domingo, 28 de abril de 2013

Crítica: O Dia Que Durou 21 Anos



Cada testemunha ocular (ou auricular) da história tem a sua lembrança do Golpe Militar de 1964. A minha memória deste ano fatídico é curta. Mínima, na verdade. Tinha eu 12 anos e morava em Oswaldo Cruz, interior de São Paulo. Com certeza ele deve ter sido mencionado em sala de aula..., mas não me recordo de alguma agitação na cidade. Estava descobrindo a literatura que, assim como os quadrinhos, a música, o cinema, a rua, ocupava parte do meu tempo. Do período recordo (mesmo) é da comoção causada pela morte de John F. Kennedy, quando todos os alunos foram convocados a assistir, no Salão Nobre do Instituto de Educação, a um documentário sobre a tragédia presidencial americana, e da animada e mal explicada Marcha do Ouro Para o Bem do Brasil. Não tenho certeza se meus pais também foram enganados e deram as suas alianças. A razão da exibição do documentário sobre a morte de Kennedy me parece obscura. Pode tanto ter a ver com o leite em pó que vinha do “bonzinho” EUA e era servido no recreio, quanto (agora vendo o documentário) com a ideia de “base democrática” do Golpe Militar.

Ainda em fins nos anos 1960, ao responder a um concurso promovido por um jornal de São Paulo (Folha?), sobre a fundação de Brasília, ganhei um terreno (Anápolis ou Luziânia?), que jamais tomei posse, por duas razões: econômica e política. Econômica: minha família não tinha como bancar a viagem e gastos de registro. Política: minha mãe, em sua simplicidade, ter comentado que Cidade Satélite era coisa de comunista. De onde ela tirou essa ideia eu não sei. Talvez tenha ouvido no rádio ou lido em algum jornal. Televisão não tinha por aquelas bandas. Depois descobri que as Cidades Satélites eram as tais Cidades Dormitórios do DF. Tinha eu 14 ou 15 anos, era balconista em uma farmácia e confesso que política, até então, não era o meu forte adolescente, naquele interior de lindas garotas nisseis. A consciência do Brasil em ebulição me tonteou no viés de 1969, na mudança para a capital: cinema (novo, realismo italiano, nouvelle vague..., que não chegavam ao interior), teatro (arena, bolso), Pasquim, Festivais, Hippies etc. Nessa revira(re)volta, ao conhecer gentes outras, buscando fazer a diferença, me descobri também do contrário. Fim da infância e da década: o realismo brasileiro me pegou pelo colarinho.


Sempre que o assunto Golpe Militar vem à baila, muita gente deve se perguntar onde estava nesse dia em que o punho de chumbo nocauteou a democracia, socando com desdém o cidadão comum. Quando a força bruta trapaceou a liberdade, que verbo conjugou quem se viu caminhando pelas sombras e ou desaparecendo à luz do dia e ou sobrevivendo nas entrelinhas dos jornais? Com certeza há muita história de cidadão anônimo ou figurinha de poste a ser desvelada, contada, partilhada. Ao passar a limpo o obscuro rascunho do golpe que enganou até os seus gestores, O Dia Que Durou 21 Anos, de Camilo Tavares, procura traçar o preciso caminho da bala que até então parecia perdida entre ditos e não ditos daquele maldito 1 de Abril: do ai ao AI!

O Dia Que Durou 21 Anos é um filme de miudezas, ocas o suficiente para conter “invioláveis” segredos de bastidores. Se, parodiando Drummond, de tudo fica um rasto, em pouco mais de três anos, o diretor, com a colaboração de seu pai, Flávio Tavares (um dos presos políticos exilados no México) e apoio do historiador Carlos Fico e da pesquisadora Denise Assis, descobriu nos EUA e no Brasil os vestígios daquele nefasto 1964. Nas letras minúsculas, conversas rápidas, imagens esquecidas, senhas irônicas (Brother Sam), Camilo Tavares encontrou as peças originais para completar um quebra-cabeça que se queria esquecido por “falha de fabricação” norte-americana e “atabalhoado” uso pelos “sobrinhos” sul-americanos. Cada um com o seu Brucutu!


