quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Crítica: Ender’s Game - O Jogo do Exterminador


O futuro pode ser previsto ou é o acaso que transforma a fantasia literária em (às vezes trágica) realidade? Se é que existe o acaso! Em 1977, o escritor Orson Scott Card publicou o seu perturbador conto de ficção científica Ender’s Game, que prenunciava a internet, o tablet, o drone, a guerra à distância etc..., transformado em romance e premiado em 1985. À parte a polêmica em torno do (conservador e moralista) autor e produtor do filme homônimo, escrito e dirigido com admirável competência por Gavin Hood, a obra, independente da tecnologia, traz à luz um questão social que muita gente quer escondida: crianças recrutadas e treinadas para matar em conflitos armados. Não nos faltam exemplos na América Latina, Ásia, África, Europa..., lembrados apenas quando uma tragédia civil (ou seria servil?) é grande o suficiente para virar manchete nas mídias que adoram explorar a miséria (?) humana.


Ender’s Game - O Jogo do Exterminador (Ender’s Game, EUA, 2013), considerado infilmável até por Card, tem por base também o seu livro Shadow de Ender (ponto de vista de Bean), história paralela ao Ender’s Game (ponto de vista de Ender). A adaptação para o cinema gira em torno de crianças especiais, treinadas para defender militarmente a Terra de alguma eventual invasão alienígena, principalmente dos Formics. A raça, que lembra formigas gigantescas, já tentou invadir a Terra, cinquenta anos atrás, mas foi rechaçada pelo herói Mazer Rackham (Ben Kingsley), desaparecido em combate. Agora, o alto comando de defesa acredita que os alienígenas sobreviventes estão se reorganizando para uma nova invasão e quer estar melhor preparado.  A aposta em um novo herói recai sobre o franzino e excepcional estrategista Andrew "Ender" Wiggin (Asa Butterfield), de 16 anos (no livro o garoto tem apenas 6) que, sob o comando do Cel. Graff (Harrison Ford) e da Major Anderson (Viola Davis), é testado exaustivamente em situações limite, com outras crianças, para se saber até onde vai a sua capacidade de superar todo tipo de humilhação e rejeição. A meta é que, com os treinos insanos, o adolescente encontre o equilíbrio perfeito, almejado pelos militares, para vencer uma guerra (sem deixar sobreviventes!).

 Atordoante, é o mínimo que se pode dizer deste drama sci-fi que incomoda pela violência (NÃO GLORIFICADA!) física e mental, a cada sequência mais e mais palpável. Seria praticamente impossível filmar e ou ver um protagonista de seis anos em tais situações. Se bem que a Hit Girl (Chloë Grace Moretz), a “inocente sanguinária” personagem de Kick-Ass - Quebrando Tudo, tem apenas 11 anos.  Mas os argumentos de um e outra são bem diferentes. Ender’s Game não é um filme de aventura-plataforma divertida no mundo da imaginação sideral, mas um drama (pesado!) de reflexão sobre os limites e ou a falta da diplomacia. Sobre desavenças sociais e raciais “resolvidas” na base do tiro ao alvo (atira primeiro e pergunta depois). Sobre a dificuldade que temos de compreender e ou ouvir o outro em suas diferenças cotidianas. Sobre temer aquilo (ou aquele) que desconhecemos. Sobre direitos civis e obrigações militares. Sobre as “sutilezas” do maniqueísmo governamental.


Ender’s Game é um das mais impactantes ficções dos últimos anos. É gélida! Provoca arrepios! Não há espaço para humor. Na verdade a complexidade da trama não abre brecha alguma para o humor. Mesmo um sorriso fortuito é desconfortável. Não creio que o humor faça falta, já que desviaria a atenção do foco principal. A aflição da sua narrativa só me parece comparável ao antológico Distrito 9, de Neill Blomkamp, que também trata das artimanhas do governo para atingir os seus (escusos) objetivos. Os diálogos são curtos e afiados feito navalha de duplo corte. No toma lá da cá do autoritarismo, a sublevação (que pode ser confundida com fina ironia) tem a força de um soco na boca no estômago. No “divã” da violência psicológica: Cel. Graff: “Eu não sou o inimigo!” e Ender: “Eu não tenho tanta certeza!”..., o zumbido vem do sopapo na orelha.

Produção impecável, efeitos especiais (gravidade zero) fascinantes, elenco admirável, com jovens atores dedicados, fazem de Ender’s Game - O Jogo do Exterminador um dos melhores sci-fi (com conteúdo) da recente safra. É difícil saber como uma trama que leva o espectador a discutir os meandros do poder (militar), a (i)moralidade da guerra (ao terror), tocará o público adolescente mais chegado a uma diversão-pipoca que a uma reflexão política. Todavia, se ao menos ele compreender a Jornada do Herói, já terá valido o seu tempo. Há muito que ela não era trabalhada com tanta habilidade e concluída de forma tão sublime. Geralmente, em exposições menos inspiradas, o herói acaba ficando pelo meio do caminho. Num mundo (ou seria tempo?) de (dis)simulações, onde o real e o imaginário estão ao toque dos dedos, ficar atento faz parte!

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Crítica: Minhocas


Após seis anos de produção e um divertido e inspirador curta homônimo (vencedor de onze prêmios no Brasil e um no Japão), finalmente estreia o longa-metragem Minhocas, dirigido por Paolo Conti e Arthur Nunes. Realizado em stop motion, o filme de animação trata da jornada do inseguro Junior, o nerd Nico e a descolada Linda, três minhocas pré-adolescentes que, retiradas acidentalmente dos seus confortáveis buracos (de minhoca), aprendem a trabalhar em equipe para enfrentar, no mundo exterior, Big Wig, um megalomaníaco tatu-bola (tatuzinho) que (óbvio!) quer dominar o mundo animal subterrâneo.

Com argumento e roteiro simples, direcionados ao público infantil, Minhocas aborda questões pertinentes à idade do trio protagonista (superproteção, bullyng, insegurança, aparência, família), em linguagem bem acessível à garotada.  Como em quase toda fantasia do gênero, o acesso à alta tecnologia e o domínio da linguagem humana (!), pela bicharada da trama, é praticamente natural e, até onde se sabe, nenhuma criança precisou de análise e acompanhamento psicológico por conta de tais idiossincrasias. Às vezes o estranhamento se transforma em metáfora, Às vezes continua estranhamento mesmo.


