quinta-feira, 26 de junho de 2014

Crítica: Jersey Boys: Em Busca da Música


Acredito que a irresistível canção Can't Take My Eyes Off You, lançada por Frankie Valli em 1967, por conta do grande número de versões, seja uma das suas interpretações mais conhecidas aqui no Brasil. Basta os primeiros acordes para a gente já querer sair dançando. Antes da sessão de Jersey Boys achei que conhecia nada do Frakie Valli e o The Four Seasons.  Durante o filme reconheci pelo menos umas três canções. Essa falha na memória talvez se justifique porque nos anos 1960, pré-adolescente, no interior de São Paulo, os meus ouvidos eram ocupados por Beatles, Beach Boys, Bee Gees, Elvis..., entre outros pop rock que rolavam no rádio.

Jersey Boys: Em Busca da Música (Jersey Boys, EUA, 2014), dirigido por Clint Eastwood, é a versão cinematográfica do musical homônimo de muito sucesso na Broadway. Com base no roteiro de Marshall Brickman e Rick Elice, autores também do libreto do espetáculo, Clint realiza um filme tão despretensioso (talvez por isso irregular) que, não fosse o nome dele nos créditos, dificilmente um cinéfilo o relacionaria com a obra.


Jersey Boys fala da ascensão e declínio do famoso quarteto norte-americano The Four Seasons, que chegou a “rivalizar” com os Beach Boys (em canções-provocações: litorâneo versus urbano) e com os Beatles (num álbum duplo raro de 1964: Beatles Vs The Four Seasons). Ele não é exatamente um musical, onde os diálogos são cantados, mas um filme cuja história da formação da banda é ilustrada por adoráveis números musicais.

A narrativa mantém a mesma divisão cênica das quatro estações do original da Broadway, onde cada um dos integrantes da banda têm os seus “quinze minutos” para expor as suas opiniões sobre o Four Seasons. Ou seja, na Primavera, a estação fica por conta do encrenqueiro Tommy DeVito (Vincent Piazza) que, quando não está a serviço do mafioso Gyp DeCarlo (Christopher Walken) ou aplicando pequenos golpes ou no reformatório, está tentando emplacar uma banda. Ele foi o descobridor da voz de anjo de Frankie Castelluccio (John Lloyd Young), o futuro Frankie Valli. O Verão traz a energia do jovem compositor Bob Gaudio (Erich Bergen) que abre as portas do sucesso para o quarteto. No auge do Outono, Nick Massi (Michael Lomenda) desvela os conflitos de bastidores. A Frankie Valli cabe quebrar o gelo do Inverno para voltar aos palcos. A metáfora é perfeita.


Atualmente alguns diretores têm preferido trabalhar com fragmentos biográficos e ou uma fase mais representativa do “biografado”. Se por um lado, com um roteiro enxuto, se consegue mais agilidade, por outro o espectador pode se ressentir da falta de profundidade do “personagem” de interesse. Jersey Boys não chega a ser uma (cine)biografia tradicional dos integrantes do Four Seasons. Também passa longe da hagiografia. Sabe-se de cada um apenas o suficiente para compreender o seu papel na banda, que é o foco das atenções. Aliás, o único que tem a sua vida mais ou menos esmiuçada é Frankie Valli. Essa vida compacta dos músicos funciona bem no teatro, todavia, nem tudo que funciona single no teatro funciona long-play no cinema. 

Jersey Boys: Em Busca da Música, mesmo que deixe um gostinho de maior curiosidade sobre a intimidade de cada um dos integrantes, é um bom filme. Não é tão intenso como outras obras de Eastwood (e nem deveria!), mas nem por isso perde o ritmo e o humor (!). A nostálgica fotografia e a reconstituição de época são maravilhosas, os números musicais são deliciosos (ah, as dancinhas!) e o elenco excelente. Vale ressaltar que, excetuando Piazza, os outros três protagonistas (Lloyd Young, Bergen e Lomenda) representaram o mesmo papel na Broadway.

