sábado, 30 de maio de 2015

Crítica: A Espiã Que Sabia de Menos


O cartaz não deixa dúvidas. 1. O título brasileiro A Espiã Que Sabia de Menos não passa de um gracejo a O Espião Que Sabia Demais (2011). 2. É uma paródia dos filmes de espionagem com seus agentes secretos elegantes e ou pancadas. 3. O diretor é o mesmo das “comédias” fuleiras Missão Madrinha de Casamento (2011) e As Bem Armadas (2013).

A Espiã Que Sabia de Menos (SPY, 2015), com roteiro e direção de Paul Feig, é uma “comédia”, com a premissa de ser engraçada, que se aventura com muita ação e pancadaria ao redor de Susan Cooper (Melissa McCarthy), uma agente de base da CIA que dá cobertura ao parceiro charmoso Bradley Fine (Jude Law). Quando este desaparece numa missão, envolvendo o tráfico de uma bomba nuclear (é claro!), ela se torna a única alternativa da agência para solucionar o caso, para despeito do fanfarrão agente Richard Ford (Jason Statham). Em campo, Susan terá que provar (para a CIA) que quem vê cara e corpo, não vê força e determinação da agente (menosprezada) na caça à traficante de armas búlgara Rayna Boyanov (Rose Byrne) e ao terrorista Sergio De Luca (Bobby Cannavale).


Na onda dos filmes de ação protagonizados por mulheres, Melissa se entrega de corpo e simpatia ao papel de ideias repetidas dos seus filmes anteriores, com aquelas velhas piadas chulas e guerra de sexos sem a menor graça, dirigidos por Feig. O thriller quer deslizar na esteira de Corra Que a Polícia Vem Aí (1988) e Top Secret! Superconfidencial (1984), mas, Paul Feig está longe de ser um David Zucker..., ainda que seus filmes façam tremendo sucesso, principalmente com o público feminino. O que é estranho, já que as protagonistas geralmente são ridicularizadas e colocadas em situações constrangedoras.

O argumento que sugere uma agente secreta baixinha e gorda se saindo melhor que espiões padrão James Bond e fazendo uso de “armas” de ocasião, feito um Jack Chan, é até razoável. O problema é o roteiro preguiçoso cheio de mesmices machistas. O papel de Melissa McCarthy poderia ser vivido tranquilamente por Danny DeVito, não faria diferença, já que o foco é o estranhamento físico e não a originalidade de uma mulher usando de toda a criatividade feminina (também com licença para matar) no obscuro mundo violento masculino. Paródia é rir dos valores estabelecidos no gênero e não exaltar.


A Espiã Que Sabia de Menos, cujo enredo está muito aquém do seu elenco, com seu humor raso, gags tolas e thriller fake, só me abriu breve sorriso em duas ou três ocasiões: as credenciais de Susan. Pra eu rir novamente de alguma piada ela tem que ser muito boa, o que não é o caso. Todavia, acredito que o grande público (não pensante) que aprecia este tipo de humor velho e escatológico estadunidense e que também curte as “comédias” chulas brasileiras, não vai ter do que reclamar. Porém, quem espera pancadaria e perseguições de carros bem coreografadas, talvez não fique tão feliz com a mecânica na tela...

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Crítica: Terremoto - A Falha de San Andreas


Quando se fala em filmes-catástrofes o primeiro nome é sempre o do exagerado diretor alemão Roland Emmerich (Independence Day, O Dia Depois de Amanhã, 2012), que adora detonar Los Angeles nas telonas. Mas sempre tem algum “novato” querendo desbancar o megalomaníaco alemão, principalmente nos efeitos especiais, como Brad Peyton com o seu catastrash Terremoto - A Falha de San Andreas.