A tecnologia, principalmente a midiática, que impera na cidade das minhocas e na toca do vilão, e tanto pode ser o ponto de conflito (de gerações) quanto de solução (de domínio) em ambos os mundos, é trabalhada com humor pontuado e está mais ao agrado do espectador infantil que do adulto (acompanhante). Algumas cenas com elementos engraçados, na variação de minhocas hipnotizadas, passam tão rápido que, infelizmente, perdem o riso, mesmo na reprise.

Se a história de um vilão (querendo dominar um mundo) que enfrenta jovens inexperientes (que se descobrem corajosos) não é das mais originais (um cinéfilo reconhecerá fácil as referências), o resultado técnico é compensador. As personagens são bacanas e algumas sequências, ainda que previsíveis, criativas. Há alguns incômodos, como (por exemplo) o nome de revistas, jornal, cidade, personagem, mercadorias etc em inglês, ao contrário dos desenhos que nos chegam aportuguesados do exterior. Será que o interesse maior é ganhar o mercado de língua inglesa, já que o tema musical final também é apresentado em inglês? Se é hora do Brasil mostrar a que vem, no (ainda) restrito nicho da animação, por que não dar a conhecer a cara e a língua brasileiras? 


Minhocas é um simpático filme onde não faltam ação e aventura, com pitadas de comédia e drama. Fala de vilões que não se regeneram e de ídolos que podem se tornar vilões, quando deixam cair a máscara. Não é nenhuma obra-prima e tampouco falta mensagens edificantes, mas vale o ingresso e, melhor, não chega a entediar os acompanhantes adolescentes e ou adultos.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Crítica: O Hobbit: A Desolação de Smaug


Após um infindável ano de espera, o segundo capítulo da saga do hobbit Bilbo Bolseiro, criada por J.R.R. Tolkien e recontada e dirigida por Peter Jackson, chega com muita ação, humor, drama (e triângulo amoroso), para matar a saudade da Terra Média. Bem, “matar a saudade” é força de expressão, já que ainda falta um capítulo para por fim (?) à trama que se passa 60 anos antes da saga de O Senhor dos Anéis.

O Hobbit: A Desolação de Smaug (The Hobbit: The Desolation of Smaug, 2013) continua na trilha aberta em O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (2012) e ainda repleta de aventuras, perigos e surpresas para testar os nervos e a coragem do hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), dos anões, sob o comando do orgulhoso Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage) e até mesmo do mago Gandalf (Ian McKellen). A caminho da Montanha Solitária, para resgatar o Reino de Erebor (terra dos anões), tomada pelo Dragão Smaug (voz de Benedict Cumberbatch), que acorda com muita energia (e raiva) para esquentar ainda mais a história, não faltam o exército de Orcs, o transmorfo Beorn (Mikael Persbrandt), os dúbios e ferozes Elfos da Floresta: Thranduil (Lee Pace), seu filho Legolas (Orlando Bloom), e a bela capitã da guarda Tauriel (Evangeline Lilly), algumas aranhas, forças ocultas (Necromancer), atos de bravura e de covardia etc.


Longe da tranquilidade da Vila dos Hobbits, o leal Bilbo amadurece. Ao conhecer um mundo de estranhezas, povoado por raças pouco confiável, perde o ar de inocência, mas não se deixa levar pelo “cada um por si”. Quando menos se espera, lá está ele praticando mais um gesto heroico pelos seus companheiros de jornada. Entre os Elfos, que segundo Tolkien são “mais perigosos que sábios”, há revelações surpreendentes, que remontam tanto ao passado catastrófico dos anões quanto ao futuro de Legolas (em O Senhor dos Anéis)..., e, de quebra,  pitadas de um romance casual (impossível?), para acirrar ainda mais os ânimos entre Elfos e Anões.

Com roteiro de Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens e Guillermo del Toro, este segundo capítulo da saga fantástica tolkieniana é tão fascinante quanto o primeiro. Arrebata o espectador logo no prólogo, o conduz por caminhos inimagináveis da fantasia, e o deixa ainda mais ansioso pelo desfecho da história lá e cá em 2014. Dinâmica, a trama muito bem estruturada e costurada, mal dá tempo para um respiro das personagens na tela e do público na plateia. E olha que, com toda a ação, ainda há espaço para cenas de romance, ciúme, inveja, autoritarismo, sacrifício..., e o que mais a imaginação do público quiser ler e ou absorver no subtexto narrativo. O que deixa o filme mais intenso, menos brincalhão (?), mas nada mórbido. Só a divertidíssima e empolgante sequência da batalha dos barris (envolvendo Orcs, Elfos e Anões) já vale o preço do ingresso 3D.


Entre as bem-vindas novidades de O Hobbit: A Desolação de Smaug está a presença esfuziante de Tauriel, uma ágil Elfa da Floresta, que vai dar o que falar. Para quem ainda não sabe, é bom que se diga que o título do filme não se refere a uma improvável tristeza do cruel e ambicioso Smaug, guardião de um incalculável tesouro, mas ao rastro de destruição que deixou atrás de si ao destruir (e tomar) o Reino Anão de Erebor e devastar a cidade de Dale, ao pé da Montanha Solitária, e a região ao redor.

Excetuando a proporção dos Anões (que parece não haver tecnologia que dê jeito), a produção etc, como era de se esperar, continua excepcional. Programão para quem não abre mão de ver filme no cinema que, ao contrário do quê propaga um comercial de operadora de celular, ainda é diversão muito melhor e maior que a TV.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Crítica: Questão de Tempo


Na ficção literária e ou cinematográfica aprendemos que viajar no tempo pode ser tedioso ou desesperador, prazeroso ou devastador. Depende muito da intenção do viajante, ou de sua distração, como nos alerta (do Efeito Borboleta) o grande mestre e poeta da ficção científica Ray Bradbury no seu antológico conto Um Som de Trovão (já adaptado para o teatro, hq, cinema). Um dos meus filmes favoritos, atrelados ao tema, é A Mulher do Viajante do Tempo (The Time Traveler's Wife, 2009), de Robert Schwentke, que, por aqui, recebeu o ridículo título de Te Amarei Para Sempre..., e que, coincidentemente (?), é protagonizado também por Rachel McAdams.

