domingo, 30 de dezembro de 2012

Ensaio Cinematográfico: A Indústria Radical



A Indústria Radical
Leitura de cinema como arte-inquietação
Organizado por Ravel Giordano Paz e Fabio Akcelrud Durão

Ao longo do século xx, ao passo que o desenvolvimento técnico revelava-se em toda a sua potência monstruosa e o capitalismo atingia seu auge com a imposição do American way of life, o cinema se afirmou com uma duplicidade que o marca até hoje: a de um grande negócio e uma grande arte. Os próprios recursos técnicos cinematográficos, assumidos como desafios estéticos ou meras vantagens, se instauram na base dessa duplicidade, e a alimentam permanentemente.

As respostas a essa tensão fundamental são tão diversas quanto o são os cineastas, senão os filmes, que se atreveram a enfrentá-la, e esta coleção de ensaios de vários autores, dividida em duas seções-provocações – "Clássicos, indomáveis?" e "Ágons contemporâneos" –, reúne uma pequena mas significativa amostra dessas possibilidades.

Se em Cidadão Kane, objeto do estudo que abre o volume, é ainda à grandeza interior do humano – embora tragicamente tolhida pela engrenagem do capital – que se presta o uso inovador dos recursos técnicos, o antiestetismo visceral da recente "estética" camp, sobre a qual se debruça o derradeiro ensaio do livro, escancara o desvalor extremo que passou a cercar o humano.

Portanto, se o caráter tão humanamente promissor do cinema é indissociável de sua dignidade estética, é nos extremos da desumanização que se põe à prova e, enfim, se realiza efetivamente esse "caráter": essa sempre dolorosa porquanto irrealizável promessa, do humano em tempos desumanos. Irrealizável ou realizável apenas como mentira consumada, e daí, talvez, a frequente necessidade de sabotá-la, como o fizeram, de formas diferentes, cineastas como Pasolini, Buñuel, Joaquim Pedro de Andrade, Glauber Rocha, David Cronenberg, David Lynch, Lars "von" Trier e Sérgio Bianchi. Ou então de levá-la a extremos que a reafirmem para além das lógicas instituídas: seja a dos renitentes maniqueísmos, o que vale para muitos dos citados e ainda para o Beto Brant de Crime delicado e para os documentários de Errol Morris e Eduardo Coutinho; seja a dos limites da vida regulada, como nos filmes de Herzog, documentários ou não, sempre demandantes de uma radicalidade viva.

A própria "fábrica de sonhos" e seus padrões são muitas vezes afrontados e desconstruídos nessas empresas radicais: e não apenas por cineastas (como os David: Lynch e Cronenberg) que transitam por ela, como por um Sérgio Bianchi que encena a agonística dos gestos dramáticos com o real da vida num diálogo com Machado de Assis; ou um Glauber Rocha cuja paródia delirante dos filmes de ação e glamour, em Terra em transe, cria um espelho sinistro – e, com ele, a consciência implacável – da alienação que mesmo os gestos estéticos radicais não eliminam. Gestos, no entanto, que não deixam de ressoar em nichos poderosos do próprio parque industrial, como atestam as leituras aqui empreendidas da trajetória do vilão singelamente cult-mainstream Darth Vader e dos clássicos do wersternestadunidense, com suas violentas tensões entre o imaginário, o real e o ideológico.

Ravel Giordano Paz



Em quinze ensaios,
um diálogo denso e complexo com o cinema.


• Citizen Kane: gosto de caos e plenitude / Suzi Frankl Sperber
• Édipo rei de Pasolini / Sílvia Maria Azevedo
• "Silêncio!... Filmando (a estupefação)": mutismos em Luis Buñuel / Julio Augusto Xavier Galharte
• O famigerado "baile" da sétima arte: antropofagia de códigos em Macunaíma de Joaquim Pedro (e Mário) de Andrade / Daniela Soares Portela
• Terra em transe: vida, paixão e morte do poeta / Antônio do Amaral Rocha
• Desconcertos de obras bravias: a ópera, o filme e a selva em Fitzcarraldo, de Werner Herzog / Fabiana Abi Rached
• Da fronteira entre o mito e a política: a formação nacional dos EUA nos filmes de faroeste / Cassiano Terra Rodrigues
• O crime delicado de Beto Brant e Felipe Ehrenberg / Paulo Moreira
• Mulholland em Hollywood, Hollywood em Mulholland: drive (with) me. David Lynch e histórias do cinema hollywoodiano / Lígia Maria Winter
• A dialética da intoxicação em Mistérios e paixões / José Carlos Felix, Charles Ponte e Fabio Akcelrud Durão
• Das entranhas em flor: Anticristo de Lars Trier / Ravel Giordano Paz
• Sérgio Bianchi, aprendiz de Machado / Antonio Manoel dos Santos Silva
• Filmes sem futuro: reflexões sobre fins e finais em documentários de Errol Morris e Eduardo Coutinho / Bruno Carvalho
• O Jedi de mil faces: construção e desconstrução da criatura – e do criador – da saga Star Wars / Ademir Luiz da Silva
• Pink Flamingos e a gênese do camp cinematográfico / Pedro Leite


