sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Crítica: Estrelas Além do Tempo


Estrelas Além do Tempo
por Joba Tridente

Em plena estação das grandes premiações rumo ao Oscar, os meses de dezembro e janeiro são os preferidos para alavancar o lançamento das grandes produções hollywoodianas de apelo (mais) popular, como, por exemplo, aquelas baseadas (ou inspiradas) em fatos. O filme da vez, no melhor estilo cinebiografia compacta, que prioriza um recorte da vida do biografado, trás às telas uma história pouco conhecida, inclusive nos EUA, envolvendo três mulheres negras e a NASA dos anos 1960: Estrelas Além do Tempo.


Baseado no livro Hidden Figures - The American Dream and the Untold Story of the Black Women Mathematicians Who Helped Win the Space Race (2014), da escritora Margot Lee Shetterly, Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures, EUA, 2016), com direção de Theodore Melfi, que compartilhou o roteiro com Allison Schroeder, traz a lume a interessante história da matemática Katherine Johnson (Taraji P. Henson), da engenheira Mary Jackson (Janelle Monae) e da supervisora ​​Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) - as “figuras ocultas” e “mulheres negras” do título original - que tiveram grande importância nos primórdios da corrida espacial norte-americana.

Estrelas Além do Tempo tem uma narrativa tradicional (linear) que prima pela linguagem simples: as três amigas (excetuando Katherine, que abre o prólogo ainda menina) aparecem já adultas e como peças de destaque no grupo de “computadores humanos” do Langley Research Center - NASA, onde mulheres negras, instaladas num edifício só para negros, passam o dia fazendo cálculos para os projetos espaciais desenvolvidos por homens brancos. As três são perseverantes e não se deixam intimidar nem pela cor da pele e nem pelo sexo, já que são inteligentes, estudiosas e curiosas..., acima, inclusive, da média dos seus pares brancos. 


O dia a dia, cheio de restrições às negras, não era fácil na National Aeronautics and Space Administration (NASA). Em plena Guerra Fria, com a União Soviética a ponto de conquistar o espaço sideral (e, segundo os norte-americanos, também o mundo), a matemática perita em geometria analítica Katherine é requisitada por Al Harrison (Kevin Costner), diretor do Space Task Group, para revisar os complexos cálculos da sua graduada equipe de homens brancos que pretendem colocar em órbita o simpático astronauta (branco) John Glenn (Glen Powell). Ela não era apenas a primeira mulher cientista, mas também a primeira mulher negra a integrar a (desconfortável) equipe branca machista.


Na corrida contra o tempo (soviético) e sem alternativas de especialistas masculinos brancos, a engenheira Mary é designada para auxiliar na melhoria do projeto da cápsula espacial reprovada nos testes de túnel de vento. Já a produtiva ​​Dorothy, insistente no reconhecimento profissional da sua função de supervisora do grupo de “computadores humanos”, acaba sendo convocada para assumir (junto com suas matemáticas negras) a programação do recém-criado e instalado computador gigantesco da IBM, que ela estudou profundamente e descobriu a razão do estresse dos incompetentes técnicos brancos.


Embora situado nos anos 1960, período tenebroso de segregação racial em Virgínia, o foco da trama de Estrelas Além do Tempo é o pioneirismo das três mulheres negras literalmente geniais. As suas trajetórias de vida são inspiradoras até mesmo para brancos que se consideram desafortunados, já que Katherine Johnson, Mary Jackson e ​​Dorothy Vaughan se destacaram em suas áreas não por conta de algum privilégio por serem negras, mas porque foram à luta, estudaram por conta própria, buscaram graduação, cientes dos obstáculos que enfrentariam para ter acesso com alguma dignidade ao mercado de trabalho em “território branco”. Uma luta contínua de valorização do indivíduo de cor negra que continua não só nas terras do Tio Sam, mas na maior parte do mundo. O conhecimento está ao alcance de quem o busca, independente e indiferente à raça, ao sexo e ou à cor da pele.