Questão de Tempo (About Time, Reino Unido, 2013), dirigido por Richard Curtis, é uma simpática comédia romântica, com um pé na ficção científica e outra no positivismo (pós-Comte). O itinerário desta mais recente viagem no tempo, cujo viajante Tim Lake (Domhnall Gleeson) usa a memória (e o desejo!), em vez de artefato mecânico, leva ao amor e ao bem-estar da família e dos amigos. Aos 21 anos, surpreendido pelo seu pai (Bill Nighy) com a revelação de que é herdeiro natural do dom, Tim só tem um desejo: tirar proveito para arranjar uma namorada. Ele acaba “conhecendo”, às cegas, num outro tipo de viagem, a sua amada Mary (Rachel McAdams), mas vai precisar “correr” um bocado se quiser restaurar o tempo perdido e conquistá-la definitivamente. Como viajar no tempo é diferente da magia de uma varinha de condão, quando tenta ir além do combinado, mesmo que por boa causa, o custo da passagem é perturbador, já que nem toda estação é um recanto de felicidade eterna.


Questão de Tempo, com roteiro do próprio Curtis, é divertido e, em alguns momentos, de uma beleza arrebatadora, em meio a pieguice a que estão sujeitos todos os que amam alguém “in tutto il mondo”. Algumas sequências, como a da passagem do tempo do jovem casal, são muito bem resolvidas. É um filme extremamente romântico, com frescor juvenil (não necessariamente adolescente), bons diálogos, mas, por vezes, se atrapalha com o guarda-roupa (pegadinha da trama) e se arrasta com cenas descartáveis. O terceiro ato, mesmo com bons momentos, é quase claudicante. Ainda que com aura de comédia romântica (e suas armadilhas do amor e sexo), o que sobressai e envolve o espectador é a reflexão sobre a arte de atar laços e desatar nós de família e a simplicidade (?) com que Curtis soluciona o grande dilema da sua história: limites da viagem no tempo. 

O humor é o inglês (óbvio!), estranho, seco, irônico - piadas com a fonética sempre funcionam, lá. A divertida sequência “às cegas” me lembrou Woody Allen. No vai-e-vem narrativo, quem marca o seu espaço (entre os coadjuvantes) e rouba as cenas é Tom Hollander, hilário como dramaturgo mal humorado - o desabafo sobre a estreia da sua nova peça é impagável. Há uma química bacana entre Domhnall (Tim) e McAdams (Mary) e entre Nighy (pai) e Domhnall (filho). Para quem gosta de pop romântico, a trilha é propícia, mas pegajosa. Diversão descompromissada para fãs do tema viagem no tempo com uma pegada mais leve, mais romântica..., mais família.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Crítica: Um Time Show de Bola


Entendo absolutamente nada de futebol. Se muito, sei quando é gol. Zaga? Impedimento? Tiro de meta? Escalação soluço? Ponta? Bah! Porém, desde que vi o trailer da animação argentina Um Time Show de Bola, fiquei apaixonado pela expressividade dos personagens e pelo que era possível perceber da trama. A expectativa se manteve, o filme é gracioso.

Um Time Show de Bola, (Metegol, 2013), baseado no conto Memórias de un Wing Derecho (Memórias de Um Lateral Direito) do genial cartunista e escritor argentino Roberto Fontanarrosa (1944 - 2007), é uma história que rola num campo de pebolim e num de grama, envolvendo jogadores de chumbo e jogadores humanos, numa pequena e acolhedora cidade. De um lado, o tímido Amadeo (campeão do pebolim) e o arrogante Colosso (campeão dos gramados), com suas diferenças. De outro, os bonecos-jogadores listrados e grená que, libertos das barras giratórias, miraculosamente ganham vida e juntam força (mais bruta que intelectual) para ajudar Amadeo numa partida de futebol decisiva para a cidade.


A surpreendente animação em 3D, com bom ritmo, drama e humor (mesmo que perdido na versão e dublagem brasileira) traz sequências encantadoras, como a genial homenagem ao filme 2001 - Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Ou engraçadíssimas e bem resolvidas, como (todas) as do parque de diversões e das réplicas de estátuas na mansão de Colosso. As cenas de futebol (pebolim e campo) são um espetáculo à parte, principalmente as que lembram o arrepiante bailado dos jogadores brasileiros nos campos, através das lentes únicas do inesquecível Cinejornal Canal 100.

No pós-Pixar, sempre que um cinéfilo vê um brinquedo ganhando vida (compartilhada ou não com humanos) nas telas se lembra de Toy Story, talvez a mais tocante definição de fantasia no mundo animado. Ao menos para mim, a cena “made in Taiwan”, protagonizada por Buzz Lightyear, é antológica..., uma das mais emocionantes que vi no cinema. Portanto, é natural que a magia em Um Time Show de Bola, sem nenhum demérito à equipe internacional que o realizou, reporte ao clássico Toy Story.

Se bem que, na verdade, não importa muito como o boneco Capi (líder dos listrados) e os demais jogadores, entre eles Loco (o zen) e Beto (a celebridade) ganharam vida..., como ficará “claro” ao final (não convencional), já que o próprio futebol é mágico ou uma caixinha de surpresas. Assim, na animação um personagem precisa “crer para ver” a magia..., no campo o torcedor “vê e crê” na magia de um Pelé, Garrincha, Lionel Messi. Coisas da arte de viver da arte!


Segundo o corroteirista Gaston Gorali e o próprio diretor e roteirista Juan José Campanella: Um Time Show de Bola não é um filme sobre o jogo e pebolim, mas também não é um filme de futebol. É, acima de tudo, uma história de amor, amizade e superação. Campanella, aliás, alega que não gosta de futebol e torce para time nenhum. O roteiro, que ainda contou com a colaboração do escritor Eduardo Sacheri (apaixonadíssimo por futebol), é redondo e agradável até mesmo aos neófitos em futebol. Vale ressaltar a excelência da arte-concepção que, com seu padrão-mix, fica nada a dever aos grandes estúdios.

