segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Crítica: Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)


Sabe aquele momento raro em que mal começa o filme e você pensa: Uau!, e o filme continua e você: Cara!, e quando termina você complementa: Valeu cada centavo!..., e sai da sala com a alma lavada? Esse filme é Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), do genial Alejandro González Iñárritu, um dos filmes mais desconcertantes de 2014.

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), o subtítulo alternativo acompanha créditos iniciais (Birdman or The Unexpected Virtue of Ignorance, EUA, 2014), comédia de humor negro e realismo mágico (área em que os latinos são praticamente imbatíveis), fala da tensão vivida pelo ator Riggam Thomson (Michael Keaton) durante os dias que antecedem a estreia do espetáculo What We Talk About When We Talk About Love (De Que Falamos Quando Falamos De Amor), baseado no conto homônimo do escritor Raymond Carver (1938-1988), que ele adaptou, dirige e protagoniza em um teatro da Broadway.


Riggam, que ainda é lembrado pelo sucesso de uma trilogia cinematográfica de 25 anos atrás, quando encarnou o super-herói Birdman e se recusou a fazer um 4º filme da franquia, quer provar para crítica especializada (e a si mesmo!) que também é um ator (sério) capaz de representar qualquer papel no teatro. Porém, inseguro e emocionalmente imaturo para lidar com o estresse da produção, ele se deixa levar pelo seu alter ego que (no compasso hipnótico da bateria de António Sánchez) lhe provoca surtos alucinantes. Preso entre o real (a história no teatro) e o imaginário (a história no cinema) o diretor e ator entra em parafuso ao tentar resolver os “infindáveis” problemas familiares e de rotina da produção.


Ácido, por vezes nostálgico, e melancolicamente engraçado, Birdman é um filme de autor sobre ator e sobre a arte de atuar. Hoje, no palco do entretenimento, o tempo é o da lucrativa arte fugaz, onde se confundem o célebre artista (de formação) e a celebridade artista (da mídia). É nesse cenário transitório de (re)afirmação profissional (cinema/teatro) e do oportunismo da arte midiática, onde atores e críticos travam o seu ego-embate na demarcação de território, e até mesmo as redes sociais influenciam o gosto popular, que Alejandro Iñárritu não conta palavras para descrever as contradições de uma profissão cheia de conceitos (de espaço) e preconceitos (de gênero).

O cinema do diretor mexicano é uma obra em constante evolução e ebulição..., e cada vez mais estranho ao hollywoodiano encaixadinho. O apuro narrativo e técnico de Birdman impressiona pela sagacidade. Iñárritu brinca com a desconstrução do protagonista, personagem e ator (Keaton, como se sabe, foi o Batman de Tim Burton em 1989 e 1992); simula (descaradamente) o filme em um único plano-sequência nas lentes admiráveis de Emmanuel Lubezki; cria diálogos ferinos (Você é uma celebridade, não um ator!), hilários e absurdos (Lesley: Eu gostaria de ter mais autoestima. Laura: Você é uma atriz!)..., dando um nó insólito na cabeça do espectador.


Provocativo, Birdman é uma experiência única..., tira a plateia (do cinema e do teatro) da área de conforto, chacoalha e, após um voo incerto nas asas da fantasia, a abandona tonta para apreciar o final (inesperado) do espetáculo. O seu elenco é tão primoroso que todos se destacam. Michael Keaton, como o seu personagem, se reinventa e surpreende maravilhosamente num papel cheio de nuances; Edward Norton está hilário na pele do famoso ator Mike Shiner (verdadeiro só no palco); Emma Stone esbanja expressividade no corpo de Sam, a filha problemática de Riggam; Naomi Watts (Lesley) e Andrea Riseborough (Laura) exploram bem as minúcias de duas atrizes em crise amorosa no palco e fora dele; e Zach Galifianakis, não desafina o grupo com seu agente Brandon, mais preocupado com os lucros que com as desavenças dos bastidores. Ah, a emblemática bateria de António Sánchez é hors-concours.

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) é cinema para aquele público ousado, que gosta de ser surpreendido, e não para o público acomodado com as comediazinhas besteirol norte-americanas e brasileiras.  Um filme que já nasce clássico para brilhar ao lado de Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), de Billy Wilder; A malvada (All About Eve, 1950) de Joseph L. Mankiewicz..., e principalmente daquele que me parece mais próximo do contexto: A Noite Americana (La nuit américaine, 1973), de François Truffaut.

..., Isto é real ou você está me filmando?

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