quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Crítica: 12 Anos de Escravidão


A escravidão é um assunto que, apesar de muito antigo, infelizmente, ainda não se esgotou. Explícita e ou camuflada, ela persiste em vários países, inclusive no Brasil urbano e rural, onde “senhores de escravos”, sem temer a Lei, se dão bem às custas de imigrantes e ou itinerantes. É um tema difícil de ser tratado, principalmente no cinema, porque o emocional facilmente se sobrepõe ao racional e o roteiro, contrariando todos os argumentos da polêmica que o originou, acaba enveredando pela pieguice e a matéria da trama pode não ir além da sessão. 

12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, RU, EUA, 2013), do excelente diretor britânico Steve McQueen, é baseado no livro homônimo do afrodescendente estadunidense Solomon Northup, lançado em 1853 e relançado, numa edição acadêmica, em 1968. O drama épico, com roteiro de John Ridley, conta a impressionante saga do violinista Solomon (Chiwetel Ejiofor), homem livre que vivia em Saratoga, Nova York, com a sua mulher e um casal de filhos, quando, em 1841, ao se apresentar em Washington, foi sequestrado e vendido como escravo. Enviado para trabalhar em plantações no estado de Louisiana, onde ficou por 12 anos, Solomon esteve submetido a dois proprietários hipócritas: o cristão “benevolente” William Ford (Benedict Cumberbatch) e o cristão perverso Edwin Epps (Michael Fassbender). Recebendo o mesmo tratamento degradante que os demais escravos, Northup só voltou a cultivar esperança de liberdade ao conhecer o construtor abolicionista Samuel Bass (Brad Pitt).

12 Anos de Escravidão joga luz na extrema violência praticada pelos senhores de escravos e seus capangas contra os escravizados, nos remetendo àquela vista em Django Livre (2013), de Tarantino. Essa intenção narrativa, que tira muito espectador da sua zona de conforto, incomoda não apenas pela crueza das cenas de tortura, exaustivamente esticadas, mas pela impressão de pieguice calculada para causar aflição e coletar litros de lágrimas de um público já entorpecido pela irritante e intrusiva música de Hans Zimmer.


Filmes sobre escravidão ou racismo em solo norte americano não são novidades, mas sempre causam burburinho (e indicação ao Oscar), principalmente se inspirados em fatos. Conforme a ideologia do diretor, desenha-se o grau de sadismo na exposição da maldade do homem (cristão branco?) contra o homem (cristão negro?). O imagético Steve McQueen continua preferindo o laconismo à prolixidade. Não que seus personagens entrem mudos e saiam calados. É que o diretor acredita muito mais na força (de mil palavras) de uma imagem do que na redundância de um texto (explicando o óbvio). Assim, impacto visual é o que não falta à inspirada fotografia de Sean Bobbit, que registra a passagem quase imperceptível do tempo em imagens de rara beleza: a perda da infância, na lúdica criação de bonecas de palha; o canto de despedida dos mortos; a voracidade da lagarta no campo de algodão, devorando as estações. Bobbit destaca ainda o quanto é enganosa a inebriante paisagem sulista, onde o perigo (humano) espreita, transformando o lúdico em pesadelo.

Todo cinéfilo sabe que McQueen (Hunger, Shame) é chegado em histórias tristes, angustiantes. Em 12 Anos de Escravidão não é diferente. A dor de seus personagens beira o insuportável, dentro e fora da tela. Em raríssimos momentos, o sorriso que se abre é amarelo, porque a sugestão de felicidade é falsa..., é irônica. Não há felicidade no cativeiro abençoado pelo Deus Quequé, porque a maldade humana não tem limites nem nos “dias santos”. Ao exagerar na dose dolorosa, infelizmente a versão (aparentemente fria) do diretor inglês ganha ares de um dramalhão hollywoodiano, mais interessado em comover e indignar o espectador (insensível?), do que refletir o tema.


12 Anos de Escravidão não é o tipo de entretenimento pensado para diversão ligeira do espectador que só quer passar um tempo, no escurinho do cinema, se empanturrando de bobagens. Pelo contrário, é um drama tenso, de interesse humano (estadunidense), que não deixa cicatriz sobre cicatriz, ao falar de um período inconveniente da história americana: a prática do rendoso escravismo. A “reconstituição” de fatos degradantes (que exige estômago do espectador) é nada convidativa a um combo (pipoca e refri). A não ser que se feche os olhos à barbárie e, “sedado”, sem prestar atenção em quem bate e em que apanha, se espere o desfecho prometido pelo título. 

Não li a biografia de Solomon Northup, mas, pela estranheza e ou descarte de algumas sequências, parece que McQueen tomou algumas discutíveis liberdades cinematográficas. A adaptação que começa ágil, cenas curtas, cortes inusitados, acaba adotando um cansativo rimo contemplação. Haja posição na cadeira para “apreciar” cenas (como a de um enforcamento e um desconcertante segundo plano, por exemplo) de pura lavagem cerebral e que soa a mensagem subliminar. 12 Anos de Escravidão, com seu primoroso elenco protagonista e de apoio, segue a cartilha do cinemão, com clichês na medida para fazer o público se sentir menor e ou maior diante do drama alheio. Um história do norte para se pensar nas histórias do sul que ainda estão escondidas!

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