Terremoto - A Falha de San Andreas (San Andreas, 2015) é um filme romântico de ação e aventura com pitadas de humor involuntário (?) beirando a paródia. O roteiro é uma imitação barata e sem a menor criatividade e ou originalidade dos baratos mockbusters da Asylum para o canal SyFy. É que o gênero trash (que eu adoro!) requer uma malandragem que muito “queridinho” de Hollywood não tem. Por isso, imagino quantos neurônios devem ter torrado os roteiristas Allan Loeb, Carlton Cuse, Carey Hayes e Chad Hayes para desenvolver o “complexo” enredo que esvoaça ao redor de Ray (Dwayne Johnson), um piloto de helicóptero de resgate que, em meio ao terremoto (escala 9) do título, viaja pelo ar, por terra e por mar, de Los Angeles a São Francisco, só para salvar a sua ex-esposa Emma (Carla Gugino) e sua filha Blake (Alexandra Daddario) que, por sua vez, imbuída do mesmo sentimento de solidariedade paterna, está ajudando dois irmãos ingleses, Ben (Hugo Johnstone-Burt) e Olie (Art Parkinson), numa contrafuga absurda em meio ao caos.


Sim, sim, eu sei é uma história que requer muita concentração, inclusive do espectador..., são muitas informações a serem processadas: um solitário piloto (de resgate) que não mede esforços parar salvar a ex-mulher e a filha surpreendidas por um terremoto previsto por um (eu disse um!) sismólogo, Lawrence (Paul Giamatti). Ah, esqueci de dizer que a família está em crise, a ex-mulher está namorando um rico empresário Daniel Riddick (Ioan Gruffudd) e a filha dividida entre o amor de pai e o charme do futuro padrasto e prestes a se apaixonar.

Os diálogos (ou seriam monólogos?) são primorosos: Eu te amo! Vamos sair daqui! Eu prometo! Corram! Saiam daqui! Por que você nunca me disse? O que está acontecendo? Vamos sair daqui! É uma promessa! Esse lugar é meu! Eu acredito em você! Não podemos ficar aqui! É minha culpa! Não parem! Vamos!..., todos pérolas trash pescadas dos originais da Asylum, junto com o mote: discutir a relação em meio ao caos (presentes em todas as produções do SyFy).


Deixando a "complexa" história doméstica de lado, é hora de falar da fúria da “maquiavélica” natureza que desperta de um sono centenário para por abaixo tudo quanto é edifício alto: crash! As panorâmicas do antes, durante e depois dos abalos impressionam e ficam muito divertidas com sequências bizarras, na base do quanto pior melhor. O palco de destruição parece um jogo de tabuleiro cheio de provas estúpidas a serem vencidas. Algumas decisões são dignas da excelente série da BBC: Deu a Louca Na História.

Mesmo sabendo, desde o começo, como será o fim da catastrófica trama americanacionalista, você vai querer testar o seu nível de paciência (ao acompanhar a determinação dos cinco intrépidos protagonistas) e de conhecimento cinematográfico, anotando quais cenas você acha que viu no filme 2012. Já ia me esquecendo, além do drama da família e dos desmoronamentos espetaculares, tem a monótona fuga em massa dos moradores da região: um morre aqui e outro acolá (sem sangue explícito!); uma menina foi esquecida aqui e uma mulher acolá.


Enfim, Terremoto - A Falha de San Andreas é um catastrash (catástrofe+trash) que, dependendo da sua expectativa pode ser muito divertido ou um verdadeiro abacaxi. Não é deliciosamente horrível como um trash original, mas tem lá os seus momentos e muitos furos. Clichês e efeitos especiais fantásticos não faltam. Eu não sou sádico e me solidarizo com todas as vítimas dos terremotos reais (oh!), mas não consegui me conter diante da encenação hollywoodiana e ri como se estivesse diante de um circense Emmerich, outra grande referência a Peyton. Se quiser ver, vá por conta e risco. Assim como a enxurrada de merchandising, é um entretenimento esquecível até o próximo detona quarteirão.

Na boa..., se você acreditar (mesmo!) na sequência inicial (adolescentes, não façam isso na estrada!), com certeza vai aceitar todo o resto.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Crítica: O Vendedor de Passados


Pode se dizer que muito telespectador “descobriu” o cinema brasileiro através das “comédias” chulas, ainda rentáveis nas suas mesmices. Aproveitando a boa brisa, algumas apostas no drama e no suspense ainda não tiveram a mesma acolhida. Mas, como se diz que quem não se faz ver não é lembrado, a sala agora é de O Vendedor de Passados.

