quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Crítica: Questão de Tempo


Na ficção literária e ou cinematográfica aprendemos que viajar no tempo pode ser tedioso ou desesperador, prazeroso ou devastador. Depende muito da intenção do viajante, ou de sua distração, como nos alerta (do Efeito Borboleta) o grande mestre e poeta da ficção científica Ray Bradbury no seu antológico conto Um Som de Trovão (já adaptado para o teatro, hq, cinema). Um dos meus filmes favoritos, atrelados ao tema, é A Mulher do Viajante do Tempo (The Time Traveler's Wife, 2009), de Robert Schwentke, que, por aqui, recebeu o ridículo título de Te Amarei Para Sempre..., e que, coincidentemente (?), é protagonizado também por Rachel McAdams.

Questão de Tempo (About Time, Reino Unido, 2013), dirigido por Richard Curtis, é uma simpática comédia romântica, com um pé na ficção científica e outra no positivismo (pós-Comte). O itinerário desta mais recente viagem no tempo, cujo viajante Tim Lake (Domhnall Gleeson) usa a memória (e o desejo!), em vez de artefato mecânico, leva ao amor e ao bem-estar da família e dos amigos. Aos 21 anos, surpreendido pelo seu pai (Bill Nighy) com a revelação de que é herdeiro natural do dom, Tim só tem um desejo: tirar proveito para arranjar uma namorada. Ele acaba “conhecendo”, às cegas, num outro tipo de viagem, a sua amada Mary (Rachel McAdams), mas vai precisar “correr” um bocado se quiser restaurar o tempo perdido e conquistá-la definitivamente. Como viajar no tempo é diferente da magia de uma varinha de condão, quando tenta ir além do combinado, mesmo que por boa causa, o custo da passagem é perturbador, já que nem toda estação é um recanto de felicidade eterna.


Questão de Tempo, com roteiro do próprio Curtis, é divertido e, em alguns momentos, de uma beleza arrebatadora, em meio a pieguice a que estão sujeitos todos os que amam alguém “in tutto il mondo”. Algumas sequências, como a da passagem do tempo do jovem casal, são muito bem resolvidas. É um filme extremamente romântico, com frescor juvenil (não necessariamente adolescente), bons diálogos, mas, por vezes, se atrapalha com o guarda-roupa (pegadinha da trama) e se arrasta com cenas descartáveis. O terceiro ato, mesmo com bons momentos, é quase claudicante. Ainda que com aura de comédia romântica (e suas armadilhas do amor e sexo), o que sobressai e envolve o espectador é a reflexão sobre a arte de atar laços e desatar nós de família e a simplicidade (?) com que Curtis soluciona o grande dilema da sua história: limites da viagem no tempo. 

O humor é o inglês (óbvio!), estranho, seco, irônico - piadas com a fonética sempre funcionam, lá. A divertida sequência “às cegas” me lembrou Woody Allen. No vai-e-vem narrativo, quem marca o seu espaço (entre os coadjuvantes) e rouba as cenas é Tom Hollander, hilário como dramaturgo mal humorado - o desabafo sobre a estreia da sua nova peça é impagável. Há uma química bacana entre Domhnall (Tim) e McAdams (Mary) e entre Nighy (pai) e Domhnall (filho). Para quem gosta de pop romântico, a trilha é propícia, mas pegajosa. Diversão descompromissada para fãs do tema viagem no tempo com uma pegada mais leve, mais romântica..., mais família.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Crítica: Um Time Show de Bola


Entendo absolutamente nada de futebol. Se muito, sei quando é gol. Zaga? Impedimento? Tiro de meta? Escalação soluço? Ponta? Bah! Porém, desde que vi o trailer da animação argentina Um Time Show de Bola, fiquei apaixonado pela expressividade dos personagens e pelo que era possível perceber da trama. A expectativa se manteve, o filme é gracioso.

Um Time Show de Bola, (Metegol, 2013), baseado no conto Memórias de un Wing Derecho (Memórias de Um Lateral Direito) do genial cartunista e escritor argentino Roberto Fontanarrosa (1944 - 2007), é uma história que rola num campo de pebolim e num de grama, envolvendo jogadores de chumbo e jogadores humanos, numa pequena e acolhedora cidade. De um lado, o tímido Amadeo (campeão do pebolim) e o arrogante Colosso (campeão dos gramados), com suas diferenças. De outro, os bonecos-jogadores listrados e grená que, libertos das barras giratórias, miraculosamente ganham vida e juntam força (mais bruta que intelectual) para ajudar Amadeo numa partida de futebol decisiva para a cidade.