Dirigido com elegância e impressionante serenidade, o documentário passa ao largo do revanchismo e do revisionismo de ocasião. Essa serenidade, que não deve ser confundida com passividade, é fundamental para melhor percepção dos atos maquinados antes, durante e depois do ato (extirpar Jango) consumado. A narrativa que aos poucos desvela a verdadeira face do maquiavélico fantasma capitalista (ti)Tio Sam, eterno xerife na mesmice de uma ópera encenada para um público cada vez mais trágico, por vezes nos remete ao também incômodo A Doutrina do Choque (2009) de Alfonso Cuarón e Naomi Klein. O formato tradicional é imprescindível no seu propósito de elucidar fatos e preencher lagunas, sem perder o foco CQD (expressão ginasial nos 1960: Como Queria Demonstrar) essa intrincada e inacreditável matemática da conspiração que somou a política de negócios americanos com a dos negociantes da politica brasileira. Ou seja, o que era murmúrio no sequestro do embaixador estadunidense Charles Elbrick, ganha agora altiva veracidade.

O Dia Que Durou 21 Anos é um documentário envolvente e, com a riqueza de imagens e depoimentos (articuladores, carrascos e vítimas), uma obra de interesse nacional, ou melhor, educacional. Ele desarma o espectador mais afoito e o faz juiz, na cartada final que quebra a banca, nomes e siglas, em busca de rima (se) possível para réu e redenção. Oriundo da televisão (exibido na TV Brasil em abril de 2011), desperta mágoas e provoca lágrimas em um público que, conivente ou não, 49 anos depois ainda “preserva” uma poderosa matilha de velhas e novas raposas em cargos públicos. Muito dele já foi dito e detalhado em outras críticas. Prefiro que o espectador saiba o mínimo e se deixe surpreender (e arrepiar!) com o que verá e ouvirá sobre esse dia que ainda tem minutos a serem examinados. Sabendo o mínimo, o impacto é muito maior e capaz (até) de mudar conceitos sobre política interna e externa.
  
Quem sabe em 2014 o Golpe Militar possa ser tema de discussão livre em salas de aula de todo o país, formando cidadãos e eleitores mais conscientes!


quarta-feira, 17 de abril de 2013

Crítica: A Morte do Demônio



Não contente com as constantes “releituras” (inferiores) que faz de produções estrangeiras, para que o estadunidense medíocre possa entender, já que não lê legendas, Hollywood continua apostando alto e apelando (muito!) em “novas” versões de sucessos americanos passados (clássicos ou não) para o “deleite” de uma nova (?) geração de espectadores. Na sua ânsia pela mesmice e indiferente a um mundo de histórias originais que há para se contar e da cultura em ebulição, atropela o bom senso e ridiculariza até mesmo o Tico e o Teco de seus realizadores.

No cartaz de A Morte do Demônio (Evil Dead, EUA, 2013), dirigido pelo uruguaio Fede Alvarez, tendo por base longínqua o The Evil Dead (A Morte do Demônio, 1981), de Sam Raimi, há uma advertência enganadora: O filme mais apavorante que você verá nesta vida. Nem que substituísse o “apavorante” (que não apavora coisíssima nenhuma) por “masoquista” faria jus, já que (desde a época áurea do gênero) foram feitos trocentos filmecos de terror ou horror investindo apenas na sanguinolência. Muita aposta alta (em lucro fácil) acabou abaixo do traço.

Desta feita não vou fazer comparações. Não há razão alguma para ressuscitar o Demônio que morreu lá atrás, com o amadorismo (funcional) deste fetichista Demônio Jr. Também porque, nesta violação, digo, versão ao estilo gore, o filme perdeu muito mais que o artigo “O” (The), do título de Sam Raimi.