Baseado no romance homônimo do angolano José Eduardo Agualusa, o filme dirigido por Lula Buarque de Holanda gira ao redor de Vicente (Lázaro Ramos), um dedicado criador de novas biografias para relevar o passado de uma clientela afoita por uma plástica na sua frustrante vida. O trabalho rotineiro é desgastante, mas nenhum tão desafiador quanto o encomendado por uma misteriosa cliente (Alinne Moraes) que, além da vida reescrita do zero, quer ter cometido um crime. Farsa por farsa, que a manipulação da sua história seja a melhor. Ou, ao menos, mais verosímil!

Pura ficção, você diria. Nem tanto! Recentemente foi lançado na Espanha o livro O Impostor, do escritor Javier Cercas, em colaboração com o historiador Benito Bermejo, que desvela a farsa montada pelo espanhol Enric Marco, de 94 anos, que nas últimas três décadas se passou por sobrevivente do Holocausto e chegou a ser presidente da Amical Mauthausen, associação de vítimas do nazismo. Leia sobre o caso aqui no site da BBC-Brasil. E por falar em Brasil, todo cidadão bem informado sabe que, no período da ditadura, o Zé Dirceu, do PT, fez plásticas, para não ser reconhecido, mudou o nome para Carlos Henrique Gouveia de Mello, foi morar clandestinamente em Cruzeiro do Oeste, interior do Paraná, onde, sem revelar o seu passado, se casou com Clara Becker e foi vivendo assim até que a anistia chegou e ele se desfez das plásticas etc. É claro que esses casos não são únicos no mundo. Mas vamos ao que interessa!


Perdido entre a coxia e o palco de manipulações de sentimentos, O Vendedor de Passados, ironicamente, carece (!) de identidade. Assim como um cachorro que corre latindo atrás dos carros e não sabe o que fazer quando o veículo para, ele saltita entre o drama (melancólico), o suspense (intenso) e a comédia (enfadonha), deixando a plateia atônita e seus protagonistas presos num labirinto de árvores genealógicas cobertas de frutos estranhos. Frutos que, se colhidos a tempo, por mãos certas, dariam uma boa salada, mas que acabam apodrecendo por não se ter onde guardar novas ideias entre tantas quinquilharias (tão somente) cênicas.

É um filme de interrupções. Nenhum gênero se completa. A trama não encontra um álbum vazio para preencher com novidades. E se o encontrasse possivelmente não saberia o que colar ali. Pois, no ponto alto da narrativa, quando a cliente de Vicente toma uma surpreendente decisão, e se espera que o enredo comece a lustrar o seu fecho de ouro, o roteiro que deveria dizer a que veio, vira galhofa. A tempestade com raios e trovões não passa de antiácido vencido num copo d’água. E fica o dito pelo não dito no reino da conversa mole. Quem manda acreditar em tudo o que vê e ouve!


Enfim, ultimamente tenho visto promessas que não se cumprem no cinema brasileiro. Os argumentos até são razoáveis, mas os roteiros não passam de equivocadas boas intenções. O Vendedor de Passados chega com uma boa lábia, boa mesmo! Mas, conversa vai conversa vem, o blá-blá-blá perde o encanto e o diamante se desvela vidro na boca de cena do terceiro ato. Pelo menos para um comprador um pouco (nem digo muito) mais exigente.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Crítica: The Last - Naruto, o Filme


Já vou avisando, The Last - Naruto, o Filme (The Last - Naruto the Movie, 2014) não é um programa para leigos em universo narutoniano e congêneres. Um curioso desavisado (?) pode até arriscar, mas, no máximo, vai curtir uma historinha melosa de amor adolescente relacionada à segunda frase: “O Primeiro Amor”, do slogan japonês, porque, se depender da primeira: “O Último Episódio”..., vai ficar perdido entre o Céu e a Terra.  Mas pelo menos não vai esquecer nunca mais dos nomes dos protagonistas repetidos exaustivamente em quase duas horas da sessão: Hinata! Naruto! Hinataa! Narutoo! Hinataaaa! Narutoooo! Hinataaaaaa! Narutoooooo! Hinataaaaaaaaa! Narutooooooooo!

