sábado, 24 de janeiro de 2015

Crítica: Grandes Olhos


O que será que torna popular, da noite para o dia, uma obra de arte? O acaso? Ser descoberta por uma celebridade? O artista ser também um exímio vendedor? E por que uma obra de arte que faz tanto sucesso com o grande público é tão menosprezada pela crítica especializada e por artistas menos conhecidos? Atualmente, o artista plástico brasileiro Romero Britto, xodó das celebridades norte-americanas e personalidades mundiais, que vende a rodo a sua colorida arte pop, é o saco de pancada da vez.

Quem, antes dele, também criou alvoroço nas terras do Tio Sam, na década 1960, foi o casal Walter e Margaret Keane, com seus quadros, pôsteres e cartões, onde figuravam crianças melancólicas e de grandes olhos. Excetuando Andy Warhol, que disse algo tipo: “Se a obra de Keane fosse ruim não faria tanto sucesso”, os especialistas (como o crítico John Canaday, de New York Times)  diziam que ela era apenas kitsch, decorativa e sem nenhum valor. O que não impediu o casal de faturar milhões de dólares e inspirar artistas de outras artes, como Tim Burton, também um colecionador de Keane. Hoje o que mais se vê são animações com personagens de olhos grandes.


E por falar em controvérsia, é Tim Burton quem traz à telona o segredo por trás do sucesso das telas e telinhas melodramáticas dos Keane em Grandes Olhos (Big Eyes, EUA, 2014). Na verdade, a fraude por trás do sucesso. Quem pintava os quadros era Margaret (Amy Adams), mas quem levava a fama (com a sua conivência) era Walter Keane (Christoph Waltz), seu marido. O casal se conheceu numa exposição de rua, em meados dos anos 1950: ele expondo suas paisagens parisienses e ela suas meninas tristes de grandes olhos. Logo se casaram e Walter decidiu que já era hora de buscar uma galeria. Esnobados, ele encontrou uma alternativa, alugar as paredes de um bar, onde a obra de Margareth foi descoberta e a dele preterida. Como ela também assinava Keane, ele achou melhor assumir a autoria, alegando para a esposa que o mercado não aceitava muito bem uma artista. A partir de então, Margaret pintava e Walter vendia os quadros, fazendo nome e fortuna. A farsa foi desvelada em 1970, seis anos após a separação do casal, mas o processo se estendeu até 1990.

Grandes Olhos é (mais) uma história (hollywoodiana) inspirada em fatos. Se na sinopse parece interessante, no cinema fica a desejar. Infelizmente, excetuando a direção de arte, com ótima reconstituição de época (1950,60,70), o filme não dá liga..., pincela, pincela e a tinta não seca. O roteiro raso e parcial, da irregular dupla Scott Alexander e Larry Karaszewski, beira o infantilóide..., respinga aqui e ali para resultar num descartável quadro borrado mais abstrato que expressivo.


A direção de Burton é tacanha, claudicante. Uma hora esboça uma dramédia e na outra uma comédrama. Não que isso importe, já que os “personagens” não têm alma, são meras caricaturas mudas ou falastronas. As performances de Waltz e de Adams são dignas do prêmio Framboesa de Ouro ou do Nafta. Desperdício total de talento. Ele, se esforçando para ser engraçado, está mais para vilão maçante de desenho animado do que para cínico. Ela, se esforçando no papel de vítima do sistema machofalocrata americano (da época?) que não dava voz e nem trabalho decente às mulheres, é só caras e bocas choramingas (também nas pinturas)..., até conhecer as salvadoras Testemunhas de Jeová.

Grandes Olhos (e pequenas ideias) é parcial do princípio ao fim. A única “verdade” que lhe interessa é a da “vítima” Margaret Kaene. Quanto ao egocêntrico Walter Kaene, pelo material biográfico disponível na web, não era tão inepto como a trama faz crer. Seu pioneirismo na cultura de massa, ao produzir em larga escala, antes de Warhol, reproduções das “suas” obras em pôsteres e cartões, para “atender” a quem não podia pagar pela obra original, merecia mais destaque. Mas ele não é o foco da história.

Para dar alguma substância ao melodrama, Burton até evoca no sub-subtexto, em duas breves sequências, uma “conversa clichê” sobre “o que é arte”, para o galerista Ruben (Jason Schwartzman), que influencia a compra de seus clientes, e para o crítico e historiador de arte do New York Times, John Canaday (Terence Stamp), que influencia os seus leitores ditando o que é ou não de “bom gosto”. Não tivesse morrido em 1985, seria interessante conhecer o pensamento de Canady para a arte que se “pratica” hoje em dia. Mas, como também essa discussão não é o foco da história, passa batida. Ah, e se você espera também o levantamento de uma bandeira do movimento feminista, esqueça..., verá apenas a “libertação econômica” de uma mulher que se cansou de criar e o marido levar a fama.


Grandes Olhos carece de ritmo, de humor (real), de romance (real), de arrebatamento. Seus personagens são tão assexuados e insossos que nem é preciso tirar a criançada da sala (elas não vão se interessar mesmo), tamanho o puritanismo da história: dois ou três beijinhos e nada mais. Nesse quesito a série baba Glee é muito mais avançada, com um só beijo o garoto “engravidou” a garota. A sequência-paródia (fósforos na fechadura) de O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick, é tão imbecil que leva um tempinho para (quem tem) o cérebro processar. Ela também merece um Framboesa de Ouro ou um Nafta de pior sequência de todos os tempos.

Enfim, considerando a marca Tim Burton (no máximo em 30%) e que muitos conhecem os quadros (bregas?) das crianças olhudas de Keane, mas desconhecem a farsa autoral; que há ao menos uma sequência realmente burtoniana (no supermercado) digna de boa nota...,  se quiser, arrisque, vai que você gosta. A melhor consideração é sempre aquela que se faz por conta própria. 


Nota: Se tiver curiosidade em conhecer o intrincado mercado da arte, leia A Palavra Pintada (The Painted Word, 1975), de Tom Wolfe, lançado no Brasil pela LPM, em 1987, com tradução de Lia Alverga-Wyler.  


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