A Indústria Radical - Leitura de cinema como arte-inquietação (408 páginas - R$70,00) - Nankin Editorial.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Crítica: O Impossível



Final de ano sem um inspirador melodrama cinematográfico (edificante), baseado em fatos reais (sempre) envolvendo estadunidenses superando (seus) limites físicos e mentais, a serviço da união e do amor em família..., não é fim de ano hollywoodiano. Mas, será que nessa Árvore de Natal, enfeitada com lágrimas brilhantes, corações abertos e risos de satisfação, há espaço para um enfeite estrangeiro, digamos, espanhol?

Parece que sim! Apostando na emoção sem limites, estreia O Impossível (Lo imposible, Espanha, 2012), filme-catástrofe hiper-realista, dirigido por Juan Antonio Bayona (O Orfanato), que tem como pano de fundo o tsunami que devastou a costa asiática no dia 26 de dezembro de 2004. Baseado na história real da família espanhola Belón, que virou a britânica Bennet (marketing?)..., o drama acompanha os dias de terror vividos pelo casal Maria (Naomi Watts) e Henry Bennet (Ewan McGregor), e seus três filhos: Lucas (Tom Holland), de doze anos, Thomas (Samuel Joslin) de sete e Simon (Oaklee Pendergast) de cinco, que passavam férias em Khao Lak e foram gravemente feridos e separados pelo acidente natural que atingiu a paradisíaca Tailândia.


O roteiro de Sergio G. Sánchez é seco, sem subtramas, vai direto ao nervo para contar a luta pela sobrevivência e reunião dessa família vitimada pelo devastador tsunami, que deixou cerca de 300 mil mortos. Uma família comum (entre muitas) que, durante o sinistro, não se distinguia muito de qualquer outra (local ou turista) sobrevivente, mas que protagonizou uma história “tão inacreditável que a gente não acredita” ser possível. O elenco se entrega com paixão (e dor!) aos seus papéis. Falar o quê da excelência de Watts e McGregor? É mais fácil elogiar a ótima estreia do expressivo Tom Holland e o cativante trabalho dos pequenos Samuel e Oaklee, que, com a naturalidade de qualquer criança, põe a reboque os grandes.

Bayona é preciso na direção de atores e de ação. A impressão é a de que, em se tratando de efeitos e cenografia, evita o exagero..., lhe interessa o essencial, o natural. Aí, o menos se torna muito mais e o que se vê na tela é apenas o que a vista alcança na vida real. O tsunami dura aproximadamente 10 minutos, mas o realismo das imagens é tão intenso e apavorante que parece infindável. Não há exploração gratuita do sofrimento dos sobreviventes desnorteados, apenas o seu registro. Nem mesmo a catástrofe vira espetáculo. Algumas das cenas mais aflitivas, vividas por Maria (Watts) e Lucas (Holland), são de uma delicadeza arrebatadora.


O Impossível não é totalmente isento de clichê. Tem uns dois sutis (válvula de escape?) dispensáveis e uma sequência inicial, no mínimo, estranha (ou fora de contexto!) em que o mar é mostrado como uma entidade maligna (?) à espreita dos incautos turistas na praia, na iminência do seu ataque. Realmente não consegui entender a “metáfora” do “mar monstro”, segundo o diretor e o roteirista. A exagerada trilha chorosa, digo, sonora, de Fernando Velázquez, irrita (!) nos momentos “chora coração!”.

Quem assistiu a docs e ou telefilmes na época, ou mesmo posteriormente, no cinema, ao Além da Vida (2011), de Clint Eastwood e ou o sul-coreano Tsunami, A Fúria do Oceano (2009), vai encontrar alguns pontos em comum, principalmente na reconstituição da avassaladora onda de 98 metros de altura. O bilhete deixado pela mulher de um sobrevivente, inclusive, apareceu em muitos telejornais, emocionando telespectadores em todo o mundo. Todavia, essas observações (muito pessoais) não chegam a sequer arranhar esta produção espanhola com padrão comparável ao melhor do gênero americano.  