Bem, pelo menos foi assim que me senti em meio à agitação e explosões e gritos diante do que me pareceu ser uma mistura bizarra e infantiloide de guerras (inter-raciais + sentimentais + egocêntricas + divinas + totalitárias)..., onde a arma (omni)potente é o amor! Ah, o amor (!), sempre ele, iniciando e acabando com as guerras (?) e ainda velando pela continuidade das espécies. Que lindo é o amor: Hinata! Naruto!


The Last - Naruto, o Filme é a 10ª produção da franquia Naruto, lançada para a comemoração de 15º aniversário da série e início do Projeto de Abertura da Nova Era de Naruto (Naruto Shin Jidai Kaimaku Project). Dirigido por Tsuneo Kobayashi, baseado no roteiro e criação de Masashi Kishimoto, o anime/filme se passa dois anos após os acontecimentos da Quarta Grande Guerra Ninja, que transformou o jovem Naruto em herói e no favorito das adolescentes. Entre as garotas, a tímida Hinata (na terrível dublagem brasileira vira Renata), que nutre um amor platônico pelo garoto, tricota cachecóis vermelhos para presenteá-lo e quem sabe, então, ele se toca e... Ah, o amor: Naruto!!! Hinata!!!

Enquanto o amor (Hinata! Noruto!) não engata, os dois se juntam a mais três guerreiros: Shikamaru, Sai, Sakura, para enfrentar o poderoso ninja Toneri Outsutsuki (o Eremita dos Seis Caminhos), que tem planos para acabar com a Terra porque, segundo ele, o planeta (não seriam os terráqueos?) está desvirtuado com guerras infindáveis e blá-blá-blá! e mais blá-blá-blá! É claro que ele está fazendo isso imbuído do maior amor (despótico) do mundo. Ah, o amor na guerra e na paz das melhores intenções: Narutooo! Hinataaa! Outsutsukiii!

Cara, como tem gente na fila querendo destruir a Terra, viu! Já não bastam os humanos? Enfim, enquanto Outsutsuki arquiteta a sua última guerra (divina e redentora) os cinco heróis se mandam para o espaço para tentar por fim às malvadezas do “bondoso” Eremita dos Seis Caminhos..., antes que a Lua (literalmente) caia na cabeça de todo mundo. Do lado dos abnegados adolescentes: o amor. Ah, o amor: Hinata! Hinataa! Hinataaa! Naruto! Narutoo! Narutooo!


The Last - Naruto, o Filme é direcionado ao público pré-adolescente fanático do personagem título. Posso estar enganado, mas vai agradar mais às meninas do que aos meninos. Ah, o amor! Qualquer outro espectador (fora desse universo) vai pegar no sono rapidinho. Eu resisti! Tecnicamente a animação está mais para a simplicidade do anime (tv) do que para a sofisticação do filme (cinema). Ou seja, é mediana e com algumas cenas econômicas demais. Nada de encher os olhos! Não creio que os fãs vão reparar nestes detalhes, já que vão estar entretidos (ou revoltados) com dublagem brasileira que é um horror, sem vida, mecânica. A (irritante) voz (argh!) de Naruto lembra a de uma velha octogenária. Uma dublagem dessas não há amor que pague ou apague: Hinata! Naruto!

Acho que é isso. Ou não! Ah, receoso de ficar diabético, saí no início dos créditos finais, mas li na Wikipédia que tem algumas cenas adoráveis (Lar Doce Lar) logo após e mais: Hinata! Naruto!

sábado, 16 de maio de 2015

Crítica: Entre Abelhas


Editar. Rever. Cortar. Rever e aprovar a obra não é tarefa fácil para um artista. Há sempre a sensação de que se cortou demais. Há sempre a sensação de que poderia ter cortado menos. Há sempre uma sensação bipolar difícil de definir quando se coloca o ponto final. O último ensaio no teatro ou a pré-estreia de avaliação de um filme é a hora “h” da decisão.  Ainda sim, críticos ou não, todos os espectadores têm a sua observação sobre o que veem. O prazer é subjetivo, portanto, gostar ou não do que se assiste pode ter a ver mais com a sinestesia do que com o preço do ingresso.

