terça-feira, 14 de abril de 2015

Crítica: O Dançarino no Deserto


Que no cinema há mais filmes de (ou com) dança do que sobre dançarinos famosos os fãs do gênero estão com as sapatilhas gastas de saber. Ainda que os dançarinos (mesmo coreógrafos), principalmente das antigas, sejam fantásticos em suas modalidades (jazz, contemporâneo, clássico), pouco ou nada se sabe sobre seu interesse pela arte de bailar.


Reservando o palco na atual temporada de cinebiografias inspiradas em fatos, eis que nos chega o filme inglês O Dançarino no Deserto (Desert Dancer, 2014), do estreante diretor Richard Raymond. A história rodopia em torno do bailarino iraniano Afshin Ghaffarian, exilado na França, e faz menções à teocracia do ditador Mahmoud Ahmadinejad. O interesse de Ghaffariam pela dança começou na infância. Ainda garoto (Gabriel Senior), sofreu com o conceito religioso e as regras proibitivas, encontrando o apoio ao seu talento apenas no Art Saba, dirigida por Medhi (Makram Khoury), que também era alvo da “polícia da moralidade”, os Basij. Ali, através de filmes antigos, teve seu primeiro contato com a maestria de Rudolf Nureyev. Mais tarde, na universidade, Afshin (Reece Ritchie) se juntou aos jovens Ardavan (Tom Cullen), Sattar (Simon Kassianides), Mona (Marama Corlett), Mehran (Bamshad Abedi-Amin) e Elaheh (Freida Pinto), que também lutavam pela liberdade de expressão, e formou uma companhia de dança. O grupo ensaiava secretamente e fez a primeira apresentação no deserto, reservada a alguns amigos de confiança. Logo após o espetáculo Ghaffarian foi perseguido e conseguiu emigrar para França.


Como em cinema o que conta é a “inspiração” nos fatos, devidamente encaixada no clichê funcional, e não a “veracidade” dos fatos, o roteiro toma lá as suas liberdades (entre outras) de itinerário. Ainda que no pano de fundo se fale do regime ditatorial iraniano, mais precisamente da intolerância, o foco narrativo é o envolvimento de Ghaffarian com a dança. Não há nenhuma discussão aprofundada sobre as proibições, o entorpecimento, as diversões clandestinas, a desobediência civil dos jovens iranianos. O que se vê são apenas cenas de passagem tirânica costurando ritos de passagem artística. Ou seja, as maldades estão ali mais para ressaltar a perseverança de Afshin e seu grupo. Um alívio (?) para o espectador que não é chegado em filme político (ou seria cabeça?).


O Dançarino no Deserto tem ótimas performances, com destaque para Reece e Freida, que dançam todos os números sem a necessidade de dublê de corpo. As coreografias assinadas por Akram Khan são belíssimas. É difícil escolher a mais marcante. Cada uma provoca um arrepio e ou embevecimento diferente. O solo inicial de Elaheh (Freida) é puro deslumbre, para deixar a plateia realmente de boca aberta, tamanha a expressividade e a beleza inequívoca da atriz. São dois os pas de deux com Elaheh e Ghaffarian: um, terno e melancólico ensaio com as mãos; outro, tenso e libertador no deserto. O solo brutal de Afshin, na França, é o melhor momento de Reece no palco.



Enfim, considerando que O Dançarino no Deserto é uma cinebiografia dramática (mas, qual não é?) que beira o dramalhão; que, excetuando duas sequências tensas (as viscerais apresentações no deserto e a na França), sugere situações de suspense, violência (física, moral e psicológica), e algum romance; que as coreografias são lindas e os atores/dançarinos mandam muito bem; que a fotografia de Carlos Catalán é envolvente; que até esse filme, não conhecia Afshin Ghaffarian e outros excelentes artistas asilados na França (que descobri no Google e YouTube), como o também bailarino e coreógrafo Shahrokh Moshkin Ghalam e o músico Shahin Najafi (que já morou no Brasil); que apesar da opção dos diálogos em língua inglesa (no Iran?) parecer equivocada e o roteiro meio raso beirar a hagiografia..., se gosta do gênero e quiser arriscar, no mínimo os fantásticos números de dança valem um boa olhadela.

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