Enfim, é um programão para quem ouvia e curtia as baladas pop rock dos anos 1950/1960 e ou quer conhecer (além da banda) um gênero vocal presente em filmes da época, principalmente naqueles de (último) verão. NOTA: infelizmente, para quem não domina o inglês, as canções não têm legenda em português!

domingo, 22 de junho de 2014

Crítica: Amazônia 3D


A região amazônica é considerada tanto um Paraíso Verde quanto um Inferno Verde. É apenas uma questão de ponto de vista e ou de resistência física e material dos habitantes (nativos e migrantes) ou pesquisadores e turistas aventureiros. Por conta de seus mistérios e encantos, a região tem constantemente a sua geografia explorada, pelos mais diversos ângulos, em fotos e documentários televisivos brasileiros e estrangeiros.

Amazônia 3D (2013) é um docuficção dirigido pelo francês Thierry Ragobert. A produção franco-brasileira, ainda que menos dramática, lembra muito Chimpanzé (2012), o envolvente documentário da Disneynature, dirigido por Alastair Fothergill e Mark Linfield (infelizmente lançado apenas em DVD, no Brasil), que conta a história de Oscar, um filhote de chimpanzé que, após uma luta territorial entre dois grupos rivais de primatas, se vê abandonado ao “deus dará” no Parque Nacional de Taï, na Costa do Marfim, na África ocidental. Sem condições de se alimentar sozinho, Oscar passa por situações desesperadoras até ser adotado por Freddy, um macho alfa.


Atravessando o Oceano Atlântico, em algum lugar da floresta amazônica brasileira encontramos Castanho, um macaco-prego perdido na selva, após um acidente com a aeronave que o trazia do Rio de Janeiro para “trabalhar” (?) em um circo. Sozinho e sem qualquer referência, o macaco urbano, tão antropomorfizado quanto as ararinhas azuis da animação Rio 2, apesar de parecer uma pequena enciclopédia de biologia, sabe quase tudo sobre a fauna, um pouco sobre a flora, mas nada sobre onde encontrar comida e ou o que comer no grande “mercado” em que se encontra. Porém, com o instinto do Homem-Aranha (sim, ele sabe quem é o H-A!), atento ao mundo selvagem ao seu redor, ele acaba conhecendo Gaia e um grupo de macacos-prego nada amistoso. Castanho acredita ter tirado a sorte grande, ao encontrar uma adorável macaquinha e seu bando. No entanto, se quiser sobreviver por ali, vai precisar descobrir o seu lado selvagem encoberto por muitas camadas de urbanidade.

No Brasil, Amazônia 3D ganhou voz (de Lúcio Mauro Filho e de Isabelle Drummond) e diálogos, na maioria, desnecessários e ou ridiculamente forçados, do escritor José Roberto Torero, que subestimam a inteligência do espectador infantil (público-alvo) e, principalmente, do seu acompanhante adulto. Há boas chances (ou não!) de um espectador mais velho se incomodar com o tom (infantiloide) da narração-off, mais pela falta de graça, de humor, do que pela obviedade (redundância!). 


A história, escrita e editada a partir do material gravado durante três anos, é bem fácil da criançada acompanhar. Só não espere que dê asas à imaginação, já que o texto ilustra a imagem que ilustra o texto. Amazônia pode não ser lá muito original em seus registros de fauna (os poucos bichos em cena são os de sempre: onça, jacaré, anta, cobra, mosquito, formiga, arara...) e flora (deixa pra lá!) e ou na trama (bobinha) improvisada (na edição), todavia, mesmo não apresentando nenhum espécime novo e ou comportamento animal desconhecido, vale pela beleza das imagens captadas (em 3D de profundidade) pelas lentes de Gustavo Hadba, Manuel Teran e Jerôme Bouvier. 

Entre as sequências mais interessantes (ao gosto de National Geographic, Discovery, BBC) estão aquelas não recomendadas para quem não gosta de ver (e de entender!) a natureza selvagem dos animais como ela é, onde o mais forte come o mais fraco. Inclusive Castanho (redescoberto) não abre mão dessa garantia de sobrevivência. No mais, fica uma mensagem bacaninha (para as criancinhas) sobre a importância de se preservar a biodiversidade. Quero dizer, desde que ela já saiba o que é biodiversidade! Enfim, um filme para gringo conhecer (?) um pouco da ainda majestosa selva brasileira.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Crítica: Trancendence - A Revolução


Sábado, 14.06.2014, após a sessão de Setenta, documentário brasileiro que remonta ao Golpe Militar de 1964, sob o ponto de vista dos revolucionários civis sobreviventes, voltava para casa, quando, passando pelo calçadão central de Curitiba, ouço um crente vociferando: “..., até a época de Noé nunca tinha chovido na Terra, por isso as pessoas que não sabiam o que era chuva não acreditaram no dilúvio mandado por deus e morreram!” Hãnnn?! É cada crentenice que a gente houve pelas ruas e no susto, quando muda de canal de tevê, que não está na Bíblia, viu?!