O argumento de Entre Abelhas é curioso. A ação é centrada em Bruno (Fábio Porchart), um editor de imagens que, após a separação da mulher (Giovana Lancellotti), passa a não enxergar (nem a ouvir) as pessoas ao seu redor e também em fotos e filmes. Enquanto busca na psicanálise a explicação do trauma, a sua mãe (Irene Ravache) tenta curá-lo com um tratamento caseiro experimental, envolvendo um atendente (Luiz Lobianco) de pizzaria. A horrenda narrativa paralela (“pau de galinheiro”), que suja a trama e tira a atenção do drama, cacareja ao redor de um colega (Marcos Veras) de trabalho de Bruno que só quer saber da vida de galinho à cata de galinhas.


Entre Abelha, drama psicológico e ou realismo mágico brasileiro, dirigido por Ian SBF, é um momento raro (pela temática) no cinema brasileiro. Tão raro que os roteiristas Fabio Porchat e Ian, parecem ter trocado os pés pelas mãos, indecisos no jogo de vôlei e ou de futebol com a cabeça do espectador. Independente da veia humorística de seus realizadores, é impossível não questionar: por que cargas d’água macular o interessante argumento com um apêndice estuporado por “piadas” sexistas, machistas, escatológicas e tremendamente de mau gosto? Por que, em vez de dois filmes em um, não se optou apenas pela ficção Entre Abelhas e jogou o das “piadas” no fragmentador de ideias ruins até pras novas chanchadas? Superestimar o privado ou subestimar o público? Eis a incontornável questão colateral subvertendo o drama e a comédia. É como diz aquela máxima: não se pode servir a dois deuses ao mesmo tempo.

Aproveitando o arroto, o que leva mulheres esclarecidas (sempre em defesa dos direitos e da dignidade do sexo feminino) rir de si mesmas ao ouvir “piadas” tão degradantes..., como ocorreu na sessão do Clube do Professor, em Curitiba, onde assisti a (dupla) ficção (a da tela e a da plateia)? Se as mulheres não querem que lhes sujem a alma, por que aceitar ser eternamente capacho?

Entre Abelhas, cujo título parece evocar a recente pesquisa sobre o desaparecimento das abelhas na Terra (o que exterminaria a “humanidade”), com seu bom argumento tratando de ausências, afetividade, invisibilidade social..., com algumas soluções cenográficas inteligentes (na história protagonista), poderia ser um dos destaques do ano. Poderia, se o seu desenvolvimento dramatúrgico não ficasse seriamente comprometido pelo vírus do “humor” clichê do apêndice. Aí, com tanta baixaria, por mais que se queira conservar na memória a seriedade da narrativa principal ou mesmo especular sobre o “final aberto”, o fedor paralelo não deixa...

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Crítica: Mad Max: Estrada da Fúria


Sempre que ouve falar em refilmagem de clássicos, como se faltassem ideias no reino da fantasia hollywoodiana, muito cinéfilo sente um frio na espinha. Por isso o antigo anúncio do “resgate” da franquia de Mad (Mel Gibson) Max deixou muita gente em suspense por quase uma década. Ainda que se divulgasse que o “resgate” seria feito pelo seu criador George Miller e o personagem reencarnado por Gibson. Tempo foi e tempo veio e depois dos contratempos, eis que o filme pronto chegou às telonas. Os cinéfilos e fãs da trilogia - Mad Max (1979), Mad Max 2 (1981) e Mad Max - Além da Cúpula do Trovão (1985) - vão sentir um frio mais intenso na espinha e o estômago revirar, mas de felicidade. O Mad Max: Estrada da Fúria é muito melhor do que poderia supor a nossa enorme impaciência. É fascinante, criativo, desconcertante, surreal, bizzaro..., uma “ópera punk heavy metal” pra ninguém botar defeito. Quer dizer, tem uma ou outra nota fora da pauta, mas tão insignificante que compromete em nada o ritmo ensandecido deste filme que parece já ter (re)nascido clássico.