Apesar da aparência e insistência temática (egos inflados, revanches, idiossincrasias futebolísticas), no campo paralelo Um Time Show de Bola não deixa de ser (mais) um filme sobre valores humanos, com uma pegada mundial e uns chutes edificantes. Todavia, cá pra nosotros, que esta deliciosa animação, mesmo à revelia, é praticamente uma ode ao futebol, não há dúvida!

NOTA: Há duas curiosas animações (em espanhol) do conto Memorias de Um Wing Derecho, de Roberto Fontanarrosa, realizadas por Luciano Ferrero, no Vimeo: http://vimeo.com/40974629 e http://vimeo.com/43939173

domingo, 17 de novembro de 2013

Crítica: Blue Jasmine


Quanto mais velho, mais surpreendente. Assim me parece Woody Allen a cada novo filme. O seu discurso continua tocando com ironia as relações familiares, amorosas, sociais..., mas o seu olhar sempre encontra um outro viés narrativo.

Blue Jasmine é um drama no fio da navalha tragicômica que raros mestres têm habilidade para manusear com precisão.  Falar com classe e elegância sobre decadência não é para qualquer autor/diretor, naturalmente. Na trama, cuja catarse final pode justificar ou não o prólogo, Jasmine (Cate Blanchett), ex-socialite e ex-mulher-bibelô do investidor financeiro Hal (Alec Baldwin), perde o rumo e o chão, ao se divorciar, e se vê obrigada a passar uma temporada com a irmã Ginger (Sally Hawkins), em San Francisco. Decadente, na rua da amargura, mas sem perder a elegância dos tempos de fartura, enquanto não decide o que fazer da sua vida, continua sonhando alto, via web.


As duas irmãs foram adotadas quando crianças, mas o destino tratou de separá-las social e economicamente: uma para o glamour e a outra para a labuta. Enquanto Jasmine (com o mundo aos seus pés) se “aprisiona” no faz de conta, “ignorando” a lógica das aparências e os tropeços da mentira, Ginger (com o mundo fora de seu alcance) se conforma com a mediocridade da sua rotina de comerciária.  Iguais nas suas diferenças, ambas buscam a felicidade ou algo parecido no cotidiano possível. O ingrediente econômico (a gosto) que dá um sabor agridoce à vida de Jasmine, à beira de um surto, e de Ginger, voando baixo para evitar turbulências, tambem dá ponto à receita e ganha a cumplicidade do espectador que alterna sentimentos de ódio, amor e compaixão por elas. Gosta-se ou não das personagens woodyallenianas porque elas lembram gentes que conhecemos do lado de cá da vida, cuja imagem é muito mais nítida e nem se precisa efeito 3D para emular a realidade.

Blue Jasmine (2013) é um vendaval de emoções arrebatador. Allen sabe a ocasião de fazer a piada, cortar o riso, provocar a lágrima, numa mesma cena. Sob uma trilha sonora menos evocativa, é tão prazeroso quanto constrangedor a ebulição de sentimentos que provoca. O filme pode ser de Cate Blanchett, magnífica na pele de Jasmine, mas tanto Hawkins quanto Baldwin se saem bem de escada.

Num ambiente de frustrações e impulsos de vingança, crime e castigo podem ter peso e medida diferentes e ou equivalentes. Já que cada um é muito mais carrasco e vítima da sua própria vida do que imagina..., um final feliz ou à francesa é muito relativo.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Crítica: Thor - O Mundo Sombrio


O embate entre luz e trevas parece não ter fim na mitologia do entretenimento ou vice-versa. No mundo da ficção globalizada (religiosa ou pagã) há sempre alguém querendo ser dono da eletricidade e outro louco pra cortar a fiação. Heróis da luz e vilões da escuridão povoam a imaginação de adultos e crianças nas mais diversas manifestações culturais. Quando se trata de histórias em quadrinhos, então, é um esconde-esconde sem fim. Pegando carona na meada do apagão, chega aos cinemas Thor - O Mundo Sombrio.

A história se passa logo após a pancadaria desenfreada em Os Vigadores, quando Thor (Chris Hemsworth) retorna a Asgard, levando o prisioneiro Loki (Tom Hiddleston), e parte para novas batalhas na pacificação dos Nove Reinos. Mal a ordem é restabelecida e eis que surge das profundezas o pesadelo asgardiano: Malekith (Christopher Eccleston). O maldito elfo negro, derrotado por Bor, avô de Thor, acorda para o seu maior ato de vingança universal: escuridão eterna para todos! O pivô inocente útil, para que a trama se cumpra, é Jane Foster (Natalie Portman), a namorada do herói.


Filme-hq de fantasia, Thor - O mundo Sombrio (Thor - The Dark World, EUA, 2013), dirigido por Alan Taylor, mescla muito bem ação, aventura, drama, imaginação e (entre uma referência bíblica e outra) bom humor. Despretensioso (até demais) cumpre o que promete: diversão. Ao trocar acertadamente a base terráquea, (geralmente) em Nova York por Londres (Greenwich), muda, além do ritmo, o nível destrutivo das lutas. Na Inglaterra a destruição urbana é mínima, se comparada à dos seus (heroicos) concorrentes anteriores em solo norte-americano. Mas não menos intensa. Ah, o irônico humor inglês é muito melhor que o pastelão escatológico estadunidense.

Thor - O Mundo Sombrio tem excelente produção. Os cenários, com riqueza de detalhes, são extraordinários e as aeronaves inspiradíssimas. O elenco continua afinado, o que não é uma árdua tarefa, com Hiddleston roubando cena a cena. Duas emocionantes sequências, envolvendo a Rainha Frigga (Rene Russo), merecem destaque pela perfeita composição de elementos dramáticos e técnicos: a perturbadora visita a Loki, na prisão, e o deslumbrante funeral dos guerreiros asgardianos. É o que fica na memória depois de todo o caos.

