quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Crítica: Será Que?


Ultimamente a telona dos cinemas tem sido invadida por jovens adultos (ou quase), românticos e rebeldes (ou vice-versa), numa batalha insana para salvar o futuro do mundo (ou o mundo do futuro) das mãos de déspotas para todos os temores.

Mais pé no chão, no mundo contemporâneo, se desviando sem sucesso das flechadas de Eros, nos chegam o gracioso casal Wallace (Daniel Radcliffe) e Chantry (Zoe Kazan) perdidos de amor na agradável Toronto. Ele, um ex-estudante de medicina, tentando curar a mágoa do último relacionamento, a encontra numa festa, na casa do seu cínico e desbocado amigo Allan (Adam Driver)..., e se apaixona. Ela, uma desenhista de animação, está meio comprometida com o insosso diplomata Ben (Rafe Spall). Chantry lhe oferece apenas amizade. Será que Wallace aceita ser apenas um amigo da mulher que pode finalmente curar a sua dor de cotovelo que dura um ano?


Dirigido por Michael Dowse, a comédia romântica canadense Será Que? (What If e ou The F Word, 2014) fala de amizade e fidelidade (não necessariamente nesta ordem) num relacionamento amoroso. Até onde é possível viver um amor platônico nos dias de hoje, quando “ficar” é muito mais importante que “estar”? O roteiro de Elan Mastai, baseado na peça Toothpaste and Cigars (2003), de TJ Dawe e Michael Rinaldi, busca cumplicidade no público jovem que, se ainda não tem (?) a experiência de um amor não correspondido, deve conhecê-lo de algum romance literário ou do cinema. Também porque o público adulto sabe muito bem como termina essa aventura na vida real. Ainda que, em matéria de amor, sejamos todos amadores.


Excetuando as intermináveis “piadas” escatológicas, principalmente as relacionadas a Elvis Presley e o sanduíche Ouro de Tolo (com receita e tudo mais), Será Que? é um filme muito simpático. Tem bom ritmo, locações convidativas em Toronto e Dublin, e (importante!) a trilha não chega a incomodar. O elenco veste bem seus personagens metropolitanos e a química entre os charmosos Radcliffe e Kazan é uma delícia. A narrativa tenta algumas tiradas ousadas (adorei as interferências animadas e a boa dose de melancolia romântica), mas, infelizmente, acaba optando pelo lugar quase comum (e clichês de ocasião). Com seu argumento simples, mas bacana, não chega a subestimar a inteligência dos espectadores, no entanto, poderia ser menos óbvio. O encanto seria maior.

Ah, também achei interessante o jogo de palavras imantadas para criação poética. Ele me lembrou a Oficina de Poesia Aleatória que criei há 15 anos e continuo orientando para alfabetizandos e pós-graduandos..., sem me preocupar com o futuro despótico.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Crítica: Maze Runner - Correr ou Morrer


Desde a primeira vez em que vi o painel de The Maze Runner – Correr ou Morrer fiquei curioso com a estampa de um imenso labirinto e dois jovens (minúsculos) correndo em sua direção. Sabia absolutamente nada sobre ele. Sci-Fi? Aventura? Game? Só procurei informações após a sessão especial.

O que sei? Maze Runner - Correr ou Morrer é mais um thriller de ficção científica juvenil que pega carona na moda literária e cinematográfica que explora as relações sociais num futuro distópico. Adaptado da trilogia homônima do escritor James Dashner, dependendo da bilheteria, pode virar franquia com mais dois ou três filmes (ultimamente as trilogias viram quatro). Os livros já lançados no Brasil são: Maze Runner - Correr ou Morrer (2010); Maze RunnerProva de Fogo (2011); Maze RunnerA Cura Mortal (2012); e um extra, com informações e ou prólogo dos outros três: Maze Runner - Ordem de Extermínio (2013). Não li nenhum. Minto, dei uma passada de olhos (leitura dinâmica) no primeiro e não pretendo repetir com os outros volumes.


O que vi? The Maze Runner - Correr ou Morrer (The Maze Runner, 2014) se passa na Clareira, um lugar cercado por enormes paredões e onde, de tempos em tempos, um elevador, que não se sabe de onde vem, deixa ali um adolescente desmemoriado. A narrativa começa com a chegada de Thomas (Dylan O’Brien), um jovem decidido que ao tomar conhecimento do lugar, com seu misterioso e intransponível labirinto, habitat de terríveis verdugos, decide que vai sair correndo daquela prisão ou morrer tentando.