Como não li o livro, não sei dizer o quanto é “liberdade poética” e o quanto é “assim é se lhe parece” em Estrelas Além do Tempo. Toda via da metragem cinematográfica, no entanto, o filme não é nenhum melodrama chororô sobre os malefícios do racismo norte-americano, mas sobre como três mulheres negras e graduadas não se deixaram intimar por ele, lhe deram uma rasteira e fizeram história ao integrar uma equipe (de homens brancos) que colocou o astronauta Glenn em órbita. Ao menos no cinema, elas não choram pelos cantos e nem abaixam a cabeça quando desconsideradas (pelo sexo e pela cor). Não se entregam nem mesmo em situações terrivelmente constrangedoras.


Enfim, considerando que este inspirador drama histórico, onde a sutileza dos detalhes (até mesmo em diálogos) vence qualquer cinema-ostentação, é dirigido com elegância e que as três atrizes surpreendem em cena com excelentes performances; que todo elenco (incluindo Kirsten Dunst, Jim Parsons, Mahershala Ali) se sai também muito bem; que a produção é cuidadosa na reconstituição de época; que a segregação racial e o sexismo (presentes no trabalho, na escola e em família) são conversados, discutidos e ilustrados em cenas curtas e, às vezes, aparecem implícitos em sequências de forte impacto..., Estrelas Além do Tempo é um excelente programa para se calcular a grandiosidade e a pequenez humana na matemática da terra e na elipse do céu.

NOTA: Para antes e ou depois da sessão recomendo ouvir, com o Karnak: Alma não tem cor, do genial André Abujamra: “Alma não tem cor/ Porque eu sou branco/ Alma não tem cor/ Porque eu sou negro/ (...) Percebam que a alma não tem cor/ Ela é colorida/ Ela é multicolor”. Ou na deliciosa versão portenha da banda latina Perotá Chingó: Alma não tem cor.
  

*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Crítica: Manchester à Beira-Mar


Manchester à Beira-Mar
por Joba Tridente.

A dor é um sentimento impossível de ser compartilhado. Pode-se até (tentar) compreender o sofrimento alheio, mas jamais senti-lo na própria pele. Porque a dor física ou espiritual que fragiliza o corpo e corrói a alma é única. Indissociável! Ainda que em algum momento esta seja em comum, ela será diferenciada..., porque cada um é universo único de emoções e apegos. Pois somos seres idiossincrásicos! Ou como escreveu o jornalista, escritor TT Catalão: “..., cada um cada vez mais cada um”.

No cinema, muitas produções já exploraram o tema (dor, culpa, trauma, remorso) com relativo sucesso. A maioria piegas, escapista, ocupada mais com o entretenimento edificante de resgate e redenção (familiar) do personagem sofredor em sua jornada do herói..., moldada ao gosto popular do melodrama divã-terapêutico.


Manchester à Beira-Mar (Manchester by the Sea, EUA, 2016) foge à regra-clichê do gênero. Escrito e dirigido com maestria por Kenneth Lonergan, o belíssimo drama gira em torno de Lee Chandler (Casey Affleck, soberbo!), um zelador de prédio (faz-tudo!) que vive sozinho em Quincy, no Massachusetts, EUA. É um sujeito introspectivo, de frases curtas. Antissociável, nem sempre consegue evitar mal-entendidos com condôminos (irritantes) e ou fregueses de algum bar. 

Quando seu irmão Joe (Kyle Chandler) sofre um infarto fulminante e ele retorna à Manchester-by-the-Sea, a sua cidade natal, é que o espectador vai compreender a razão de tanta amargura e o porquê dele não suportar a ideia de voltar a morar ali, como tutor do sobrinho adolescente Patrick (Lucas Hedges). Naquele lugar, onde os moradores parecem lhe apontar o dedo acusador, o público conhecerá, através de flashbacks (numa edição extraordinária), o seu trauma incomensurável, a razão da dor que ainda drena seus sentimentos e embaça os seus atos e sentidos. Um tormento fortemente delineado na (já) antológica sequência do encontro casual (e catártico) com a sua ex-mulher Randi (Michele Williams, inspiradíssima).