Trinta anos. O tempo não parou e a tecnologia seguiu célere no mundo real caótico e, por muitas vezes, à beira de um cenário apocalíptico, quer pela força da natureza, quer pela demência humana. E demência é o que não falta aos sobreviventes do caos no escaldante mundo pós-apocalíptico (?) de Max Mad, com suas estradas e “acampamentos” cheios de fúria e miséria, onde a solidariedade é mínima. É esse mundo de ontem, com resquícios de hoje, no pesadelo do amanhã, que nos chega pelas mãos de George Miller, aguçando e perturbando novamente os nossos sentidos com um argumento insano (?), um roteiro crível e um apuro técnico de cair o queixo.


Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015) acelera pela desértica Terra tomada pela secura, onde um oásis, como a Cidadela, é uma dádiva rara. Tão rara que é defendida com impressionante reserva de artefato bélico, pelo seu “imperador" tirano Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne) e seus asseclas descerebrados e sempre prontos para ir para o Valhala.  É nesse paraíso oculto, onde “subir” ao céu e ou “descer” ao inferno é bem mais que uma metáfora-motriz nos pés e mãos descartáveis alavancando plataformas, que Mad Max (Tom Hardy) é aprisionado. E é dele que, em meio à tortura, na perseguição à Imperatriz Furiosa (Charlize Theron) ele escapa para viver uma saga que pode lhe trazer alguma paz de espírito (errante) após a perda da mulher e filho.


Mad Max: Estrada da Fúria é um filme de aventura e ação, mas muita ação e violência pós-apocalíptica. Se os diálogos são mínimos a expressividade dos atores, principalmente de Hardy e Theron, é hipnotizante. Há que se destacar também a performance difícil de  Nicholas Hoult na pele do inocente útil Nux, um guerreiro-menino à serviço de Immortan Joe. A fotografia de John Seale é uma pintura rara que só aumenta a credibilidade da trama sonorizada pelos acordes ensurdecedores de Junkie XL (Tom Holkenborg). O desenho da frota de carros customizados (e de seus condutores) é precioso, vai deixar muita gente querendo um “brinquedinho” daqueles de presente de Natal..., enquanto ainda existe Natal!

A inventividade de Miller, que dividiu a excelência do roteiro com Brendan McCarthy (escritor de HQ) e Nico Lathouris, parece não ter limites na criação de personagens e coreografias automotivas capazes de embasbacar até os fãs do Cirque du Soleil. Se o Mad Max de 1979 (e os dois que o seguiram) foi exaustivamente “imitado” (e jamais igualado), com certeza o de 2015 não será diferente.


Com seu humor negro e sequências de fazer disparar o coração, se agarrar na cadeira, suar frio e até se emocionar..., saber se este Mad Max é melhor que algum dos três filmes anteriores é o que menos importa, já que a época e até as emoções são outras. Ainda que algo emblemático continue forte e influente por décadas ou séculos, não se deve esquecer que é na sua criação que ele mais resplandeceu. Portanto, rever a trilogia de ontem para comparar com o filme de hoje me parece uma grande bobagem, já que a nova produção não é refilmagem e sim uma história original. Apenas o universo é o mesmo. O argumento contorna e contempla o feito passado, mas de olho na plateia futura.

Para quem quer uma sensação muito mais intensa, recomenda-se assistir em tela gigante numa sala com potentes alto-falantes, principalmente para curtir o grande achado de Miller: dois carros sonorizados. Em um, instrumentos de percussão e, no outro, um guitarrista alucinado, com sua guitarra incendiária, dando moral aos guerreiros de Immortan Joe. Mais uma maluquice deliciosa num roteiro em que a presença dos artistas e seus dublês é mais forte que o CGI que, quando preciso, comparece em sequências (tempestade de areia!) e efeitos inacreditáveis.