Será esse tipo de sensacionalismo religioso factoide (sandices de rua e de mídia) que está levando Hollywood a descartar a marola e apostar num lucrativo tsunami doutrinário cristão (Noé; O Filho de Deus; Deus Não Está Morto; O Céu é de Verdade; Maria, Mãe de Cristo; Rei dos Reis; Caim e Abel; Exodus) bem ao gosto dos evangélicos e, principalmente, dos criacionistas eternamente de plantão? Well, parece que o culto, na companhia da Comissão Cristã de Cinema e Televisão americana, já começou: “Se Deus é pelo nosso estrondoso lucro, quem será contra nossa sagrada ganância?”

Ôpa, será que já está valendo para o tiro de meta Transcendence - A Revolução? Bem, valendo ou não, eis aí uma ficção científica catastrofista que os cristãos egoístas e crentes encabrestados, sempre contrários à evolução humana e aos avanços tecnológicos, vão amar dizer: “Eu não falei?”; “Isso é que dá querer ser Deus!”; “Tecnologia é coisa do Diabo!”


O enredo “transcendental” traz Johny Depp na pele do Dr. Will Caster, um notável cientista cuja pesquisa sobre Inteligência Artificial o levou à criação de um computador que interage emocionalmente com os humanos. No entanto, a descoberta que amplia a área de aplicação da nanotecnologia acaba alvo de religiosos e de uma organização extremista antitecnologia e Will sofre um atentado. Ao vê-lo mortalmente ferido, os cientistas Evelyn Caster (Rebecca Hall), sua esposa, e Max Waters (Paul Bettany), seu amigo, decidem transferir a sua consciência para um supercomputador. Porém, ao se adaptar ao novo corpo, a consciência de Caster transcende e coisas inexplicáveis começam a acontecer no mundo.

Transcendence - A Revolução é dirigido por Wally Pfister, o diretor de fotografia e ganhador do Oscar por Origem (de Christopher Nolan, 2010), aquele plágio (?) do fascinante anime Páprika. Baseado no roteiro do também estreante Jack Paglen, o antiquado drama sci-fi começa falando dos avanços tecnológicos que podem melhorar a qualidade da vida humana. Todavia, na hora de engrenar o assunto, revolucionar o universo cyberpunk, a trama escorrega, se fere no chip e começa a claudicar, para delírio venturoso dos criacionistas. O bug no software acaba deixando a narrativa confusa, enfadonha e, com o apoio da insuportável onipresente música do atrito sonoro, digo, trilha sonora..., extremamente irritante.


Ainda que com resquícios de Geração Proteus (1977) e O Passageiro do Futuro (1992 e 1996), Transcendence - A Revolução (Transcendence, 2014) tem um “prólogo” bom, mas nada revolucionário, como sugere o título. Aliás, a função de “A Revolução”, no título, é um mistério.  A narrativa que pretende dialogar com o futuro, falar de intolerância, ignorância, poder..., fé cega e alma imolada na plataforma de tecnologia, acaba perdendo o tutorial e, sem rumo e sem noção do ridículo, deixa-se levar pela (con)fusão de ideias estapafúrdias (sobre tecnologia e religião), sem a menor coerência com o enunciado. Assim, quando se espera encontrar geeks, num grande templo tecnológico erguido (ou abaixado) no deserto, se defronta com um Vampiro Cibernético de Almas e seu “exército” de zumborgs (misto de zumbi com cyborg). Qualquer referência ao clássico Vampiros de Almas (1956) pode não ser mera coincidência. 