A trama de A Morte do Demônio (2013), a supor o “roteiro” de Fede Alvarez e Rodo Sayagues, gira em torno de um grupo de cinco amigos que, na falta de lugar melhor, resolve passar uns dias em uma velha cabana isolada, no meio de uma floresta tenebrosa (é claro!), para um tratamento alternativo contra drogas. Ah, sem acompanhamento médico!  O que os jovens não imaginam (evidentemente!) é que esta boa intenção (sempre!) de limpar a viciada Mia (Jane Levy) vai expor a todos ao insaciável banquete do Demo, assim que o curioso Eric (Lou Taylor Pucci) encontrar, no porão infecto (naturalmente!), num pacote amarrado com arame farpado, o livro Necronomicon Ex Mortis (encapado com pele humana da melhor qualidade).

O drama de Mia começa quando ela deita fora suas pílulas. A tragédia da turma começa quando a garota diz que viu alguma coisa (lá fora!) e pede ajuda ao irmão David (Shiloh Fernandez) que, acompanhado da namorada Natalie (Elizabeth Blackmore), é acalmado pela enfermeira Olivia (Jessica Lucas), certa de que tudo não passa de alucinação provocada pela abstinência. A paciência do espectador incauto acaba quando começa a chacina (quase!) sem fim. Ou seja, bem antes de uma protagonista dizer: “Cansei dessa m*!

O serviço de nojeira quente deve (?) agradar a molecada chegada a uma meleca de açougue humano. Ou que nunca (?) ouviu falar ou assistiu a algum filme massacre (com serra, machado, faca, prego, furadeira etc), tema caro (e lucrativo!) aos norte-americanos, mocinhos e vítimas do próprio mecanismo de “defesa” que criaram. A sua narrativa descerebrada pretende-se trash, ignorando que só é trash o filme que, apesar do empenho dos envolvidos, resulta divertidamente (!!!) todo errado. Esta tolice (de mau gosto!), mesmo carecendo de humor, bom elenco e, principalmente de boa direção..., é apenas um filme velho (querendo posar de moço) e ruim. Para fãs do “gênero requentado” e que descarta qualquer tipo de originalidade.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Crítica: Oblivion



Tom Cruise está de volta e de novo na pele de um Jack e mais uma vez pronto para salvar a Terra..., ou o que restou dela, após uma invasão alienígena em 2017. O thriller de ação, romance (morno) e aventura (juvenil) de ficção científica se passa no pós-tudo em 2077, em uma Terra devastada e aparentemente deserta. Jack Harper (Tom Cruise) e sua companheira Victoria Olsen (Andrea Riseborough) são responsáveis pela manutenção de equipamentos de segurança. Quando não está consertando Drones ou caçando alienígenas saqueadores, Jack está tentando dar sentido aos seus estranhos e repetitivos sonhos com uma garota que nunca conheceu. Porém, duas semanas antes do casal se juntar aos terráqueos sobreviventes em Titã (maior lua de Saturno), a queda de uma aeronave, o resgate de uma astronauta, Julia (Olga Kurylenko), e a desconfiança sobre os alienígenas e a comandante da operação, Sally (Melissa Leo), colocam em risco a missão e a vida do patrulheiro. A verdade nunca esteve tão lá fora da sua torre de vidro.

Oblivion (Oblivion, EUA, 2013), dirigido por Joseph Kosinski, é baseado em um romance gráfico que escreveu em 2005. O roteiro de Karl Gajdusek e Michael DeBruyn, infelizmente, não é dos mais originais. Se é que é possível ainda encontrar originalidade em sci-fi pré ou pós-apocalíptico, provocado ou não por ataque alienígena. Assim como em Matrix, ele parece uma imensa colcha de retalhos de filmes do gênero (até daqueles que só foram lançados em vídeo) e não dispensa um filosofismo barato de botequim. O que pode ser fonte de diversão (é de tal... !) e ou de irritação (ah, não...!) para um cinéfilo-fã atrás de novidades.


Oblivion tem uma história curiosa, que poderia render muito, porém a quantidade de referências o torna óbvio e cansativo. Cruise e Riseborough fazem o que podem com seus apáticos personagens (protagonistas), mas não chegam a envolver o espectador. A apatia é pertinente na parte da trama que lhes cabe (faz jus ao título: Esquecimento), no entanto, mesmo com o aparecimento de coadjuvantes menos apáticos, o filme não decola, não arrebata. O que tem em ação rotineira (tiroteio e perseguição) falta em humor..., até mesmo nos momentos mais bucólicos. Quando não se tem a poesia do mestre Ray Bradbury, há que se preocupar, ao menos, com a coerência ou com o tesão..., se não a diversão fica pelo caminho!