Enfim, considerando o que disse acima (apenas o básico, para não estragar a surpresa)..., simplesmente imperdível! Ah, e acredite, você só verá uma loucura maior que esta, se houver uma próximo Mad Max pelas mãos do genial George Miller.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Crítica: O Exótico Hotel Marigold 2


Em 2012 uma das grandes surpresas no cinema foi a adorável comédia romântica inglesa O Exótico Hotel Marigold. No seu saboroso diálogo há uma fala tão marcante que muitos espectadores a usam como autoajuda (!?): “Na Índia, temos um ditado: tudo vai dar certo no final. Então, se não estiver tudo certo, é porque ainda não é o final.

Três anos depois, os mesmos John Madden (direção), Ol Parker (roteiro) e elenco nos recepcionam outra vez no Exótico Hotel Marigold para uma estadia de duas horas e um convívio divertido com hóspedes bem ou mal humorados e suas pertinentes reflexões agridoces sobre a velhice e o tempo que a idade (veloz ou vagarosa) se faz sentir no físico ou na mente de cada um.


A nossa viagem começa nos EUA, onde os sócios Sonny Kapoor (Dev Patel) e Muriel Donnelly (Maggie Smith), à procura de investidores, visitam o empresário Ty Burley (David Strathairn), que só dará uma resposta após a visita de um cliente espião ao Hotel Marigold. No retorno à Jaipur, Soony só faz estressar: é o casamento com Sunaina (Tena Desae); a expansão dos negócios; a visita do espião americano, que ele acredita ser o novo hóspede Guy Chambers (Richard Gere), um romancista que chega ao Marigold no mesmo dia em que a turista Lavinia Beech (Tamsin Greig). O tumulto com a chegada do tal “espião comercial” é muito engraçada e uma “pegadinha” muito bem resolvida.

Enquanto isso, nossos velhos conhecidos aposentados britânicos, continuam driblando o tempo, se ocupando e se adaptando da melhor forma possível naquele aprazível lugar: Evelyn (Judi Dench) negocia com tecidos e o tímido Douglas (Bill Nighy) virou “guia” turístico; Madge (Celia Imrie) ainda testa a paciência dos seus amantes e o afortunado casal Norman (Ronald Pickup) e Carol (Diana Hardcastle) vive mais livre que nunca. Mas, sabe como é a vida, dependendo dos percalços do hoje, o amanhã pode ou não ser um outro dia.


O Exótico Hotel Marigold 2 (The Second Best Exotic Marigold Hotel, 2015), me pareceu tão bom quanto o filme anterior. Não apenas por manter o mesmo clima descontraído (que a nova geração jamais espera das mais velhas) e os diálogos irônicos (Algumas vezes a gente perde. Outras a gente aprende.) ou cínicos, que o notabilizaram..., mas por não estacionar na mesmice. A história não ficou esparramada em uma espreguiçadeira na cobertura ou no jardim do Exótico Marigold, ela seguiu em frente (de onde parou), com seu humor inglês ainda mais desconcertante (a aula sobre o preparo de uma “simples” xícara de chá é de rolar de rir, para quem toma chá e ou não precisa de sachê para mergulhar no humor inglês, evidentemente). Ainda que se perceba um desejo de clichê emotivo aqui ou acolá, o roteiro redondo não deixa pontas soltas. Assim, ninguém tropeça, já que cada personagem tem o seu enredo com começo, meio e fim satisfatoriamente resolvido.


Num tempo em que todo tipo de violência (cada vez mais) gratuita invade repetidamente as salas de cinema, num arremedo idiota dos telejornais que invadem os lares, pautados pela estética do quanto pior melhor, anestesiando o combo cinespectador/telespectador..., é um momento de puro deleite (com mel) apreciar esta charmosa obra onde os idosos são protagonistas de uma vida cheia de curiosas vivências e experiências singulares pra lá de possíveis no mundo real. E ainda que não fossem possíveis, valem como sugestão ou provocação! É claro que a veracidade dos ótimos diálogos deve muito à performance do excelente elenco e à narrativa despretensiosa, colorida e cativante que não privilegia ator algum. Todos têm o seu (bom) tempo em cena para agradar e seduzir o público com a sua mirabolante história paralela. Não é fácil escolher uma, ainda que boas sequências te façam balançar por esta ou por aquela.