Enfim, considerando que Johny Depp interpreta mais um sujeito estranho e que a maioria do elenco está mais tonta que uma tumble weed rolando a esmo pelo oeste estadunidense; que, como diretor, Wally Pfister continua um excelente fotógrafo; que não consegui entender porque um “ser digital” precisa de óculos; que é um filme retrógrado e que em sua tolice transcende a toda e qualquer “lógica” sci-fi..., acredito que os cristãos e evangélicos (interpretando a seu favor, é claro) vão fazer coro com o profeta João Batista: “- Raça de víboras, quem vos recomendou fugir da ira que vem por aí?”

domingo, 15 de junho de 2014

Crítica: Como Treinar O Seu Dragão 2


Assim como na vida real, o tempo não parou para os espectadores que amaram Como Treinar O Seu Dragão (2010) e muito menos para Soluço, o adorável treinador de dragões que, agora aos 20 anos, retorna em Como Treinar O Seu Dragão 2..., com seu espirito aventureiro e cada vez mais pacificador.

Praticamente deixando a adolescência para trás e contrariando os desejos do seu pai Stoico, o Imenso, que quer vê-lo chefiando a Aldeia Viking de Berk, Soluço acha que ainda há muito para conhecer e aprender, inclusive sobre si mesmo, antes de assumir tamanha responsabilidade. Assim, sempre que possível ele e o encantador dragão Banguela se aventuram pela redondeza marítima..., às vezes na companhia da graciosa Astrid, a namorada do herói. Numa dessas viagens de campo, eles acabam encontrando o esquentado Eret, um caçador de dragões a serviço do malévolo Drago. Esse tumultuado encontro vai acabar desvelando a Soluço acontecimentos trágicos, relacionados ao passado dos dragões e ao desaparecimento de sua mãe, Valka, e deixá-lo em alerta para enfrentar uma grande batalha, onde colocará à prova toda a sua argumentação pacifista.


Mas, como nem só de dramas pessoais são feitas as grandes narrativas, este novo e épico capítulo da fantástica história de vikings e de dragões equilibra momentos de muita emoção com o humor escrachado dos jovens amigos do nosso adorável herói, sempre prontos (ainda que mais atrapalhados) para uma batalha e ou uma conquista amorosa. É uma delícia a divertida e fervorosa disputa entre Perna-de-peixe e Melequento pelo amor da voluntariosa Cabeçaquente, que está de olho em alguém, digamos, mais musculoso. Outro bom momento de descontração é o do alucinado jogo das ovelhas (tipo Quadribol), menos para ovelhas, é claro. 

Como Treinar O Seu Dragão 2 (How To Train Your Dragon 2, EUA, 2014), dirigido por Dean DeBlois, que desenvolveu o excelente roteiro em parceria com Cressilda Cowell, autora dos livros da série, é magnífico. A trama juvenil continua original e jamais subestima a inteligência do espectador (de qualquer idade) ao expandir o universo viking e, principalmente, o do conciliador Soluço, que se vê diante de desafios para os quais ainda não está (ou se sente) preparado. Ganhos e perdas fazem parte da vida, do rito de passagem, e ele vai ter de aprender a lidar com isso. 


Falar da técnica e do 3D é dizer que a água do mar que rodeia a ilha dos vikings é salgada. As sequências aéreas continuam arrepiando, tirando o fôlego, levando qualquer espectador para um mundo muito, mas muito além da imaginação. O desenho de cada dragão (agora são centenas!), com a deslumbrante combinação de cores e texturas (impossíveis?), definitivamente não é obra para principiantes. Já o filme, é uma daquelas pérolas que, de tão bonitas, emocionam e fazem rir até mesmo o espectador mais ranzinza.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Crítica: Avanti Popolo


Todo filme experimental acomoda o cinéfilo de carteirinha e ou incomoda o espectador de ocasião. Na viagem cinematográfica proposta por Michael Wahrmann em Avanti Popolo não há meio termo. Ou se pega carona no carro cujo motorista em fuga espera o anoitecer para dirigir anonimamente por ruas desconhecidas, embalado por canções latino-americanas engajadas, até se defrontar com um homem trôpego e sua mala cheia de mágoas. Ou a saída!  Ou se embarca no resgate de registros caseiros em Super-8, de uma gente que nunca se viu, e na ressignificação do (não) fazer cinematográfico panfletário, engajado, proletário ou de autor. Ou a saída!