Originalidade pode não ser o forte do argumento que malha o trevoso ferro frio, mas o roteiro sopra umas brasas da forja e as fagulhas que iluminam história e personagens, fazem de Thor - O Mundo Sombrio, um excelente filme-hq, mesmo com escorregadas, uma das melhores adaptações do gênero. Não acho que deva ser comparado ao ótimo shakespeariano Thor (2011), dirigido por Kenneth Branagh, porque o palco é outro. Agora a lenda cabe mais aos Céus do que à Terra que, como sempre, é um planeta pairando no meio do caminho de algum vilão intergaláctico sem planeta e ou (pior!) chegado numa escuridão.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Crítica: Gravidade


Em sua grande maioria, os filmes de ficção científica são catastróficos, tratem eles de exploração do universo ou de invasão de ETs. Talvez porque quase nada se sabe sobre o quê há “lá fora” e ou o quê poderia vir “lá de fora”. Por mais que pareça grande avanço as viagens à Lua (há quem não acredite!), estação espacial internacional, satélites de comunicação, telescópios etc..., estamos na pré-história. Aprendendo com erros e aperfeiçoando os acertos. Muita gente questiona os bilhões de dólares gastos em pesquisas espaciais, por conta das insolúveis (?) questões socioeconômicas, vistas em Elysium, por exemplo. Mas a verdade é que, com ou sem reclamação, o espaço (fronteira final!) exterior nos fascina dia e noite. Reclamando ou não todos querem saber o que há “lá”!

Gravidade (Gravity, EUA, 2013), sci-fi dirigido por Alfonso Cuarón, flutua em torno dos astronautas Ryan Stone (Sandra Bullock) e Matt Kowalsky (George Clooney). Ela, engenheira em sua primeira missão espacial. Ele, comandante veterano em sua última viagem. Durante uma rotineira caminhada espacial, para reparar o Telescópio Hubble, um acidente deixa os dois à deriva no espaço sideral. No silencioso e apavorante vazio, sem contato com o Controle da Missão, praticamente o impossível: encontrar meios para voltar a Terra.


Escrito por Alfonso Cuarón e (seu filho) Jonas Cuarón, o thriller alia técnica (direção) e o que há de melhor em tecnologia (CGI e 3D-IMAX) para contar uma perturbadora história de sobrevivência. O roteiro, na verdade, mesmo com algumas divagações melodramáticas, filosóficas e religiosas, é bem simples, mas não chega a ser banal. Com diálogos minimalistas a narrativa ganha força na minuciosa atuação (dramática) de Bullock e (zombeteira) de Clooney e na magnífica concepção plástica. Momento raro para se apreciar (em IMAX, vale cada centavo!) o mais que perfeito casamento de cenografia (lúdica) e fotografia (realista). O lúdico fica por conta de três emocionantes elementos “fantasia” no interior das bases (americana, russa e chinesa)..., lembranças que ficam.

Em um de seus poemas a mestra Helena Kolody diz que “nas nuvens cada um vê o que quer”. Penso que se dá o mesmo com qualquer obra de arte. Conforme a expectativa e ou grau de informação, estamos sempre indo além e ou ficando aquém, diante de uma obra que, muitas vezes, é apenas o que é, nada mais do que se vê ou que se lê. Mas quem resiste às alegorias que pululam na tela e nos tocam em cada poro? 

Gravidade, com seus signos e metáforas, ainda que pautado por imprecisões e liberdades poéticas (assumidas pelo próprio diretor e roteirista), pode ser visto como um belíssimo filme de ficção..., ou uma inquietante crônica metafísica sobre o princípio e o fim (das coisas), no útero do universo. A trilha (desnecessária!), não a música incidental, pode incomodar. Não é recomendado para quem tem medo de altura e, principalmente, de espaço aberto.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Crítica: Tá Chovendo Hambúrguer 2


A lógica do lucro é simples, apesar de nem sempre eficaz: se um filme vai bem de bilheteria nos EUA e no “resto” do mundo, não adianta chiar, vira, vira, vira e vai virando franquia, até cansar (?) o público fiel. É claro que nem todos os títulos e gêneros são fecundos. Muitas promessas (e apostas altas) de fertilidade (e criatividade) são abortadas no lançamento da matriz. O que (ainda) não é o caso do repasto Tá Chovendo Hambúrguer.

Estimulada pelo grande sucesso em 2009, a comédia de animação Tá Chovendo Hambúrguer 2 (Cloudy With a Chance of Meatballs 2, EUA, 2013) traz Flint e sua turma em uma aventura ainda mais surreal. Para quem não viu (?) a desastrada empreitada de Flint, no filme anterior, um prólogo o coloca no palco dos acontecimentos e continua daí. A nova trama, cuja receita mistura tecnologia (geek: sucesso a qualquer preço) e psicodelia (hippie: paz e amor), trata de dois assuntos: a busca de Flint por reconhecimento profissional no campo científico e a limpeza de ilha, coberta de alimentos produzidos pela máquina FLDSMDFR. Ambos têm um ponto em comum: Chester V, CEO da Live Corp, que, além de oferecer gratuitamente os serviços da sua empresa, para limpar Swallow Falls, convida o jovem inventor a estagiar em sua corporação. O inocente Flint, que idolatra Chester V, aceita seus préstimos, sem questionar a razão de tanta “bondade”.  


Na primeira história a comida chovia sobre os turistas e ilhéus de Chewandswallow (antiga Swallow Falls). Agora, desde que a máquina FLDSMDFR (Flint Lockwood Diatonic Super Mutating Dynamic Food Replicator) despencou na ilha, ela surge da água primordial empoçada ali. Swallow Falls está lá, ainda coberta de restos de comida, mas não é exatamente o mesmo “acidente geográfico”. À semelhança daquela que abriga o Jurassic Park, a ilha (cuja exuberância também lembra Pandora, de Avatar) poderia ser chamada de Éden-Food Island, já que está ocupada por coloridíssimas famílias de comidanimais: bananavestruzes, flamangas, serpentortas, queijaranhas, mosquitorradas, camaranzés, melanfantes, temperossauros...


Como o seu antecessor, Tá Chovendo Hambúrguer 2, dirigido por Cody Cameron e Kris Pearn, começa dinâmico, com uma fascinante estilização do interior da molecular Live Corp,  no Vale do Silício, onde Flint e milhares de outros nerds estagiam em busca de uma vaga (sim, você pode ter visto algo parecido em Os Estagiários). Porém, assim que os diretores e roteiristas caem na real (?) de que o alvo é a criançada e não necessariamente os seus acompanhantes, os dois terços seguintes se arrastam repetitivos e menos envolventes (para o adulto!). É totalmente desnecessária a explicação detalhada (duas ou três vezes) de tudo.