A comunidade rural de adolescentes, aparentemente assexuada, já que não há garotas e nem sinais de homoafetividade entre os garotos, é comandada por Aby (Aml Ameen), o mais velho do grupo e o primeiro a ser lançado ali, há três anos. Para manter a ordem e o funcionamento, o veterano conta com a colaboração de Newt (Thomas Brodie-Sangster), na agricultura, e de Gally (Will Poulter), na segurança, além das preciosas informações que o corredor Minho (Ki Hong Lee) traz diariamente das entranhas do labirinto.


O que acho? Maze Runner - Correr ou Morrer, dirigido por Wes Ball, é um filme para fãs da série literária claramente influenciada por obras como O Senhor das Moscas (1954), de William Golding, Ender’s Game - O Jogo do Exterminador (1977), de Orson Scott Card, o seriado Lost (2004-2010).  Quem não conhece o romance (tripartido), como é o meu caso, fica tão perdido na trama quanto os personagens dentro e fora do labirinto. O que não seria ruim (ficar perdido) se esse primeiro capítulo fosse melhor desenvolvido. Culpa do argumento que promete mais do que o roteiro oferece ou das liberdades da adaptação? De ambos! Ôps..., só agora, no fim do parágrafo, me dei conta de que o complemento Correr ou Morrer lembra o título de um clássico do cinema, o western Matar ou Morrer (High Noon, 1952), de Fred Zinnemann. E, coincidência das coincidências, assim como no bang-bang o delegado Will Kane (Gary Cooper) tem a hora marcada para enfrentar o bandido Frank Miller (Ian MacDonald), na ficção científica os garotos têm o tempo calculado para enfrentar o labirinto.


Ball parece seguir ao pé da letra o subtítulo brasileiro: Correr ou Morrer. Dirigindo em alta velocidade, faz a aventura soar rasa e ou rasante, dependendo do ângulo da ação. Ora, se o projeto (óbvio!) é de franquia, por que a pressa em narrar uma história cujo final está a uns dois ou três filmes no futuro (talvez) rendoso? Será que é pra ganhar tempo e ou, se a bilheteria não ajudar, encerrar a busca de respostas dos desmemoriados em apenas mais um filme? Seja qual for a resposta que não tenho (por não ter lido a série?) o que fica, por enquanto (?), além de uma história pouco envolvente, são alguns furos intencionais ou não. Dois deles bem incômodos.

Mesmo não sendo aquela maravilha toda que esperava, por causa do cartaz, Maze Runner tem alguns efeitos especiais bacanas em sequências interessantes dentro do labirinto, principalmente envolvendo os temíveis verdugos. O elenco (em sua maioria de novatos) é bom, mas, infelizmente, os personagens fracos, sem nenhuma consistência, comprometem o andamento da trama precária que frustra ainda mais o espectador (que não leu a série!) ao desvelar, no epílogo/prólogo, a “razão” do labirinto e o que lhe reserva a fase 2. Muita gente vai dizer: - Ah, não! De novo essa história de *****?

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Crítica: Rio, Eu Te Amo


A franquia Citie of Love começou em 2006, com Paris, Je T’Aime. Em 2009 foi a vez de New York, I Love You. Agora, em 2014, as diversas faces do amor serão vistas em Rio, Eu Te Amo. Criado pelo produtor, roteirista e diretor francês Emmanuel Benbihy, a característica do projeto Cities of Love é o de reunir diferentes cineastas com liberdade para contar uma história, em curta-metragem, tendo como pano de fundo uma grande cidade, que depois será costurada num longa. O filme Paris, Je T’Aime reuniu 22 diretores e o New York, I Love You, agregou 10. O mesmo número de Rio, Eu Te Amo.

Qualquer produção que reúna um número tão grande de cineastas corre sério risco de irregularidade. São muitos umbigos numa mesma lente. Foi assim com Paris, New York e agora com Rio, Eu Te Amo, que se assiste com um certo bocejo. São nove crônicas e uma “historieta” ou “vinheta” costurando os curtas, para “dar” unidade. Destas, A Musa, de Fernando Meirelles, que gira em torno de um escultor de areia (Vincent Cassel) e sua musa inspiradora (Deborah Nascimento) é a melhor, a mais poética, a mais carioca.