Em Avanti Popolo (Brasil, 2013) pouco ou nada se sabe do horizonte de seus protagonistas: um filho (André Gatti) recém-divorciado que busca conforto na velha casa do monossilábico pai (Carlos Reichembach), que vive na companhia da inquieta cadela Baleia (Estopinha) e à espera do outro filho que sumiu na soviética. O universo deste trio é micro. O que mantém a casa em pé são as recordações empoeiradas, as lembranças que decoram a imutável sala com sua janela emperrada pela esperança mofada e uma escada que leva a algum lugar do passado também emperrado. Na casa térrea, somente a memória acinzentada pode ocupar um primeiro andar inexistente.  


Assim como o carro que segue a esmo (no prólogo), com seu motorista oculto, guardadas as devidas e poéticas proporções, remete ao belíssimo Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009), de Marcelo Gomes e Karin Aïnouz..., a casa com suas velharias, o estranhamento entre pai e filho, reminiscências, dependências fechadas, o sofá como cama..., remetem ao enfadonho Quando Eu Era Vivo (2014), de Marco Dutra. O seu desconforto está na trinca das paredes e entre pai e filho..., nas belas, melancólicas e casuais pinturas que saltam aos olhos na tinta esmaecida das paredes..., na fugidia cadela Baleia, prisioneira em uma outra história.

Avanti Popolo “fala” de família e de cinema em tempo de revolução. Não necessariamente nessa mesma ordem ele “desconstrói” a família e o cinema em tempos de pós-revolução. A distração atemporal é premeditada. O entrefotograma, também. Metáforas abundam em sequência a plano-sequência a plano-consequência a plano com sequência..., ou não, na leitura do espectador. No subtexto, prenúncio de um novo cinema que já nasce velho (ou natimorto?), e que afinal encontra a sua moldura ideal no antigo templo do Cine São José.


Há mais ou menos 30 anos essa mistura de cinema novo com novela vaga, essa desconstrução de linguagem acadêmica (por acadêmicos) seria sensacional. Hoje, essa experimentação meio setentista soa (a mim) mais como uma curiosidade, um exercício de (meta)linguagem por vezes interessante e por vezes aborrecido. Aliás, os dois melhores momentos são os que ilustram situações de aborrecimento do filho.  

No primeiro, impaciente e com desdém, ele assiste à ressignificação de sequências cinematográficas alheias em contexto revolucionário e ao discurso nonsense de um cineasta (Marcos Bertoni) e técnico em equipamento Super 8, que expõe (com seriedade contagiante), em tempo real, as suas ideias políticas sobre um certo (re)fazer cinematográfico político. Ora, uma vez que o híbrido (docudrama e ou docuficção) Avanti Popolo também é anticinema, e ou conclui-se como, ri de si mesmo ao rir da proposta nonsense (retrôguarda) do criador do Dogma 2002..., paródia (?) ao Dogma 95, de Lars von Trier e Thomas Vinterberg. No segundo, que na verdade é uma divertida sequência anterior, reforçando a “indiferença ao cinema engajado” e o achincalhe “revolucionário”, no alto da sua arrogância, o filho é obrigado a suportar um taxista “nacionalista” (Eduardo Valente) e o seu brinde de hinos estrangeiros..., que se sabe, geralmente é fruto de (pré ou pós) revolução.

Provavelmente a maior provocação de Avanti Popolo (cujo título, conforme explicação radiofônica, faz jus à narrativa) esteja no elenco formado pelos cineastas Carlos Reichenbach (1945- 2012) e Marcos Bertoni, o pesquisador de cinema André Gatti, o crítico de cinema Eduardo Valente. Para não-atores, acostumado aos bastidores e não à frente das câmeras, as atuações até que são razoáveis. O melhor, talvez pela naturalidade de representar a si mesmo, me pareceu Bertoni. Ah, sim, Michael Wahrmann, além do roteiro e direção, faz o locutor de uma rádio apaixonado por música de protesto.

domingo, 1 de junho de 2014

Crítica: A Culpa é das Estrelas


Câncer é um assunto que ainda hoje exige muito tato, muita delicadeza na sua abordagem, seja na vida real, seja na ficção (livro, cinema, tv, teatro).  Doenças variadas, dependência química são temas caros à Hollywood, que não tem pudor algum em tratá-los comercialmente, abusando da pieguice, do clichê..., sempre de olho na bilheteria e no Oscar. Poderia dizer que até virou um gênero cinematográfico: autoajuda. Porém, como felizmente há sempre um mas, na intenção de diretores mais ousados e ou independentes e ou pouco (?) conectados com os produtores, um filme ou outro acaba se destacando na mesmice, como é o caso do comovente A Música Nunca Parou (2011), de Jim Kohlberg, o envolvente 50/50 (2011), de Jonathan Levine e agora do sensível A Culpa é das Estrelas (The Fault in Our Stars), de Josh Boone.


