quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Crítica: O Homem das Multidões


Um homem enquadrado enquadrando o mundo ao seu redor. Juvenal (Paulo André), condutor de metrô em Belo Horizonte. Uma mulher enquadrada enquadrando o mundo ao seu redor. Margô (Sílvia Lourenço), controladora de estação de metrô em Belo Horizonte. Em comum, ou quase, a solidão. A dele, analógica. A dela, digital. A timidez num mundo fluido sobrecarregado de anônimos sobrecarregados de idiossincrasias. O claustro. As fobias de cada um. Ele deixando se perder na multidão. Ela tentando se encontrar em pixels. Juvenal mora num velho escritório travestido de apartamento rodeado de coisas mínimas. Coisas unitárias. Não espera que alguém o visite. Não espera que alguém distraia a sua vista de primeiro andar sobre transeuntes térreos. Quando se mistura a eles, não espera relar e ou ser relado. Relar em alguém é criar intimidade indesejada. É abrir brecha para confidências. Solitários têm horror a confidências. Paga o desejo para não criar intimidade. Margô compartilha um pequeno apartamento com o pai velho (Jean-Claude Bernardet). Não se relam. Conectada à internet também não rela em outro usuário. Um toque automático na tela afaga seus peixes digitais com comida virtual. Quando um café, um almoço quebra a rotina solitária e o conforto do anonimato com uma “súplica”, talvez seja a hora de ambos reverem seus conceitos de convivência. Pois, como dizia o sofista Protágoras (480 a.C. - 410 a.C.): “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.”


O Homem das Multidões (Brasil, 2012), de Marcelo Gomes e Cao Guimarães é uma crônica contemporânea inquietante e sensível que dialoga com o conto homônimo do escritor Edgar Alan-Poe e com o ótimo docudrama Transeunte (2010), de Eryk Rocha. O curioso quadrado que limita a tela, enclausurando personagens, feito janela de vagão de metrô ou de monitor, é uma provocação e tanto. A impressão é a de assistir ao drama por uma fresta na tela, num excelente registro fotográfico de Ivo Lopes Araújo, que não dispensa intrigantes close-ups e close-ôps. Assim como uma claraboia direciona a luz, a projeção direciona o olhar do espectador a uma leitura mais intimista da narrativa que tem o seu ponto alto na performance do casal protagonista. Um filme para quem ainda acredita em ousadias estéticas no cinema brasileiro. 

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