Em 2h17 de profunda reflexão sobre a dor humana, Manchester à Beira-Mar prova que nem todo cinema é (ou precisa ser) movido à pipoca, refrigerante e celular para alcançar o “eu” do espectador. A perspicácia do seu enredo, os diálogos e a naturalidade expressiva do elenco arrebatam o espectador porque são críveis. Não há estereótipos e nem gratuidades. Nesse melancólico conto (com leves toques de humor juvenil) os personagens sentem e agem como (se fossem?) pessoas reais.


Casey Afleck impressiona com sua perturbadora performance de Lee. A sensação de desconforto que seu personagem causa ao espectador é a mesma causada aos personagens com quem interage. Não há personagem e nem cena alguma fora de ordem. Tudo o que se vê tem a sua razão na tela, principalmente o fio condutor (paralelo) do flashback. Da fascinante direção de arte de Jourdan Henderson à clássica trilha sonora de Lesley Barber (que serve de diálogo tocante entre personagem e plateia e ou de inesperado monólogo), emolduradas pela fotografia gélida (de tristeza significativa) de Jody Lee Lipes..., cada cena é meticulosamente trabalhada por Lonergan para o “desconforto” providencial do público.


Enfim, considerando que a imersão numa narrativa que lida com algo tão complexo, de forma (aparentemente) tão simples e delicada, é uma experiência sensorial única; que a excelência do elenco exala a química perfeita; que os prêmios que possa vir a receber: direção e roteiro (Kenneth Lonergan), protagonista (Casey Afleck), coadjuvante (Michele Williams) etc, são merecidíssimos..., o magnífico Manchester à Beira-Mar, com toda crueza de seus personagens e ritmo diferenciado, é daqueles filmes para se ver e rever em toda e qualquer oportunidade e com a certeza da mesma emoção à flor da pele...

NOTA: Não queira saber mais que isso. Não veja nem mesmo o trailer. Essas informações (acima) são suficientes para imersão total (sem prejuízo de spoiler) nessa pungente obra-prima! Não esqueça de levar um lenço, mesmo descartável, porque você pode precisar!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Crítica: La La Land: Cantando Estações


La La Land: Cantando Estações
por Joba Tridente*

Em tempos de violência generalizada no mundo do cinema e no mundo dos espectadores, assistir a uma boa fantasia com vocação melodiosa é um bálsamo..., como se dizia antigamente, e ou nos tempos áureos dos grandes musicais norte-americanos. Em 2016 foi uma delícia assistir aos descompromissados e excelentes desenhos muitíssimos animados Trolls e SING ou ao curioso melodrama brasileiro Elis. Ainda não é possível saber se toda a safra cinematográfica prometida para 2017 será de qualidade, mas começa bem com o simpático musical La La Land: Cantando Estações, escrito e dirigido por Damien Chazelle (Whiplash) e protagonizado por Ryan Gosling (Sebastian) e Emma Stone (Mia), uma dupla de atores cheia de disposição para tocar, dançar e cantar os sonhos e frustrações das suas personagens no vai e vem das estações do ano pela ensolarada Los Angeles...


La La Land: Cantando Estações (La La Land, EUA, 2016) é um musical com mais diálogos que números musicais e de dança. Ou seja, tem mais gente falando ou reclamando da indústria do entretenimento do que cantando e dançando. Seu roteiro é simples, mas não chega a ser totalmente raso: um músico radicalmente apaixonado pelo jazz conhece uma atriz apaixonada pelo cinema e, claro, se enamoram. Ambos vivem na Cidade dos Sonhos: Los Angeles. Ele é Sebastian (Gosling), pianista que odeia o jazz moderno (e o samba!), toca esporadicamente em casas noturnas e sonha em abrir o próprio bar temático. Ela é Mia (Stone), trabalha como barista, num café instalado dentro dos estúdios da Warner, vai a todos o testes de elenco e sonha em atuar em algum filme. Os dois sabem que LA é mãe e madrasta dos artistas e que apenas a perseverança os levará ao estrelato na música e ou no cinema.