A Culpa é das Estrelas é baseado no romance homônimo de John Green, um dos autores favoritos dos jovens. O seu foco é a “rotina” de jovens diagnosticados com câncer e, sob a luz tênue, o romance entre os adolescentes Hazel Lancaster (Shailene Woodley) e Augustus Waters (Ansel Elgort). Ela, aos 13 anos, soube do câncer de tireoide, que evoluiu para metástase no pulmão. Hazel respira com a ajuda de uma cânula no nariz e de um cilindro de oxigênio que carrega para todo canto em que vai. O diagnóstico dele é osteossarcoma que, após uma decisão vital, Augustus acredita que está controlado. Ela é melancólica, outonal, quase trágica na sua dor compartilhada com o livro de cabeceira Uma Aflição Imperial, do escritor Peter Van Houten (Willem Dafoe), em que busca decifrar o “final”, já que a história termina no meio da frase de Anna, uma menina diagnosticada com leucemia. Ele é otimista, primaveril, sempre procurando levar a vida com humor. Na trama, o resguardo dela versus a expansividade dele. 

Apesar da sinopse pesada o tema é tratado com leveza e doses de humor. Por vezes a narrativa o aproxima do apaixonante As Vantagens de Ser Invisível (2012), de Stephen Chbosky, que fala do deslocamento de jovens no seu próprio meio. Iguais no diagnóstico (câncer), mas contrários na filosofia (e expectativa) de vida pós-diagnóstico, Hazel e Augustus traçam caminhos diferentes, mas não o suficiente para que não se tangenciem. Assim, entre uma lágrima reticente (à beira da explosão) e um riso espontâneo (contendo a explosão), surge uma tocante história de amor juvenil no compasso de um relógio sem os ponteiros do tempo.


Josh Boone, ciente da perola real em mãos, com base no bom roteiro de Scott Neustadter e Michael H. Weber, conduz a história de modo sóbrio e jamais sombrio. É claro que, em se tratando do assunto câncer, o lado “sombrio” é tentador, mal ele não afetou o diretor que parece alheio ao sensacionalismo. 

Em sua essência A Culpa é das Estrelas questiona a forma como, principalmente nós ocidentais, dependendo da fragilidade (e sofrimento!) do paciente e ou do grau de egoísmo (apego) de seus familiares, lidamos com os pequenos prazeres da vida e as grandes dores da morte e ou vice-versa. Lembrança e ou anonimato? Viver intensamente (para ser lembrado) a cada segundo ou prostrar-se (para ser esquecido)? O que será que importa quando a única certeza que temos é que a morte é inexorável e hora mais hora menos arrebanha (ou arrebata!) a todos?


A Culpa é das Estrelas é um drama que provoca (também) no espectador um vendaval de reações e emoções, com seus momentos doloridos ou coloridos. Um drama que perturba pela frieza de algumas sequências..., como a imprescindível visita do jovem casal ao escritor Peter Van Houten, em Amsterdã. A química entre Shailene (Hazel) e Ansel (Augustus) é admirável. E a empatia pelo casal tem nada a ver com a exploração da doença, com piedade e ou autopiedade (dos jovens), mas com o desenvolvimento convincente dos personagens e de suas histórias, que passam bem longe do melodrama.

Essa veracidade do filme, com certeza vem do romance (que ainda não li), já que John Green trabalhou como estagiário por cinco meses em um hospital pediátrico que atendia a crianças debilitadas, em estado crítico. Uma ocupação que deu novo rumo, inclusive profissional, à sua vida. 

Enfim, considerando que é um tema difícil, tratado com a maior consideração; que traz um elenco maravilhoso, entregue aos seus personagens; que a produção é cuidadosa; a direção eficiente e a fotografia impecável..., A Culpa é das Estrelas agradará não apenas aos leitores juvenis, mas também aos espectadores (de todas as idades) que gostam de uma história bem contada... Em tempo: Alguns culpam e outros agradecem às estrelas pelo seu bom ou mau destino. E você?

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