O Impossível é visceral e não recomendado para quem tem estômago delicado e ou para quem gosta de se empanturrar de pipoca e refri. A narrativa é incômoda (ferimentos expostos, precariedade hospitalar) e, cá pra nós, é preciso ser muito sádico (ou estar faminto) para apreciar um lanchinho diante da desgraceira generalizada que se vê na telona. Enfim, cada um sabe do seu estômago. Ah, é aconselhável não esquecer o lenço (mesmo de papel). Nunca se sabe se vai ser útil para as lágrimas e ou...

sábado, 15 de dezembro de 2012

Crítica: As Aventuras de Pi



A certa altura da sua história (evolutiva) o homem conceitualizou o Divino nas Coisas da Natureza e a Ciência na Natureza das Coisas. Desde então o embate entre a Religião e a Ciência é contínuo..., e a Fé é um exercício de dois lumes a serviço do abstrato e do concreto.

As Aventuras de Pi, que não é um filme de aventuras, mas de reflexão sobre a essência de Deus, do Homem, do Animal e da Ciência, e por isso seria mais correto manter o título original A Vida de Pi (Life of Pi, EUA, 2012), é um momento raro no cinema, neste finalzinho de 2012 de bobagens homéricas nacionais e norte-americanas. Dirigido pelo genial Ang Lee, para quem não existe esse nhenhenhém de “infilmável”, As Aventura de Pi é uma das mais impressionantes viagens sensoriais (em qualquer “D”) já feitas no cinema. É impossível ao espectador ficar alheio à fascinante narrativa e ou aos incomparáveis efeitos especiais 3D (vale cada centavo!). Nunca o uso da tecnologia foi tão pertinente a serviço da sétima arte.


As Aventuras de Pi é baseado no premiado livro homônimo de Yann Martel, lançado em 2001. O autor se inspirou em uma passagem do livro Max e os Felinos, de Moacyr Scliar (1937 - 2011), publicado em 1981. As duas histórias (pelas sinopses) têm pontos em comum e ou divergentes em suas alegorias, envolvendo jovens perdidos em alto mar e na companhia ocasional um felino (jaguar e tigre). Na web há farto material sobre este caso que deu água pra muita praia. No YouTube pode ser visto um breve vídeo-depoimento de Moacyr Scliar, e no Portal Baixa Cultura pode ser lido, na íntegra, o texto-depoimento do escritor brasileiro sobre a polêmica apropriação da ideia central de seu livro. O fato de, a princípio, ter sido negada e depois confirmada, por Martel, a inspiração para a sua obra (que também não li), não tira o mérito da adaptação de David Magee e da belíssima realização de Lee.

O drama começa com o tranquilo Pi Patel (Irrfan Khan), já adulto e vivendo em Montreal, no Canadá, contando emocionado a sua fantástica história a um incrédulo escritor (Rafe Spall). O seu relato é curiosíssimo e a narrativa que vai se desenhando na tela é de encher os olhos, tirar o fôlego, provocar palpitações, tamanha é a sua beleza (também) visual. Quando nos damos conta do envolvimento com a divertida explicação lógica do seu estranho nome (Pi), na idílica infância (Ayush Tandon), e com os seus profundos questionamentos sobre religião e ciência, na inquieta adolescência (Suraj Sharma), felizmente é tarde demais. Cativos, só nos resta acompanhar extasiados a sua saga de náufrago, dividindo (também) o mar e o barco com uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre conhecido por Richard Parker.


Pi Patel é um personagem tão atraente quanto aqueles que povoam as páginas da rica literatura indiana. A sua matemática de sobrevivência e observações sobre Deus (onisciente, onipresente, onipotente), a quem busca compreender desde criança, no hinduísmo, no catolicismo e no islamismo, é comovente. Talvez seja mais fácil perceber no outro, do que em nós mesmos (solitários na mesma cobrança e vítimas da idiossincrasia capital), que, aquilo e ou aquele que não se tange nos constrange. Ou como diz este belo poema curto de Helena Kolody (1912 - 2004), Viagem Infinita: Estou sempre em viagem./ O mundo é a paisagem/ que me atinge/ de passagem.