Enfim, se há três anos gostou ou desejou ser hóspede do Exótico Hotel Marigold por um pouco mais de tempo no escurinho do cinema, aproveite bem a nova temporada ainda mais colorida, musical e graciosa. Você ainda pode se surpreender com a energia de velhos e novos conhecidos e com “inoportunos” comentários sobre a menopausa e o óbito.

Em 2015, com o bem-vindo retorno ao Exótico Hotel Marigold, a fala que fica, só não sei se como autoajuda, já que flui carregada da mais fina ironia (ou grosseria?) inglesa numa das melhores sequências, é: "Só porque eu estou olhando para você, enquanto fala, não significa que eu estou prestando atenção ."

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Crítica: Casa Grande


Casa Grande. O título, obviamente, remete à obra capital de Gilberto Freire (1900-1987): Casa Grande & Senzala (1933)..., que é muito mais falada que lida. O filme, ainda que a referência ao clássico da sociologia brasileira seja forte, remete a um Brasil contemporâneo, onde a Casa Grande acaba Senzala do patriarca patrão.


Casa Grande, com direção de Fellipe Barbosa, trata do cotidiano de uma família de classe média alta em crise financeira. Num bairro nobre do Rio de Janeiro vive Hugo (Marcello Novaes), economista com má sorte nos fundos de investimento e que não aceita sequer a ideia de derrocada moral. Sônia (Suzana Pires), sua mulher, tenta administrar as sobras, como se cada centavo fosse ouro. Jean (Thales Cavalcanti), o filho adolescente, com a testosterona vazando por todos os poros, ainda que ciente da crise no “lar doce lar”, está mais preocupado com as “histórias safadas” da empregada Rita (Clarissa Pinheiro) e os carinhos da namorada Luiza (Bruna Amaya). O alarme de que algo vencido na Casa Grande começa a feder na Senzala é dado com a demissão do motorista Severino, conselheiro sentimental do rapaz...


O roteiro de Barbosa e Karen Sztajnberg é simples e por muito pouco não escorrega no simplório e na cal da chapa. Quando toca levemente em questões que já não pautam mais nem as rodadas sociológicas de botequim, como pano de fundo para sobressair o melhor da trama, que é a saga do (“herói”) adolescente Jean em crise tripla (familiar, escolar e sexual), ele funciona muito bem. Principalmente porque o núcleo jovem, formado por não-atores, é excelente e a sua rotina (casa/escola/diversão) crível. Já quando insiste em aumentar o foco na crise financeira e polemizar a cota racial o discurso afrouxa falso e cheio de diálogos (de “impacto”) prontos. Não chega a pedir falência, mas é aquela lengalenga: o patrão e a causa trabalhista; o branco, o negro e a cota estudantil; o trabalhador honesto, bondoso, acolhedor e feliz; o Severino no Rio de Janeiro; a decadência (à) francesa; a miscigenação...


Enfim, Casa Grande, com seu formidável elenco, é um filme que, se não se pensar muito a respeito dos assuntos pretensiosamente engajados (e totalmente esquecíveis), assiste-se com algum interesse. Caso contrário, a mais rasa discussão pode ser coberta com uma avalanche de clichês, levando água abaixo o seu humor leve e a pitada de ironia que o tornam curioso em meio à lucrativa onda de “comédias” brasileiras que grassam nos cinemas.

Há quem compare Casa Grande ao superestimado e previsível O Som ao Redor (que a mim é um “manual” de técnicas cinematográficas para curso de cinema). Eu discordo, ainda que irregular e do abuso de clichê, Casa Grande me pareceu mais honesto e melhor que o filme de Kleber Mendonça Filho.

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