A surpreendente animação em 3D, com bom ritmo, drama e humor (mesmo que perdido na versão e dublagem brasileira) traz sequências encantadoras, como a genial homenagem ao filme 2001 - Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Ou engraçadíssimas e bem resolvidas, como (todas) as do parque de diversões e das réplicas de estátuas na mansão de Colosso. As cenas de futebol (pebolim e campo) são um espetáculo à parte, principalmente as que lembram o arrepiante bailado dos jogadores brasileiros nos campos, através das lentes únicas do inesquecível Cinejornal Canal 100.

No pós-Pixar, sempre que um cinéfilo vê um brinquedo ganhando vida (compartilhada ou não com humanos) nas telas se lembra de Toy Story, talvez a mais tocante definição de fantasia no mundo animado. Ao menos para mim, a cena “made in Taiwan”, protagonizada por Buzz Lightyear, é antológica..., uma das mais emocionantes que vi no cinema. Portanto, é natural que a magia em Um Time Show de Bola, sem nenhum demérito à equipe internacional que o realizou, reporte ao clássico Toy Story.

Se bem que, na verdade, não importa muito como o boneco Capi (líder dos listrados) e os demais jogadores, entre eles Loco (o zen) e Beto (a celebridade) ganharam vida..., como ficará “claro” ao final (não convencional), já que o próprio futebol é mágico ou uma caixinha de surpresas. Assim, na animação um personagem precisa “crer para ver” a magia..., no campo o torcedor “vê e crê” na magia de um Pelé, Garrincha, Lionel Messi. Coisas da arte de viver da arte!


Segundo o corroteirista Gaston Gorali e o próprio diretor e roteirista Juan José Campanella: Um Time Show de Bola não é um filme sobre o jogo e pebolim, mas também não é um filme de futebol. É, acima de tudo, uma história de amor, amizade e superação. Campanella, aliás, alega que não gosta de futebol e torce para time nenhum. O roteiro, que ainda contou com a colaboração do escritor Eduardo Sacheri (apaixonadíssimo por futebol), é redondo e agradável até mesmo aos neófitos em futebol. Vale ressaltar a excelência da arte-concepção que, com seu padrão-mix, fica nada a dever aos grandes estúdios.

Apesar da aparência e insistência temática (egos inflados, revanches, idiossincrasias futebolísticas), no campo paralelo Um Time Show de Bola não deixa de ser (mais) um filme sobre valores humanos, com uma pegada mundial e uns chutes edificantes. Todavia, cá pra nosotros, que esta deliciosa animação, mesmo à revelia, é praticamente uma ode ao futebol, não há dúvida!

NOTA: Há duas curiosas animações (em espanhol) do conto Memorias de Um Wing Derecho, de Roberto Fontanarrosa, realizadas por Luciano Ferrero, no Vimeo: http://vimeo.com/40974629 e http://vimeo.com/43939173

domingo, 17 de novembro de 2013

Crítica: Blue Jasmine


Quanto mais velho, mais surpreendente. Assim me parece Woody Allen a cada novo filme. O seu discurso continua tocando com ironia as relações familiares, amorosas, sociais..., mas o seu olhar sempre encontra um outro viés narrativo.

Blue Jasmine é um drama no fio da navalha tragicômica que raros mestres têm habilidade para manusear com precisão.  Falar com classe e elegância sobre decadência não é para qualquer autor/diretor, naturalmente. Na trama, cuja catarse final pode justificar ou não o prólogo, Jasmine (Cate Blanchett), ex-socialite e ex-mulher-bibelô do investidor financeiro Hal (Alec Baldwin), perde o rumo e o chão, ao se divorciar, e se vê obrigada a passar uma temporada com a irmã Ginger (Sally Hawkins), em San Francisco. Decadente, na rua da amargura, mas sem perder a elegância dos tempos de fartura, enquanto não decide o que fazer da sua vida, continua sonhando alto, via web.