Por mais graciosas e coloridas que sejam as comidanimais, logo vem a conexão com a fauna extravagante de O Lorax: Em Busca da Trúfula Perdida, e Os Croods - Uma Aventura nas Cavernas. Se bem, que nesse caso, é difícil atribuir alguma culpa (ou falta de originalidade!), já que a realização de uma animação toma um bocado de tempo e, quem sabe!, pode ser mera coincidência a exploração do mundo animal absurdo.


Tá Chovendo Hambúrguer 2, apesar do roteiro relativamente simplório (para o adulto!), é uma animação simpática. Por conta da maluquice dos personagens, ela tem bons elementos para agradar a criançada (que adora brincar com a comida!). O seu humor é meio assim-assim: trocadilhos, piadas escatológicas, de duplo sentido, de sentido perdido na tradução e dublagem - só entendi algumas tiradas (como a do tomate, por exemplo) muito depois de ter deixado a sala. Em meio a mensagens edificantes chama a atenção o irônico destino do vilão. Um destino incomum na grande maioria das produções de ação e aventura, independente do seu público alvo.

Ah, adoraria ver a reação dos radicais vegetarianos, veganos, carnívoros, macrôs etc..., diante de uma comida tão linda, tão selvagem e tão viva! Será que passariam fome ou partiriam logo para a “antropofagia”?

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Crítica: R.I.P.D - Agentes do Além


Quando, pela enésima vez, não consegue reciclar velhas ideias, Hollywood recorre, pela enésima vez, ao mundo fantástico dos quadrinhos.  Entre outubro de 1999 e janeiro de 2000, a Dark Horse lançou, em quatro edições, a hilária HQ R.I.P.D (Rest In Peace Department), de Peter M. Lenkov, Lucas Marangon e Randy Emberlin, que conta a tresloucada aventura do Xerife Roy Powell e do Detetive Nick Cruz, caçadores de mortos endemoniados fujões, entre o Céu, a Terra e o Inferno. Um velho cowboy cumprindo pena alternativa e um policial buscando pelo seu assassino. A HQ, por certo enfoque, lembra o sci-fi M.I.B (1997).

Na comédia sobrenatural R.I.P.D - Agentes do Além (R.I.P.D, 2013), o policial Nick Walker (Ryan Reynolds), que serve em Boston, nos dias atuais, é morto. Por causa de um grave delito ele iria direto para o Inferno, mas, por conta de outras ações, acaba no Departamento Descanse em Paz, uma espécie de Purgatório Policial, onde é “convidado”, a integrar uma equipe que caça almas bandidas (fugitivas da Justiça Divina) que se escondem na Terra. O seu parceiro é o falastrão Xerife Roy Pulsipher (Jeff Bridges), arregimentado diretamente do oeste americano do século 19. É claro que, independente da incompatibilidade de séculos, os dois vão se estranhar até “descobrir” que, para salvar a Terra da invasão de metamorfos, vão ter de partilhar experiência e armas celestialmente mortais para os "já" mortos.


R.I.P.D, dirigido por Robert Schwentke, tem uma boa premissa, mas acaba se perdendo no previsível roteiro de Phil Hay e Matt Manfredi, que não faz questão de esconder algumas referências cinematográficas: Os Caça-Fantasmas, M.I.B, Ghost. Vagamente inspirada no título (e não na história) da HQ homônima, a comédia policial de ação não vai muito além dos clichês: tiroteio, correria, portal (mais um?!), explosões (a lá Emmerich), pieguice... O resultado é uma obra um bocado irregular. O seu humor é pontuado e varia entre o absurdo e o divertido pastelão de desenho animado. Algumas piadas, principalmente as de humor negro, são engraçadas, mas duvido que o grande público vá entender a tirada sobre o Steely Dan.  

Robert Schwentke, que se saiu bem com o simpático A Mulher do Viajante do Tempo (2009) e o insano RED (2010), parece ter turvado a vista com R.I.P.D. e se perdido na trilha da redenção.  A dupla Reynolds e Bridges tem boa química e o clichê da parceria antagônica não chega a incomodar tanto quanto os efeitos especiais que variam entre o razoável e o medíocre. Não se sabe se o CGI quer fazer jus (?) a HQ ou agradar (sem assustar) ao público juvenil. Tudo bem que é um filme esquecível e que... Do que é eu estava falando mesmo? Mas... Era alguma coisa sobre levar a sério... Ah, não importa, gostei bem mais da HQ!

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Crítica: O Tempo e o Vento


Na adolescência li um livro por causa da beleza do título: Olhai os Lírios do Campo. Hoje me lembro mais do título e do autor, Érico Veríssimo, que do enredo. E por falar em títulos interessantes, conferi no cinema as adaptações de Um Certo Capitão Rodrigo (1971), de Anselmo Duarte, com Francisco di Franco (Rodrigo) e Elza de Castro (Bibiana), e de Ana Terra (1971), de Durval Garcia, com Rossana Ghessa (Ana) e Geraldo del Rey (Pedro Missioneiro)..., ambos capítulos extraídos de O Continente, da saga O Tempo e o Vento, também do mestre Erico Veríssimo. Da minissérie O Tempo e o Vento (1985) o que ficou (dos poucos capítulos que vi), foi o belíssimo tema de abertura escrito por Tom Jobim, na sua mais perfeita tradução do tema.

Em 2013, após sete anos de preparação, 27 roteiros, e um orçamento de R$ 13 milhões, finalmente estreia nos cinemas a versão condensada de O Tempo e Vento, inspirada no tomo O Continente. O drama dirigido por Jayme Monjardim, a partir da adaptação de Leticia Wierzchowski e Tabajara Ruas, é um épico fiado ao sabor do tempo e desfiado ao sabor do vento que acalenta a memória da velha Bibiana Terra (Fernanda Montenegro), tecelã da secular história da família Terra Cambará. Seu dileto ouvinte é o mesmo jovial e fanfarrão Capitão Rodrigo (Tiago Lacerda) que há décadas apareceu por aquelas bandas: “Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o capitão Rodrigo Cambará entrara na vida de Santa Fé.”..., arrebatou o seu coração e dele não saiu nem depois de morto.