Enfim, para compensar a rala narrativa dramática, escamotear os buracos e os clichês, só mesmo a deslumbrante produção. Oblivion é tecnicamente irretocável. A fotografia de Claudio Miranda, a direção de arte de Darren Gilford e efeitos visuais de Eric Barba são fascinantes. Realmente é o que vale para quem gosta do gênero e quer arriscar a dar uma olhada e ou para quem não é lá muito exigente, mas é fã de Cruise.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Crítica: Mama



Às vezes aparecem “do nada” filmes de suspense que surpreendem as bilheterias americanas e acabam despertando interesse no resto mundo. Aconteceu com o ótimo primeiro Atividade Paranormal, em 2009, e parece se repetir com Mama, produzido por Guilhermo Del Toro.

Mama (Mama, Espanha, Canadá, 2013), dirigido por Andy Muschietti, baseado em seu curta homônimo de 2008, é um thriller que começa com uma crise econômica e termina com uma crise de ciúmes. No prólogo o insano financista Lucas (Nikolaj Coster-Waldau) se envolve em uma tragédia e desaparece com as duas filhas, de três e um ano. Na sequência, cinco anos depois, as duas meninas, Vitória (Megan Charpentier), com oito anos, e Lilly (Isabelle Nélisse), com seis, são encontradas vivendo sozinhas em uma cabana e ficam sob a guarda de Jeffrey (Nikolaj Coster-Waldau), irmão gêmeo de Lucas, e de Annabel (Jessica Chastain), sua namorada. Psicologicamente abaladas, as crianças recebem atendimento do psiquiatra Dr. Dreyfuss (Daniel Kash), desconfiado de que, além das garotas, o resgate trouxe, para o seio da família, Mama (em CGI - movimentos de corpo de Javier Botet), uma perturbada e ciumenta entidade fantasmagórica responsável pela sobrevivência das crianças na floresta. Mama, que fará de tudo para proteger as “suas” crias, é o grande desafio a ser vencido pelos tios e médico que lutam pela sanidade de Vitória e Lilly.


Mama, para não fugir à regra, tem um argumento absurdo (anda que curioso!). O roteiro é irregular (confuso!) e expõe furos que talvez passem batidos pelo espectador comum. Algumas boas sequências, como as da ressocialização de Vitória e Lilly (através da fala e do desenho) e dos gestos de maternidade (cuidado, amor e posse), chamam a atenção. Infelizmente não o suficiente para o diretor confiar na força lúdica da melancólica história. O apelo (mesmo!) é para o terror orquestrado com a irritante trilha sonora de sustos. Quando menos (?) se espera lá vem um “kabum!” de estourar os tímpanos. Para a garotada que vai ao cinema atrás de susto barato, é a glória.

Essa tendência de subestimar a inteligência do espectador, forçando um desnecessário clima de pavor (gritos e barulhos), também presente no bom O Orfanato (2007), enfraquece a história que pede as arrepiantes sutilezas de um terror de insinuação, como visto e sentido em Atividade Paranormal. O horror, a violência..., é muito mais apavorante quando insinuado do que explicitado. Basta ver a perspicácia do prólogo, que coloca o espectador a par da incômoda situação dos personagens sem sequer mostrar a tragédia que desencadeia toda a ação da trama.

Mama traz um bom elenco (destaque para Megan e Isabelle) numa história que ganharia muito mais com as sutilezas e a opção clara pelo cinema fantástico. Ele não está totalmente imune aos clichês (hollywoodianos) do gênero, mas surpreende com o anticlímax do epílogo. Se os norte-americanos refilmarem, duvido que mantenham o final! Se bem que, como disse Del Toro: “Um fantasma é como a essência de uma pessoa. Se você deixar uma personalidade inteira secar ao sol, então o que fica é o cadáver de uma emoção.” 

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...