A intensa reflexão de Pi sobre a vida (em terra ou em mar) e a que nos serve a religião e ou a ciência quando a morte bate à porta, nos remete ao A Árvore da Vida (2011), de Terrence Malick, jogando luz em alguns “pontos obscuros” para o grande público. Não sei quanto o roteiro de Magee é fiel ao livro de Martel, mas Ang Lee deixa claro que está fazendo um filme e não um tratado, porém, sem fugir à discussão filosófica do seu desesperado personagem, sempre rápido na ironia que dispensa até a um kit de sobrevivência. Daí que, se o espiritualista vai por água abaixo o espirituoso assume o leme.


Pi Patel (personagem de si mesmo) e Lee (personificador do outro) são ilusionistas de belas (e às vezes trágicas) palavras e belas (e às vezes trágicas) imagens. Ambos contam e recontam a história do náufrago que sobreviveu por 227 dias em alto mar. Há um sabor agridoce na narrativa de ambos. Quando oralidade e cinema se confundem, palavras e imagens não se bastam na respiração suspensa do espectador que, ao final, deverá decifrar o que a luz esconde e ou a sombra desvela em cada relato.

Dizem que nem tudo o que brilha é ouro e ou que o substantivo é mais importante que o verbo e ou que o cinema é ilusão a 24 quadros (Peter Jackson, em O Hobbit, está apostando em 48)... Pi diz que “A fome pode mudar tudo o que você sabia sobre si mesmo.” Se, em sua desconcertante narrativa, Ang Lee nos conduz além de qualquer dogma cinematográfico, o seu fotógrafo Claudio Miranda, confundindo os nossos sentidos, deixa claro que na arte não existe ponto final.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Crítica: O Hobbit: Uma Jornada Inesperada


Depois de muito diz-que-diz e sai-não-sai, eis que finalmente, para a felicidade geral da nação Tolkieniana, estreia O Hobbit, que, de um, virou dois e três. O filme de aventura e fantasia, com ação muito bem calculada, chega cheio de novidades tecnológicas para todos os gostos e bolsos (2D, 3D, 3D High Frame Rate (HFR), IMAX). 

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, Nova Zelândia, EUA, 2012), é baseado no clássico da literatura infantil O Hobbit, do escritor J.R.R. Tolkien. Aclamada pela crítica, a premiada obra acabou recebendo suaves alterações (ou ajustes) em edições seguintes e se tornou uma espécie de prólogo à saga literária O Senhor dos Anéis, cuja adaptação cinematográfica foi vista há quase dez anos.


Muita gente (sem ver o resultado!) anda dizendo que, ao contrário de O Senhor dos Anéis (com suas mil e tantas páginas), O Hobbit se bastaria em um único filme, alegando não haver material literário para três. Grande equívoco!  Julgar uma obra literária pela quantidade de páginas e um filme pela duração é simplificar a criatividade do seu autor, a capacidade narrativa do roteirista e do diretor. A excelência de um filme independe de sua metragem e muito menos da fonte inspiradora, que tanto pode vir de uma mera frase, uma nota de jornal, um poema, quanto de um romance enciclopédico. Para quem se deliciar com esta versão de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, os próximos “capítulos” são: O Hobbit: A Desolação de Smaug (2013) e O Hobbit: Lá e de Volta Outra Vez (2014).

Com roteiro de Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson e Guillermo del Toro, o primeiro filme da nova trilogia, dirigida por Peter Jackson, é diversão de qualidade para novos e velhos fãs do Universo Tolkien. A narrativa bem-humorada, repleta de personagens e situações novas, acompanha a jornada épica do pacato e caseiro hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), do Mago Gandalf (Ian McKellen) e de um grupo de 13 anões, liderados por Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage), para resgatar o Reino de Erebor (terra dos anões), tomada pelo Dragão Smaug.


A viagem rumo às Terras Ermas é longa e perigosa o suficiente para que os 15 determinados guerreiros provem a união do grupo e a sua força e coragem no enfrentamento dos fantásticos: Trolls, Orcs, Wargs, Goblins... Nessa empolgante caminhada, onde são fortalecidos os laços de amizade e reatados os de confiança, Bilbo conhece o enigmático Gollum (Andy Serkis, sublime) e, de quebra, os dois protagonizam a melhor sequência da trama. Vale destacar também as brilhantes performances de Freeman, McKellen, Armitage..., e participações muito especiais de atores/personagens inesquecíveis que retornam à Terra Média: Ian Holm (Bilbo velho); Elijah Wood (Frodo); Cate Blanchett (Galadriel); Christopher Lee (Saruman); Hugo Weaving (Elrond); Orlando Bloom (Legolas).