Ambicionando o todo e não apenas os dois capítulos mais populares da saga, Monjadim foca a narrativa na voz cansada de Bibiana Terra (neta de Ana Terra), que conta o quê de mais importante ouviu e viu sobre a sua família. Como a coser uma colcha de retalhos, ela vai juntando, com fios imaginários, pedaços mais ou menos coloridos de 150 anos de histórias. Algumas estampas, como a paixão de Pedro Missioneiro (Martin Rodriguez) por Ana Terra (Cleo Pires) ou mesmo a paixão dela (Bibiana) pelo sedutor Rodrigo, ganham maior relevância. Outras, pertinentes à formação do Rio Grande do Sul, como a Revolução Federalista, Farroupilha, Guerra do Paraguai, ou de menor (?) destaque na árvore genealógica Terra Camará, acabam nos contornos laterais. Ou seja, por mais que a premissa seja de uma colcha multicolorida, ela não vai muito além do tricolor. Ana Terra e Capitão Rodrigo estão ali, quase por inteiro. Somente um olhar mais apurado percebe os remendos.


O Tempo e o Vento impressiona pelo apuro técnico, não pelo roteiro (superficial) e direção claudicante (televisiva?). Excetuando o simpático Capitão Rodrigo (Lacerda, ótimo), os personagens parecem estar em cena apenas para decorar a paisagem ou a passagem de um causo ou fato, como a jovem Bibiana (Marjorie Estiano). A bela fotografia de Affonso Beato, com sua inacreditável nuance de luz e cor, dá o tom preciso da itinerância do tempo e do vento: Era assim que o tempo se arrastava, o sol nascia e se sumia, a lua passava por todas as fases, as estações iam e vinham, deixando sua marca nas árvores, na terra, nas coisas e nas pessoas (Ana Terra). Porém, filtros à parte, se nos enquadramentos externos as imagens são de encher os olhos, o uso exagerado de (efeito) Lens Flare, no interior do sobrado de Bibiana, incomoda (haja sombra tremulando!). A cena em que ela, anciã, desce as escadas é constrangedora..., nem J.J. Abrams ousaria tanto!

Jayme Monjardim disse que seu estilo (na direção) “é mais emocional, popular, mais feminino”. Logo, já encontrou o seu público.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Crítica: Elysium


Ficção científica é um assunto fascinante. Para os apaixonados, a trindade formada por Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Robert A. Heinlein é imbatível. Eu prefiro o poeta Ray Bradbury.

Quanto mais distante o retrato do amanhã, maior a confiança na ficção. Quando tragicamente viável, dói nos nervos. Em 2009 o sul-africano Neill Blomkamp surpreendeu e apavorou o mundo com o seu alegórico Distrito 9. Agora, com Elysium, seu segundo longa, o diretor novamente se utiliza da metáfora para falar de um futuro que é a cara do presente.

A trama se passa em 2154, época em que os absurdamente ricos vivem numa paradisíaca cidade-satélite (Elysium), na órbita da Terra, e os absurdamente pobres, na gigantesca favela em que se tornou Los Angeles (e o resto do mundo). Enquanto os abastados têm à disposição aparelhos Med-Pods, que curam quaisquer doenças, os favelados vivem ao sabor amargo do azar de terem nascido miseráveis e sujeitos a todos os males. Em Elysium os privilegiados são servidos por robôs, em LA os esquecidos são oprimidos por robôs..., que eles mesmos fabricam. Palcos ideais para o espectador refletir sobre utopias e distopias, contrastes e confrontos de classes.


A história escrita por Blomkamp é ferina em sua crítica aos sistemas governamentais cegos aos anseios básicos da população. Empregado de uma indústria de “droids” (robôs), o favelado Max (Matt Damon) sofre um acidente grave e decide viajar à inacessível Elysium em busca de cura. Para driblar a segurança e escapar da mira do sanguinário agente Kruger (Sharlto Copley) que, sob as ordens de Delacourt (Jodie Foster), a Secretária de Defesa, abate qualquer aeronave de imigrantes terrestres, ele decide prestar um favorzinho ao mercenário Spider (Wagner Moura). Quando se tem apenas cinco dias de vida, um sujeito desesperado não mede as consequências dos seus atos para sair do inferno e entrar no paraíso.

Elysium (2013) pode não surpreender tanto quanto Distrito 9, talvez pela proximidade temática (segregação racial e social), explicitando questões anteriormente implícitas: imigração, saúde pública, miséria, tráfico, corrupção. Mas levanta e deixa em aberto pontos curiosos. Ontem a perturbadora convivência de ETs e humanos em uma favela imunda dava um nó na cabeça do espectador. Hoje, uma favela ocupada apenas por “seres humanos”, em situação igualmente degradante, já não causa o mesmo impacto..., é notícia velha no Brasil. Em tempos de mídia-manipulação e anestesia cerebral, qual será o grito que ainda nos revolta? Tomar e domar o espaço é a solução para os problemas socioeconômicos ou apenas um meio para os poderosos se livrarem deles, como fazem os afortunados moradores da desvirtuada (?) cidade-satélite Elysium (na mitologia grega Elísio ou Campos Elísios é a morada pós-morte de heróis, poetas, justos)?


Ainda que redundante em seu argumento, Elysium se destaca não apenas por agregar crítica político-social a um filme sci-fi de ação, mas por continuar dando voz aos excluídos. Para Neill Blomkamp não há barreira que não possa ser derrubada pelos segregados. É só uma questão de tempo e ou de estratégia para que uma fronteira que não ceda pela diplomacia, acabe caindo pela força bruta. Visão tão romântica quanto trágica, numa aldeia global brutalizada por chefes (blefadores) sempre em pé de guerra com outros chefes (idem). Se o poder é a “alma do negócio”, morder também é. Efeitos especiais impressionantes e a excelência do elenco garantem um ótimo (e reflexivo) espetáculo.

