro da HQ), misturando fantasia (inocente) e horror (brutal), não é uma história para o público jovem; que muitas sequências são de dar nó na garganta..., Logan é um filme imperdível para fãs de hq para adultos! Um espetáculo digno (ainda que triste) sobre o ocaso de um herói. Simplesmente inesquecível!

Nota: Se você espera que após os créditos “Nenhum mexicano foi maltratado, ferido ou morto durante as filmagens” vai assistir a algumas cenas do próximo filme, ou não prestou atenção no final da história ou nas notícias de cinema na internet ou é muito esperançoso...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Crítica: A Grande Muralha


A Grande Muralha
por Joba Tridente

Pense em um espetáculo realmente grandioso. Pense em efeitos visuais muito mais que especiais, daqueles de cair o queixo. Pense num 3D-IMAX imersivo! Pense num cenário gigantesco ocupado por uma imensa força militar em perfeita sincronia de gestos e cores vibrantes. Pense em parafernália e pirotecnia bélicas usadas com inteligência para combater inimigos visíveis e invisíveis. Pensou? Então, é isso e muito mais que você vai encontrar no divertido entretenimento cinematográfico A Grande Muralha (The Great Wall, China/EUA, 2017), do mestre chinês Yimou Zhang*.


Com base em um roteiro funcional, escrito por seis autores americanos e que ganha em esplendor oriental no olhar habilidoso de Zhang, a boa trama de A Grande Muralha busca dar veracidade a uma “remota lenda chinesa”, que mistura fantasia e ficção científica para desvelar um desconhecido motivo da construção do gigantesco muro: “conta-se” que, na Dinastia Song (960-1279), o maior perigo a rondar o Império Chinês não era o da invasão de tribos nômades da Mongólia e da Manchúria, mas o ataque de uma tribo reptiliana extraterrestre, com milhares de ferozes indivíduos conhecidos como Taoties, que chegou a Terra em um meteoro. A causa que trouxe estes seres inteligentes ao planeta, mais precisamente à China, e cujo comportamento acaba se tornando um ciclo vicioso, eu não vou contar, mas adianto que tem nada a ver com o que motivou a invasão dos também ferozes Orcs de Warcraft.


Bem, continuando e ou começando a divertida e curiosa história de ação desenfreada e aventura heroica..., após uma jornada conflituosa pelo inóspito território chinês, o intrépido arqueiro holandês William (Matt Damon) e o espanhol Tovar (Pedro Pascal), dois sobreviventes de um grupo de mercenários em busca do famoso “pó preto” (pólvora), dão de cara com a Grande Muralha da China, que abriga um magnífico contingente militar denominado Ordem Sem Nome. À frente do fabuloso exército estão o General Shao (Zhang Hanyu), o Estrategista Wang (Andy Lau) e a belíssima Comandante Lin (Jing Tian). Logo a dupla fica sabendo que aqueles soldados, muito bem vestidos e equipados, não estão lá pra enfeitar a muralha, mas para barrar a entrada de um inimigo devastador que ataca a cada sessenta anos e não deixa mortos (nem mesmo os seus) para trás. Nem precisa dizer que, enquanto tramam um jeito de roubar a pólvora e dar o fora dali, os dois soldados de aluguel vão lutar na batalha insana quando o bicho pegar.

No entanto, fique tranquilo (a), ao contrário do que algum cartaz possa sugerir e até equivocar alguns críticos, o homem branco William (Damon) luta e muito, mas não chega a ser exatamente o salvador branco do reluzente Império Chinês. O certo é que a presença do ator americano deve ajudar na bilheteria. Quando se trata também de cinema, os chineses só estão usando a mesma regra (ou seria truque?) marqueteira hollywoodiana, que coloca personagens latinos, europeus e (recentemente) chineses para impor suas produções, com expectativa de maior lucro, em outros países. O filme poderia ser estrelado só por chineses? Com toda certeza! E sem perda de qualidade! Mas aí, como você iria saber que nesse período em que o "branco" europeu rondava o Império, à caça de pólvora, os chineses já tinham inventado também a bússola? Business to Business!


O enredo de A Grande Muralha é simples e direto (embate entre humanos e répteis alienígenas), mas não deixa de sair mordiscando doído nas beiradas da ganância, do poder, da estratégia, da demografia, do expansionismo que escraviza o homem (lobo do homem) imperial (ou seria ornamental?). Toda via da história que corre ligeira e envolvente, no entanto, quem não curte ou não está nem aí para um subtexto num programa pipoca-refri, pode deixar a metáfora de lado e se deleitar à vontade com a estética espetacular das batalhas (também acrobáticas).


Nenhum ataque e ou contra-ataque se repete no desenvolvimento ágil da original história. Há sempre um novo deslumbramento visual a ser apreciado. Há sempre um enfoque cultural, político ou filosófico a ser ponderado na trama. Yimou Zhang é sem dúvida um dos mais inventivos diretores chineses. É invejável como lida com cores, perspectivas, movimento aéreo de (qualquer) coisa, figurino, enquadramentos, principalmente em sequências de suspense em campo aberto..., sempre antológicas e apresentando coreografias inusitadas meticulosamente realizadas pelas personagens e seus objetos de cena.


A Grande Muralha tem um desenho de produção excelente, principalmente o dos Taoties que, tanto na forma quanto no conteúdo, possivelmente foram inspirados no mítico Taotie, tema zoomórfico que representa a gula e a ganância (encontrado em vasos de bronze de até 3000 a.C.) e aparece esculpido numa parede da Muralha cenográfica, conforme foto de cena acima. Na internet é possível encontrar diversificado material (texto e imagem) sobre esse interessante ser autofágico da mitologia chinesa..., um demônio que foi se comendo até restar apenas a cabeça. Lembra que falei de metáforas? Então, talvez o enredo não seja tão simplório quanto parece.


Enfim, considerando a plasticidade; a narrativa fluida; os diálogos em mandarim e inglês; o elenco bacana, lá e cá do oriente; grandes sequências, como a do ritual dos balões em homenagem a um oficial morto; o humor leve; o subtexto (intencional ou não) crítico; o misticismo da lenda breve e muito bem contada..., A Grande Muralha é um entretenimento genuíno e que fica ainda melhor se o espectador se desconectar da realidade e embarcar na fascinante onda bélica chinesa e ou na apavorante onda alienígena. Bom demais!

* Alguns diretores realmente dispensam maiores apresentações: Sorgo Vermelho (1987); Lanternas Vermelhas (1991); Nenhum a Menos (1999); Herói (2002); O Clã das Adagas Voadoras (2004); A Maldição da Flor Dourada (2006); Flores do Oriente (2011).


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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