quarta-feira, 11 de março de 2015

Crítica: Para Sempre Alice


No mundo há cerca de 35 milhões de pessoas com o Mal de Alzheimer, a grande maioria é de mulheres. No Brasil o número de pessoas com a doença ultrapassa a um milhão. O assunto desperta interesse pela comoção que causa não apenas a quem é acometido pela doença, mas também aos seus cuidadores, principalmente se familiares, uma vez que o Alzheimer, ainda incurável, vai anulando socialmente o enfermo, a cada dia mais aprisionado em seu mundo de antigas lembranças que, assim como a linguagem e a habilidade física, dissiparão em aproximadamente dez anos.

Para Sempre Alice (Still Alice, 2014), roteirizado e dirigido por Richard Glatzer e Wash Westmoreland, é um drama de ficção baseado no livro homônimo da neurocientista e escritora Lisa Gênova, que expõe a rotina de uma linguista e autora de sucesso, Alice Howland (Julianne Moore), que, aos 50 anos, é precocemente diagnosticada com o Mal de Alzheimer e, feito a Alice de Lewis Carroll, se vê caindo vertiginosamente num buraco escuro sem fim, apegando-se no que lhe resta de memória e de dignidade. A notícia, claro, abala duplamente toda a família, já que Lydia (Kristen Stewart), Anna (Kate Bosworth) e Tom (Hunter Parrish), os três filhos do casal Alice e John Howland (Alec Baldwin), podem ter herdado a doença da mãe.


Para Sempre Alice tem uma narrativa linear e sóbria. A Alice de Juliane Moore é elegante, de uma leveza desesperadamente contida e tocante. Ainda que a dor (e a vergonha!) pela perda das capacidades cognitivas seja enorme, ela procura manter a sua sanidade (e orgulho!) o maior tempo possível (Estou perdendo meus ‘ontens’. (...) Temo com frequência o amanhã). Tarefa difícil, já que a deterioração é iminente (Não há como negociar com esta doença.) e o equilíbrio a cada dia mais fugidio (Quando deixarei de ser eu mesma? Será que a parte do meu cérebro que responde por minha personalidade é vulnerável a esta doença? Ou será que minha identidade é algo que transcende neurônios, proteínas e moléculas de DNA defeituosas? Estarão minha alma e meu espírito imunes à devastação da doença de Alzheimer? Acredito que sim.). Os trechos entre parênteses são da edição brasileira do livro lançado pela Nova Fronteira.


Assunto recorrente em estúdios de todo o mundo, com o Oscar merecido de Juliane Moore, o Alzheimer novamente ganhou vitrine. O tema, intensificado na década de 2000, quando merecedor de um roteiro bem desenvolvido no drama e ou mesmo no humor, sempre acaba trazendo mais luz à complexidade da matéria. Todavia, dependendo da direção (foco/alvo), o objeto no fio da navalha pode “sangrar” num melodrama e ou cine-autoajuda, provocando mais piedade que reflexão sobre a fragilidade humana. O que não me parece ser o caso de Para Sempre Alice, que emociona não apenas pela contundência do drama que aflige uma personagem tão à vontade com a linguagem e que ironicamente é privada dela..., mas também pela veracidade da trama, melhor percebida por quem já teve alguém próximo afetado pelo Mal e que, pela devastação que provoca, faz o doente preferir o câncer, por ser passível de cura.

Entre comoventes e bem escritas sequências, ainda que a fuga do significado de “Léxico” (..., as palavras estão todas aí, mas não consigo alcançá-las) provoque agonia, a que dá um nó é, sem dúvida, a da palestra de Alice na Conferência Anual de Atendimento à Demência, em que cita os versos iniciais do poema Uma Arte, de Elizabeth Bishop (1911-1979): The art of losing isn't hard to master;/ so many things seem filled with the intent/ to be lost that their loss is no disaster., que (em tradução literal) diz algo: A arte de perder não é difícil de dominar;/ tanta coisa parece feita com a intenção de ser perdida/ que perdê-la não é um desastre. O poema integral One Art e a tradução de Horácio da Costa e Paulo Henriques Britto podem ser lidos lá no (link) Falas ao Acaso.


Para Sempre Alice não tem a pungência de Amor (Amour, 2012) de Michael Haneke e ou a inquietação poética de Longe Dela (Away from Her, 2006), de Sarah Poley, mas se aproxima, com louvor, do admirável e melancólico Iris (Iris, 2001), de Richard Eyre, que retrata o sofrimento da filósofa e escritora Iris Murdoch (1919-1999) que, com a progressão do Alzheimer, também perdeu a capacidade de escrever e de se lembrar das palavras. A dupla direção é excelente. O elenco gravita afinado ao redor da bela e talentosa Juliane Moore. A trilha sonora não chega a incomodar totalmente, mas a fotografia me pareceu meio descuidada, principalmente nos enquadramentos.

Nota: Só para registrar, o diretor Richard Glatzer, ainda na fase de pré-produção de Para Sempre Alice, apresentou sintomas Esclerose Literal Amiotrófica (ELA). A doença progrediu rapidamente, incapacitando-o da fala e do movimento das mãos. Durante as filmagens, Glatzer usou um iPad para se comunicar com elenco e equipe, digitando as mensagens com um dedo do pé direito. Para quem não sabe, ELA é a mesma doença degenerativa que acometeu o cientista Stphen Hawking.

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