Nota: Um detalhe (pairando no ar dos EUA) pode levar o espectador a viajar no iogurte tutti frutti ou no cozido de jiló, fazendo-o crer que talvez Elysium seja a parte dois (não assumida!) de Distrito 9. Por quê? Ora, por causa do objeto (espacial) de cobiça em um (pelo governo) e em outro (pelo povo). Se a aeronave alienígena estacionada no espaço aéreo de Johanesburgo contém tecnologia que interessa aos militares, a cidade-satélite Elysium contém tecnologia que interessa aos rejeitados. Ou seja, a Nave Mãe, que abrigava milhares de alienígenas doentes e subnutridos, remete (ou vira) a Elysium, a cidade-satélite que abriga a bem nutrida nata da sociedade terráquea. O céu que já foi da elite alienígena, agora é da elite (extra)terrestre.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Crítica: Invocação do Mal


Quem já viu algum filme de exorcismo, de alma penada assombrando famílias em uma casa isolada (óbvio), comprada com as últimas economias (óbvio), já viu, praticamente, todos. A variação é mínima. Invocação do Mal não foge ao clichê do gênero, mesmo apelando para o discutível “baseado em uma história real” (com fotos e tudo mais no prólogo e no epílogo).

Programados a altos decibéis, para acordar o espectador sonolento, a narrativa morna relata fatos que teriam ocorrido em 1971, envolvendo os investigadores paranormais Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga) e o casal Carolyn (Lili Taylor) e Roger Perron (Ron Livingston), que os contrata para descobrir o que há de errado com a casa em que moram com as cinco filhas. Uma simpática família comum (é claro!), um lugar tétrico, disfarçado de bucólico, casa labirinto, mobiliários antigos, portas rangedoras, cachorro vidente, relógios que param exatamente naquela hora “h”... etc. Ou seja, só pelo trilha barulhenta ou propensão o distraído espectador pode “levar” algum sustinho. Se resolver tapar os ouvidos, vai sentir absolutamente nada! 

Invocação do Mal (The Conjuring, EUA, 2013), dirigido por James Wan, sofre do mesmo mal da maioria dos filmes do gênero: o cansativo e barulhento “horror” explícito, sem nenhum espaço para a imaginação. Os gêmeos roteiristas Chad e Carey Hayes, “especialistas” no assunto, não vão além do lugar comum (citado acima) nessa colcha de retalhos apodrecidos de outras tramas genéricas. O que fica é o eficiente trabalho do elenco e o movimento de câmera de John R. Leonetti, em algumas sequências e enquadramentos.  Ainda não assisti, nestes últimos anos, a um filme tão apavorante quanto o Atividade Paranormal (2009), mesmo com o ridículo final sugerido por Spielberg.

Crítica: Rush - no limite da emoção


O cenário esportivo é o ideal para fomentar rivalidades reais e ou midiáticas. Conforme o valor (patriótico, monetário, pessoal) em disputa, a animosidade entre os competidores ganha proporções absurdas. Lauda e Hunt, Senna e Prost..., a Formula 1 está repleta de grandes duelos e de histórias emocionantes como, por exemplo, a do campeão póstumo Jochen Rindt, que morreu durante a temporada de 1970, correndo pela Lotus.

Rush, no limite da emoção (Rush, 2013), produção europeia dirigida por Ron Howard, traz para o cinema algumas das mais fascinantes páginas da crônica esportiva da Fórmula 1, dos anos 1970. Em cena: o metódico austríaco Niki Lauda e o desregrado britânico James Hunt (1947 - 1993)..., ambos em busca da corrida perfeita e, é claro, do pódio. Lauda (Daniel Brühl) e Hunt (Chris Hemsworth) deixaram para trás a tradição das suas famílias para dar rodas ao próprio sonho: competir (arriscar a vida?) em pistas de automobilismo mundo afora. Campeões que sabiam a hora certa de trocarem farpas e ou afagos. Dizem que há controvérsia sobre o relacionamento inamistoso deles..., mas como se diz: quando a lenda é maior, imprime-se a lenda!

Após breve introdução sobre o início de carreira, família, encontro e desavenças entre os dois esportistas, o excelente roteirista Peter Morgan centra foco na fatídica temporada de 1976, ano em que o líder Niki Lauda sofreu grave acidente em Nurburgring. Assim como fala de pilotos e suas regras (com e sem limites) que podem ser o diferencial na vitória ou na derrota, garantindo adrenalina ao espetáculo do grande circo da Formula 1, também desvela o curioso universo ao seu redor. Rush faz um “raio x” não tão intenso quanto o documentário Senna (2010), de Asif Kapadia, mas igualmente curioso, em uma arena que abrigava tanto a exposição festiva de Hunt (cerveja, cigarro e mulheres) quanto a introspeção de Lauda (caseiro, disciplinado, quase romântico).


Filmado na Inglaterra, Alemanha e Áustria, Rush não trata de um eventual acerto de contas do tricampeão Niki Lauda (1975, 1977, 1984) com o passado, mas da garra de dois grandes pilotos que (se) desafiaram (e as) intempéries para conquistar preciosos pontos e campeonatos, pelas vias do (simples) prazer de Hunt e ou da (forte) determinação de Lauda. Instantes de um 1976 de ânimos acirrados e que nem mesmo os percalços das curvas em circuitos ultrapassados os fizeram desistir, apesar de deixar marcas no corpo e no caráter de ambos. Vale lembrar que Rush tampouco é uma história de piloto bonzinho versus piloto mauzinho, também porque é impossível saber quem é quem na pista.

Rush tem uma produção de cair o queixo, não faltam nem as máquinas originais: Ferrari 312T2, de Niki Lauda, e McLaren M23, de James Hunt, conduzidas pelos protagonistas. A fotografia de Anthony Dod Mantle deslumbra não apenas por colocar o espectador dentro da ação, mas pela correção de imagem que a faz parecer de época. Um filme onde se busca o realismo em cada detalhe narrativo, a interpretação de Brühl e Hemsworth não poderia ser menos que impecável. Há críticos apostando em Oscar para Daniel Brühl, que rouba as cenas. Um filme imperdível para amantes de corridas e ou de cinema. Um dos melhores do ano.

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