Com uma trama que lembra as histórias (por vezes melancólicas) do diretor e jazzista Woody Allen (como, por exemplo, o ferino Café Society) e referências aos melhores musicais norte-americanos, embora não traga nenhuma canção realmente memorável e ou coreografia (original) espetacular, La La Land é envolvente pela química entre os atores Gosling e Stone que, se não são excepcionais cantores e bailarinos, dão conta do recado com certa graciosidade nos números de dança e interpretação segura nos diálogos e cantoria. Essa “deficiência” dos atores, na música e na dança, acaba até tornando os seus personagens muito mais críveis.


Mas, como nem tudo que brilha são estrelas no céu hollywoodiano, na trama musicada há ao menos uma nota bem desafinada nos arredores de um bar com música ao vivo. Sem a eloquência woodyalleniana (já que não é um filme do mestre), a narrativa trata com exagerada nostalgia (e até escárnio) a questão dos músicos puristas estadunidenses que não conseguem aceitar os rumos que o jazz e o blues tomaram nos EUA e nem a chegada de uma nova geração (norte-americana) de compositores e intérpretes ao mercado, fundindo ritmos em busca de nova sonoridade e plateias. Nesse imbróglio sobra até para o samba (brasileiro)..., ainda confundido (pelo insano Tio Sam) com gêneros musicais latinos (rumba, salsa, bolero, mariachi)..., em duas ou três cenas constrangedoras e totalmente fora de contexto, porém, ao gosto xenofóbico de Trump e onde caberia, sem dúvida alguma (em resposta ao roteirista e diretor Chazelle), a recente fala de Meryl Streep, na premiação do Globo de Ouro: “Hollywood está cheia de estrangeiros. Se expulsarmos todos eles vocês não terão nada para assistir, exceto por futebol e artes marciais mistas”.

Aliás, eu nem sabia que o (execrado) samba (acompanhado de “malditos” petiscos latinos) faz tanto sucesso nas casas noturnas de Los Angeles, a ponto de ser citado no musical como responsável por desempregar tradicionais jazzistas estadunidenses e ser a razão de destempero do personagem Sebastian, numa ridícula cena noturna de vandalismo. Haja fobia! E por falar em estrangeiros, nem vou comentar (pra não me repetir) o destino da personagem Mia.


Bem, piada (?) de mau gosto com o samba e com a comida mexicana (que você pode nem notar!) à parte, La La Land: Cantando Estações é um bom programa para os amantes de musicais aerados. Ao público acostumado a musicais arrebatadores, a canção-tema, principalmente cantada, pode não soar das mais bonitas. Digamos que, assim como as outras músicas da trilha, está mais para estranha do que para marcante. Mas cumpre a sua função narrativa e, em meio ao cenário e danças, acaba razoável. Se bem que, possivelmente, ao final da sessão, você não vai lembrar nem da letra e nem da melodia. No entanto, toda via passada não importa mais. Já no quesito dança, há ao menos três interessantes coreografias customizadas de outros musicais (autoestrada, praça/rua, observatório) que resistem na memória até você ligar algum aparelho eletrônico...


Enfim, La La Land é uma nostálgica comédia romântica leve e bem comportada (sem sexo e com beijo técnico) sobre os percalços da vida de artista em Los Angeles. Não chega a ser hilária (está bem longe disso), mas tem algumas gags legais relacionadas às apresentações de Sebastian (Gosling) e às audições de Mia (Stone). Inclusive, em uma delas (de puro humor negro), creio que a primeira, Emma Stone está soberba numa performance tão desconcertante quanto toda a cena ao redor. Ryan Gosling também tem ótimas performances.

Com sua história conservadora (assim meio retrô/vintage e com pitadas de melancolia), algumas sequências brilhantes e outras nem tanto, La La Land: Cantando Canções pode não ser tão divertido e criativo quanto SING, mas é um filme que pode ser saboreado sem contraindicação e sem pressa num boa sala de cinema, por toda a família..., desde que a criançada goste de jazz (puro ou fusão) e de dança. Pelo que me lembro, é isso!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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