Há outras duas razoáveis: a pouco convincente Dona Fulana (com figurinos que lembram fantasias da Escola de Samba Beija-Flor em Ratos e Urubus, larguem minha fantasia, de 1989), de Andrucha Waddington, sobre uma senhora idosa (Fernanda Montenegro) que opta por viver na rua feito mendiga; e a lúdica, com uma pontada de ironia (gringos são tão bonzinhos!), O Milagre, dirigida por Nadine Labaki, que também integra o elenco que conta com a deliciosa presença de Harvey Keitel e de um surpreendente estreante: Cauã Salles, na pele de um garoto de rua que, enquanto aguarda um telefonema de Jesus (o bíblico), conhece dois atores internacionais que estão filmando no Rio. O cenário de O Milagre, também é bem teatral, mas a história cativante compensa.


Os outros curtas são assim-assim, feitos para cumprir metragem: La Fortuna, de Paolo Sorrentino é pretensioso; Acho Que Estou Apaixonado, de Stephan Elliott é idiota, Quando Não Há Mais Amor, de John Turturro é um longo e redundante videoclipe; Texas, de Guillermo Arriaga parece uma versão grosseira de Proposta Indecente (1993) de Adrian Lyne; O Vampiro do Rio, de Im Sang Soo é uma visita sem graça ao Nosferato no Brasil (1970), de Ivan Cardoso; Pas de Deux, de Carlos Saldanha é insosso (ai que saudades de Norman McLaren!); Inútil Paisagem, de José Padilha parece um fragmento do movimento “não vai ter Copa” atualizado para “não vai ter Olimpíadas”; finalmente, Transições (unindo as histórias), de Vicente Amorim, feito na medida para o espectador que esqueceu em casa o seu Tico e Teco.

Rio, Eu Te Amo tem roteiros fracos, diálogos medíocres, direções preguiçosas, edição claudicante..., resta à excelente fotografia desvelar que o Rio de Janeiro, bem ou mal contado e ou cantado, continua lindo!

domingo, 7 de setembro de 2014

Crítica: O Doador de Memórias


Quando do lançamento cinematográfico de Divergente (2014), de Neil Burger, baseado na trilogia homônima (2011/2013) da escritora Veronica Roth, escrevi: “Utopia distópica e ou distopia utópica é um assunto perturbador e recorrente na ficção científica. Quando bem desenvolvido, na literatura ou no cinema, pode resultar em acalorada e reflexiva discussão. No entanto, parece que os novos autores não querem saber de lição de casa: ler ou ver os mestres do gênero que trataram do tema. Como o passado não parece ser de interesse de quem projeta literariamente ou cinematograficamente o futuro, e o leitor ou espectador infantojuvenil está mais interessado na aventura romanceada no caos do que na reflexão do caos..., o que vier é lucro para editores e produtores.” 

Falava da nova onda de filmes que trata superficialmente do assunto (distopia) numa linguagem juvenil, e que já havia trazido o blockbuster Jogos Vorazes (2012), de Gary Toss, baseado na trilogia homônima (2008/2010) de Suzanne Collins. Até então não conhecia O Doador de Memórias, o premiado livro de Lois Lowry, lançado em 1993, que certamente serviu de referência para os best-sellers posteriores das outras duas autoras. Desde o seu lançamento, o ator Jeff Bridges tentou em vão adaptá-lo para o cinema, reservando para seu pai Lloyd Bridges (1913-1998), o papel do Doador, que agora lhe coube. O que explica, mas não justifica totalmente, porque a versão dirigida por Phillip Noyce, que chega aos cinemas vinte anos depois, tem um ar meio de história já vista.


É impossível não se lembrar de Divergente (que escrito depois chegou antes ao cinema), e ou ficar alheio aos resquícios de obras anteriores, na literatura: Admirável Mundo Novo (1932), Aldous Huxley, 1984 (1949) de George Orwell, Fahrenheit 451 (1953), de Ray Bradbury..., e no cinema: THX 1138 (1971), de George Lucas, e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), de Charlie Kaufman/Michel Gondry. Sequências mais lúdicas podem também remeter ao “Rosebud” de Cidadão Kane (1941), de Orson Welles e ao “vermelho” de Pleasantville (A Vida em Preto e Branco, 1998), de Gary Ross.

Toda via distópica tem a mesma raiz: controle de distúrbios. Lenga-lenga de todo déspota que, em troca de sua magnânima proteção e do nirvana, anula (esteriliza) o cidadão, suprimindo as suas necessidades (sociais) básicas. O equilíbrio compulsório (individual e coletivo), a harmonia forçada, como a minoria (rebelde) sabe, dura até o primeiro chute no calcanhar. O que nem sempre satisfaz a turba mentecapta acomodada ao jugo. Como a que habita a Comunidade, um agrupamento de “pessoas” (sobreviventes de um conflito global) localizado num platô (?), cuja fronteira é o vazio e um vislumbre de Alhures.


