sexta-feira, 1 de março de 2013

Crítica: Colegas



Escrito, produzido, dirigido e montado por Marcelo Galvão, o sintomático estradeiro Colegas, temperado com drama, humor, ação e aventura (não necessariamente nesta ordem) vai finalmente saber se a voz do espectador é a voz de deus ou do adeus.

Estrelado por três carismáticos atores portadores da Síndrome de Down, que se não o fossem daria um outro peso à trama, Colegas roda em torno de Stalone (Ariel Goldenberg), Aninha (Rita Pokk) e Márcio (Breno Viola), que vivem numa Instituição e se ocupam da videoteca. Eles conhecem de cor e salteado o acervo da casa..., decoram falas, memorizam sequências. Certa noite, inspirados em Thelma & Louise (1991), clássico dirigido por Ridley Scott, eles resolvem cair na estrada, a bordo de um Karmann Ghia vermelho, roubado do jardineiro Arlindo (Lima Duarte), uma arma de brinquedo e máscaras ao estilo “anonymous” de V. de Vingança (da HQ de Alan Moore), popularizadas no filme de James McReigue (2005).


O trio, aparentemente inocente, se diverte praticando pequenos furtos, confundindo a realidade com as cenas favoritas de alguns filmes e, sem dúvida, colocando em risco a vida deles e das pessoas que encontram (e roubam) pelo caminho. Na cola dos garotos, alimentando uma temerosa lenda urbana, um trio de policiais ineptos: Souza (Deto Montenegro), Portuga (Rui Unas) e Batatinha (Leonardo Miggiorin). Esta viagem, totalmente sem noção, tem três propósitos: Stalone quer ver o mar, Aninha quer se casar e Marcio quer voar..., cada um com uma lúdica e bela razão infantil para realizar o seu sonho. Fazendo as vezes de redundador, digo, narrador, Arlindo (Lima) vai salientando a perigosa e inconsequente jornada dos jovens, rumo ao mar, à igreja, ao ar, como se tudo não passasse de mera galhofa juvenil explorada vergonhosamente pela mídia. Sabe aquela história de que crime praticado por “de menor” é menor, mas que não tem a menor graça para a vítima? Então!  


Colegas (Brasil, 2012) é um bom exemplo de que nem todo bom argumento gera um bom roteiro que resulta em um bom filme. Não bastasse confusa, a narrativa se repete, força situações para justificar citações cinematográficas que só servem a um cinéfilo..., algumas uma verdadeira charada até para aquele de carteirinha: Psicose (Hitchcock) ou mesmo Blade Runner (Ridley Scott). Assim como os personagens centrais não parecem ter a menor noção da gravidade dos seus atos, do imbróglio em que vão se metendo a cada ato transgressor, também o diretor/roteirista não parece decidir que história quer contar: Crime da Carochinha ou Crime e Castigo? E o mais intrigante, por que transformar três portadores da Síndrome de Down em criminosos, se a razão que os leva para a estrada é a fantasia pueril? Diversão ou perversidade?

Colega se passa (?) em um tempo indefinido. A cada sequência (esquete?) o público se defronta, embasbacado, com a mistura de elementos (de cena) de diferentes épocas: automóveis, rádios, TVs etc. Não fica claro se as “antiguidades” são por conta da velhice do narrador e ou “estilo” do diretor. Tampouco se a narrativa acontece em um mundo real e ou apenas na (desculpável?) imaginação fértil (mas irresponsável) de Arlindo, já que não é possível que seu público (cena final) conceba tamanha sandice. Se fábula infantil ou um thriller juvenil, se policial ou nonsense (sem humor negro), que cada um conclua por conta própria.


Excetuando a espontaneidade dos três protagonistas, que dá alguma veracidade aos seus papéis, a trama patina nos diálogos chochos, no equívoco narrativo, que compromete algumas sequências (historietas), e na abominável interpretação caricata dos coadjuvantes. O humor natural funciona apenas com algumas tiradas de Marcio, o escatológico irrita (mas dá público!). A trilha com músicas de Raul Seixas, o cantor preferido dos personagens, pontuando situações, é ótima. Vale destacar a solução encontrada para os créditos iniciais dos patrocinadores, totalmente inseridos no contexto. Por que nunca se pensou nisso? A abertura também é graciosa.

Colegas, que não deve ser confundido com Colegas (1982), de Eloy de Iglesias, que também trata da delinquência juvenil, é um filme que, sem dúvida, dividirá opiniões e sensações. O público que se deixar levar pela emoção e comiseração deve gostar. Já aquele que, independente dos protagonistas, gosta de um bom cinema, bem escrito, bem dirigido deve se decepcionar. Enfim, cada um com o seu olhar e ou leitura..., inclusive da constrangedora cena de inquérito policial no Instituto.

PS: Será que o cinema é uma influência tão nefasta, como faz crer Colegas? Vai ver que eu entendi nada!

2 comentários:

  1. "Colegas" é potencialmente um ótimo filme, com uma boa sacada e um desenvolvimento cinematográfico acima da média. Mas, realmente, o trio de policiais/capangas, que parecem ter saído das Aventuras do Didi ou algo pior, mais a forma como o jornalismo televisivo é toscamente retratado, acaba dividindo a percepção do filme. Até tentei ser generoso com ele, mas é um tanto difícil...
    P.S.: ao final dos créditos tem uma lista com todas as citações cinematográficas que aparecem ao longo do filme.

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    Respostas
    1. Olá, Glauber.
      Colegas (filme)divide opiniões pela trama e pelos colegas (protagonistas). Uma obra tão fácil de gostar quanto de esquecer.

      Abs.

      T+

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