quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Crítica: O Lar das Crianças Peculiares


O Lar das Crianças Peculiares
por Joba Tridente

Tim Burton tem o dom (e o tom) de surpreender tanto para o bom quanto para o mau espetáculo. Ultimamente seu cinema tem parecido menos criativo, mais cansado, e deveras replicante. Após o insosso Sombras da Noite (2012) e o bom Frankenweenie (2012), Burton apostou melhores fichas no equivocado Grandes Olhos (2014), que não é lá essas coisas..., na verdade, de grande, só o fiasco.  Mas, se em tempos de imaginação pulverizada não dá pra chorar a fantasia rasgada, o negócio é ir em frente e ver o que o mercado de best seller para leitores jovens adultos pode oferecer ao cinema para jovens adultos. Também porque, a se pensar com a carteira, se o número mínimo de espectadores for proporcional ao número de leitores, mesmo que a produção fracasse, ainda dará algum lucro.


O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine's Home for Peculiar Children, 2016), baseado no romance homônimo de Ransom Rigss, parece uma obra criada na medida para o olhar perspicaz do diretor Tim Burton..., pelo menos para quem leu o livro de aventura infantojuvenil. Mas, e para quem não leu nenhum volume da trilogia? Não vou me ocupar da fidelidade do filme ao livro porque, além de não ter lido, raramente um faz jus ao outro. Enquanto o livro dá asas à imaginação do leitor..., o cinema pode acabar com a sua bela fantasia de leitor, dando-lhe uma cara que nem sempre condiz com a história e ou com os personagens. Isto posto, vamos ao que interessa. Ah, quem leu um e viu o outro diz que há controvérsia!

A trama de O Lar das Crianças Peculiares (o filme) acompanha a viagem do adolescente estadunidense Jake (Asa Butterfield), da ensolarada Flórida ao nublado País de Gales (Reino Unido), na companhia do seu pai (Chris O'Dowd), a fim de comprovar a veracidade das histórias fantasiosas contadas pelo seu adorado e recém-falecido avô Abe (Terence Stamp), sobre um grupo de crianças superdotadas que habitavam a região rural daquele país e que ele conheceu na juventude. Jake, é claro, encontra as crianças peculiares, vivendo sob os cuidados da Srta. Peregrine (Eva Green), num solar localizado num laço de tempo em 1943. Assim como o lugar, as crianças são exatamente como lhe contou o avô. Cada uma tem a sua particularidade: uma jovem domina o ar; um garoto dá vida a coisas inanimadas; uma garotinha tem força sobre-humana; um menino é invisível etc. Todavia, este recanto absurdo (no tempo e espaço), onde o convívio de bizarrices é harmônico, está ameaçado por forças malignas comandadas pelo perverso Sr. Barron (Samuel L Jackson), e seu desejo cego de alcançar a imortalidade. Jake, como bom mocinho estadunidense, não vai ficar de fora dessa luta (do bem contra o mal).


Com seu roteiro infantil e preguiçoso, O Lar das Crianças Peculiares parece um filme-catálogo (tipo álbum de figurinha) de apresentação de personagens peculiares e suas habilidades que poderão render algo a mais no futuro da franquia. Um apresenta o seu “número espetacular” aqui, outro apresenta o seu “número estranho” acolá, como se num circo e ou num teatro de variedades. Além das especialidades de cada um, nada mais se sabe deles e, portanto, não há espaço para se criar empatia por quem quer que seja, de dentro e ou de fora da fenda temporal. Mas não creio que este detalhe incomode o público alvo, na faixa dos 9 aos 12 anos. Se não se fala de diferenças, não há razão para se discutir preconceitos.

Também não me parece que os pequenos espectadores vão deixar as guloseimas de lado para questionar o “efeito marmota”, a “fenda temporal” e as idas e vindas de Jake entre 2016 e 1943. Afinal, estão ali para se divertir (se for possível) e não para pensar e dar um nó no cérebro diante de algumas incoerências da narrativa. Tudo bem que não se pode esperar lógica e ou coerência num filme infantojuvenil (principalmente de Burton!) que aborda o fantástico e a viagem no tempo..., assunto que povoa a mente de milhões de crianças em todo o mundo..., mas alguns remendos nos furos no script não fariam mal.


Enfim, como o seu enredo está nivelado no “inho”: bonitinho, engraçadinho, divertidinho, o suspense é levinho e a ação meio pastelão(zinha). O que não que dizer que O Lar das Crianças Peculiares seja uma comédia. Há uma cena ou outra mais forte, mas nada que amedronte (ou traumatize) a garotada acostumada a games violentíssimos, a sangrentos programas televisivos e a filme de super-heróis. Os “desafios” (alguns bem bobos) enfrentados pelos peculiares são de fácil solução. O humor é tacanho. No “terceiro ato” até há uma tentativa de se fazer graça com algumas tiradas do caricato vilão Sr. Barron (L Jackson), mas as “piadas macabras” não rendem mais que dois ou três sorrisos breves. Tampouco funciona o forçado romance entre Jake e Emma (Ella Purnell), a garota que pode flutuar.

Para o espectador/leitor ligado em enredos de ação e aventura, por conta das tais peculiaridades, é fácil relacionar, à primeira vista (ou lida?), os jovens (mutantes) do Lar das Crianças Peculiares com os jovens (mutantes) da Escola do Professor Xavier para Jovens Super-Dotados (X-Men). A diferença entre os dois grupos de “X” pode ser apenas uma questão de semântica. Ou seria de inocência, já que os alunos (X-Teens) da Srta. Peregrine são mais ingênuos e menos treinados para o combate que os alunos (X-Teens) do Professor Xavier? As referências não param por aí. Como no universo das coincidências nem tudo é paralelo, é forte a influência da obra-prima Monstros/Freaks (1932), de Tod Browning (1882-1962), em todo o contexto (livro/filme). Se os resquícios de Horizonte Perdido (1973) ou de A Pequena Loja de Horrores (1986) entre um “dia da marmota” e outro, e a animada homenagem ao mestre do stop motion Ray Harryhausen (1920-2013), com a engraçadinha tropa de esqueletos, são passageiros na fugacidade digital na telona..., reconhecidas imagens recicladas de produções alheias insistem em permanecer na retina do cinéfilo. Pode ser interessante enumerá-las!



Assim, considerando que, em meio a inúmeras referências, a marca característica de Tim Burton prevalece, com seu visual deslumbrante e um 3D consistente, em detrimento de uma trama que se desenvolve claudicante (guardando “ás” na manga para futuras continuações?), alternando entre excelentes e frouxas sequências; que o elenco faz o que pode dentro do pouco tempo que lhe cabe em cena; que a trilha-clichê por vezes é irritante; que ao sair do cinema pouco (ou quase nada) se carrega na memória da historinha que acabou de assistir..., do ponto de vista de um adulto exigente e ansioso para ser surpreendido, acho que O Lar das Crianças Peculiares fica a desejar. O que não quer dizer que o público jovem comungue com essa resenha ranzinza...

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