Ali, sob o comando da (holográfica) Anciã-Chefe (Meryl Streep), para não se repetir os erros do passado, proíbe-se o passado. Ou melhor, proíbe-se toda e qualquer lembrança do passado existente até o “surgimento” da estéril Comunidade, onde humanos e vegetais vegetam impassíveis, sem a presença de animais (irracionais!) para perturbar a ordem emocional. O único vislumbre da vida anterior na Terra é acessível apenas ao velho Doador de Memórias (Jeff Bridges) e ao seu aprendiz Jonas (Brenton Thwaites), um adolescente de 16 anos que tem a Capacidade de Ver Além e que, ao conhecer o que está oculto no admirável mundo novo da Comunidade, passa a questionar o porquê das proibições impostas pelo Comitê de Anciãos etc....

Como O Doador de Memórias me pareceu, por vezes, aborrecido, com seu roteiro um tanto simplório e sem muita convicção, decidi conferir o premiado livro. O drama literário (superior à versão cinematográfica!) é breve, de fácil leitura, e tem alguma originalidade no relato tão absurdo quanto reflexivo de uma população que (num futuro indistinto) opta literalmente por uma vida em preto e branco: (...) Houve um tempo, aliás, em que a pele tinha muitas cores diferentes. (...). Hoje em dia a pele de todos é a mesma... (...) Nosso povo fez essa opção... (...) Antes do meu tempo, antes do tempo anterior ao meu, muito tempo atrás. Desistimos das cores quando desistimos do sol e acabamos com as diferenças. (...) Adquirimos controle sobre muitas coisas. Mas tivemos de abrir mão de outras.” Só não é dito como conseguiram tal (e)feito (psicológico?) de anular a cor da pele e de tudo mais, de dessensibilizar a população e de controlar o tempo (sempre ameno), além de “apagar” o sol, a lua, as estrelas e mesmo assim “usufruir” do dia e da noite. 


Assim como no livro, boa parte da narrativa é filmada em preto e branco (com nuances de cinza e sépia e, às vezes, uma corzinha vazada). A cor, por vezes saturada, aparece no despertar das memórias para Jonas e, claro (coisa que nunca entendi!), duplamente para o espectador. Quem tiver bons olhos verá outras infiltrações. A ideia de que, para se evitar o racismo (e outros “ismos”), o Comitê de Anciãos optou pela eugenia ariana (nazista?), apostando em uma sociedade formada só por gente de cor branca (geneticamente alterada) é curiosa. Mas, o que poderia dar pano pra muita manga, não se sustém na sua bizarrice, Faltam contrapontos para aprofundar uma saudável e colorida discussão étnica e ética. Como dizia o bordão de um velho programa televisivo no Brasil: Porque sim não é resposta!

Contradições e ou controvérsias à parte (nas duas obras), fragmentos de documentários e de noticiários inseridos na trama enriquecem a leitura cinematográfica..., mas suscita outro questionamento: por que as antiquíssimas memórias do Doador não vão além de um século atrás, se ele detém toda a memória do mundo? Será por conta da memória curta do público-alvo juvenil? Será também por causa desse espectador jovem que os roteiristas Robert Weide e Michael Mitnick fizeram uma adaptação equivocada do livro de Lowry, transformando uma novela seca e reflexiva (protagonizada por um inocente garoto de 12 anos) em um (insípido) melodrama (protagonizado por um romântico garoto de 16 anos)? Parece que sim e, como sempre no plano das releituras, mudanças piegas desnecessárias.


O Doador de Memórias (The Giver, EUA, 2014), com mais diferenças do que pontos em comum com o livro, é irregular, mas não é de todo descartável. Além do bom elenco, tem lá seus momentos de interesse e belas sequências (eu dispensaria os valores religiosos em ambos). É evidente que filmado tal e qual seria muito melhor. Mas aí resultaria em um cinema mais independente e possivelmente (?) menos comercial (?). Se servir de consolo, um adulto que não conseguir pegar carona na história pode divagar nas metáforas e ou analogias (conscientes?): da maçã; da árvore em Alhures; do vazio; do Gabriel, do Jonas, do preto e branco... Ah, nem é preciso dizer porque o onipresente Morgan Freeman não está no elenco, não é?

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