domingo, 14 de dezembro de 2014

Crítica: O Abutre


O assunto mídia impressa e ou televisiva é matéria de cinema há muitas décadas, principalmente nos EUA. Dissecando a ética no jornalismo, por ângulos e gêneros narrativos diferentes, ele sempre provoca no espectador uma sensação de desconforto, tamanho o poder de manipulação da imprensa (e do cinema!).

A mais nova abordagem do tema pode ser vista em O Abutre (Nightcrawler, 2014), do estreante Dan Gilroy, filme que nos remete imediatamente ao clássico A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole, 1951), de Billy Wilder, e flerta, entre outros, com o curioso Nos Bastidores da Notícia (Broadcast News, 1987), de James L. Brooks, com o interessante O Quarto Poder (Mad City, 1997), de Costa-Gravas, e com o excelente documentário brasileiro O Mercado de Notícias (2014), de Jorge Furtado.


A trama é uma costura penosa de leads do artigo de capa sensacionalista chamado Lou Bloom (Jake Gyllenhaal), um psicopata que, ao descobrir que pode ganhar mais dinheiro como cinegrafista-gore (de assassinatos, acidentes violentos) do que com o roubo, “deixa” a ladroagem para realizar um sonho perturbador. Notívago e ágil, ele aprende rápido a nova profissão, inclusive a “valorizar” as imagens, para melhorar a negociação com a produtora de tv Nina Romina (Rene Russo), sempre desesperada por uma “notícia de audiência”. Bloom é um cara de rua que faz qualquer negócio para arranjar uma grana e matar a fome. Acredita que sujar as mãos faz parte do serviço (jornalístico), também porque, depois é só lavar. Para alcançar seu ambicioso objetivo, o sujeito mau-caráter, chantagista, bandido, sociopata (que tem nada de anti-herói!), numa comparação tacanha, rola entre seus “colegas” feito uma pesada bola de boliche: precisa. Os pinos que se cuidem!


Na exposição da pauta rotineira de sanguinolência (com trilha sonora!) veiculada por redes de tv (em busca de audiência e anunciantes), com a desculpa de informação de “utilidade pública”, a perturbadora matéria de Gilroy, não revisa a moral de nenhum profissional do telejornalismo. Tampouco discute a ética dos abutres, ou rastreadores noturnos (nightcrawlers), repórteres, geralmente independentes (freelancers), especializados em registrar em foto ou vídeo todo tipo de notícia ruim, na base do quanto pior melhor, para abastecer os telejornais da madrugada e ou da manhã. Cabe ao espectador concluir (por conta própria) se é “vítima anestesiada” e ou “passivo satisfeito” do espetáculo sádico, travestido de jornalismo investigativo. Ou seria jornalismo criminoso, digo, criminal, tão comum em diversos canais abertos e horários (livres!) no Brasil?

O Abutre é um filme difícil de se classificar: drama?; ação?; horror?; thriller?; humor negro?; sátira ao telejornalismo que explora a violência até a última gota de sangue e a miséria humana até a última lágrima? Talvez tudo isso e um pouco mais em sua amoralidade, onde a lógica de se colocar um criminoso para cobrir crimes acaba fazendo sentido quando se conhece a “ilha” editorial e a “necessidade” midiática. Não é preciso ser do meio para saber que o preço da notícia é o preço da audiência (ou vice-versa).


Considerando a qualidade do roteiro e a excelente direção de Dan Roy, ainda que se pondere sobre cenas que tanto beiram a caricatura quanto transcendem a uma possível realidade; a magnífica atuação Jake Gyllenhaal (que emagreceu para o papel) e os ótimos desempenhos de Rene Russo e Riz Ahmed (estagiário de Bloom); a fotografia realista de Robert Elswit; a interessante metáfora do relógio de Bloom, ecoando muito além do deadline da imprensa e do filme..., O Abutre pode surpreender até quem já perdeu a fé na imprensa, também (auto)denominada o quarto poder.

NOTA: Que fim levou a campanha brasileira criada em 2002: Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania? Pelo que se vê no ar, acho que a grande reflexão da VII Conferência Nacional de Direitos Humanos, não pegou.

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