As duas irmãs foram adotadas quando crianças, mas o destino tratou de separá-las social e economicamente: uma para o glamour e a outra para a labuta. Enquanto Jasmine (com o mundo aos seus pés) se “aprisiona” no faz de conta, “ignorando” a lógica das aparências e os tropeços da mentira, Ginger (com o mundo fora de seu alcance) se conforma com a mediocridade da sua rotina de comerciária.  Iguais nas suas diferenças, ambas buscam a felicidade ou algo parecido no cotidiano possível. O ingrediente econômico (a gosto) que dá um sabor agridoce à vida de Jasmine, à beira de um surto, e de Ginger, voando baixo para evitar turbulências, tambem dá ponto à receita e ganha a cumplicidade do espectador que alterna sentimentos de ódio, amor e compaixão por elas. Gosta-se ou não das personagens woodyallenianas porque elas lembram gentes que conhecemos do lado de cá da vida, cuja imagem é muito mais nítida e nem se precisa efeito 3D para emular a realidade.

Blue Jasmine (2013) é um vendaval de emoções arrebatador. Allen sabe a ocasião de fazer a piada, cortar o riso, provocar a lágrima, numa mesma cena. Sob uma trilha sonora menos evocativa, é tão prazeroso quanto constrangedor a ebulição de sentimentos que provoca. O filme pode ser de Cate Blanchett, magnífica na pele de Jasmine, mas tanto Hawkins quanto Baldwin se saem bem de escada.

Num ambiente de frustrações e impulsos de vingança, crime e castigo podem ter peso e medida diferentes e ou equivalentes. Já que cada um é muito mais carrasco e vítima da sua própria vida do que imagina..., um final feliz ou à francesa é muito relativo.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Crítica: Thor - O Mundo Sombrio


O embate entre luz e trevas parece não ter fim na mitologia do entretenimento ou vice-versa. No mundo da ficção globalizada (religiosa ou pagã) há sempre alguém querendo ser dono da eletricidade e outro louco pra cortar a fiação. Heróis da luz e vilões da escuridão povoam a imaginação de adultos e crianças nas mais diversas manifestações culturais. Quando se trata de histórias em quadrinhos, então, é um esconde-esconde sem fim. Pegando carona na meada do apagão, chega aos cinemas Thor - O Mundo Sombrio.

A história se passa logo após a pancadaria desenfreada em Os Vigadores, quando Thor (Chris Hemsworth) retorna a Asgard, levando o prisioneiro Loki (Tom Hiddleston), e parte para novas batalhas na pacificação dos Nove Reinos. Mal a ordem é restabelecida e eis que surge das profundezas o pesadelo asgardiano: Malekith (Christopher Eccleston). O maldito elfo negro, derrotado por Bor, avô de Thor, acorda para o seu maior ato de vingança universal: escuridão eterna para todos! O pivô inocente útil, para que a trama se cumpra, é Jane Foster (Natalie Portman), a namorada do herói.


Filme-hq de fantasia, Thor - O mundo Sombrio (Thor - The Dark World, EUA, 2013), dirigido por Alan Taylor, mescla muito bem ação, aventura, drama, imaginação e (entre uma referência bíblica e outra) bom humor. Despretensioso (até demais) cumpre o que promete: diversão. Ao trocar acertadamente a base terráquea, (geralmente) em Nova York por Londres (Greenwich), muda, além do ritmo, o nível destrutivo das lutas. Na Inglaterra a destruição urbana é mínima, se comparada à dos seus (heroicos) concorrentes anteriores em solo norte-americano. Mas não menos intensa. Ah, o irônico humor inglês é muito melhor que o pastelão escatológico estadunidense.

Thor - O Mundo Sombrio tem excelente produção. Os cenários, com riqueza de detalhes, são extraordinários e as aeronaves inspiradíssimas. O elenco continua afinado, o que não é uma árdua tarefa, com Hiddleston roubando cena a cena. Duas emocionantes sequências, envolvendo a Rainha Frigga (Rene Russo), merecem destaque pela perfeita composição de elementos dramáticos e técnicos: a perturbadora visita a Loki, na prisão, e o deslumbrante funeral dos guerreiros asgardianos. É o que fica na memória depois de todo o caos.

Originalidade pode não ser o forte do argumento que malha o trevoso ferro frio, mas o roteiro sopra umas brasas da forja e as fagulhas que iluminam história e personagens, fazem de Thor - O Mundo Sombrio, um excelente filme-hq, mesmo com escorregadas, uma das melhores adaptações do gênero. Não acho que deva ser comparado ao ótimo shakespeariano Thor (2011), dirigido por Kenneth Branagh, porque o palco é outro. Agora a lenda cabe mais aos Céus do que à Terra que, como sempre, é um planeta pairando no meio do caminho de algum vilão intergaláctico sem planeta e ou (pior!) chegado numa escuridão.

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