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada tem um bom ritmo (de leitura) e uma riqueza de detalhes impressionante. Gandolf diz que "Todas as boas histórias merecem embelezamento" e O Hobbit esbanja também nesse quesito.  Entre outras maravilhas, quem resiste à convidativa e graciosa aldeia dos hobbits e ou ao deslumbre de Valfenda? Tecnicamente (em 2D), é praticamente irretocável. O praticamente é porque, com tanto tecnologia, ainda me incomoda (desde a trilogia passada) a desproporção dos anões (que nunca estão do mesmo tamanho). A trilha sonora é bacana e o canto dos anões emociona.

Quanto à duração (que consome seis capítulos, mas parece tratar apenas de um), acredito que o prazer de ler e ver depende da história e do seu narrador. Se a narrativa é agradável você quer que ela demore o maior tempo possível. Se não, deixa a sala e ou fecha o livro.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Crítica: O Homem da Máfia



Para o norte-americano, se algum tema não vira naturalmente filme, uma forçadinha no argumento sempre vem a calhar. Máfia é um deles, mexe e vira recheio vencido de comédia de gosto duvidoso ou tira-gosto de thriller policial embaraçoso, feito O Homem da Máfia, que leva a vida “matando suavemente” em plena crise econômica recente.

O Homem da Máfia (Killing them  Softly, EUA, 2012), de Andrew Dominik, chegado a um pastiche de Tarantino, sem o humor negro, e de Sam Peckinpah (1925 - 1984), sem a criatividade e ou conteúdo estético, é um típico cinema-pegadinha. Ou seja, engana (bem!) com seu preciosismo (de araque) e ares de “modernidade”. Baseado no livro Cogan´s Trade, de George Higgins, o roteiro pífio do próprio Dominik gira em torno de um acerto de contas entre bandidos falastrões de todas as classes sociais, porém igualmente estúpidos e ou imbecis. Verborrágica e capenga a narrativa acredita se bastar em conversa fiada sem fim sobre o órgão sexual masculino e variações sexuais, traições conjugais..., e “técnicas de punição exemplar”. Os conservadores escritores e roteiristas estadunidenses parecem felizes com as suas “descobertas” sobre as prazerosas funções “pecaminosas” do “dick”. Haja!!!!


A “trilha” condutora da “ação” é o áudio e, às vezes, alguma imagem televisiva, analisando a crise financeira, que afetou e também desorganizou o crime organizado. Enquanto os discursos de Bush e Obama, em plena campanha eleitoral, pipocam na telinha, três bandidos basbaques, Frankie (Scoot McNary), Russel (Ben Mendelsohn) e Johnny (Vincent Curatola), aproveitando uma “falha na segurança?” (me poupe!) e acreditando na impunidade (santa ingenuidade!), assaltam uma casa de jogo clandestino. Era para ser engraçado o assalto a uma casa cheia de caricatos mafiosos truculentos? Sorry!

Ora, ora, ora, hein..., os pés de chinelo não perdem por esperar (já o espectador com QI...!) porque a vingança da máfia, através do assassino de aluguel Jackie (Brad Pitt), será “maligna” (ou exemplar!). Conversa vai e conversa vem e conversa vai e conversa vem e entra em cena um tal de Mickey (James Gandolfini), matador grandalhão, beberrão e chorão, apenas para introduzir momentaneamente a única presença feminina no filme, a prostituta Hooker (Linara Washington), protagonizar um abominável erro de continuidade..., e depois sumir. O filme tem outros furos (sem ser de bala), mas deixa pra lá.

Assim, abusando de “diálogo” enfadonho clichê, discurso econômico-eleitoral clichê e violência clichê, a história se arrasta, ‘ironizando” a crise econômica, que não poupa nem os assassinos (obrigados a dar um descontinho básico pelo serviço), e o capitalismo de ocasião dos presidentes norte-americanos. É o suprassumo da inteligência clichê torrando a paciência dos (poucos) espectadores que resistirem a tentação de deixar a sala antes do pretencioso final.

Ah, além da violência em diversos ângulos de câmera lentíssima, O Homem da Máfia tem algumas músicas bacanas e excelentes performances de McNary e Mendelsohn.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Crítica: A Escolha Perfeita



Em Hollywood vira-se a câmera para todo e qualquer assunto que pareça cinematográfico. É claro que nem todo assunto resulta em um bom filme, por mais que force a barra. Se argumentos não faltam, o mesmo não pode ser dito dos roteiros pífios e diálogos ridículos. Mal que vem assolando também o cinema e a televisão brasileira com chulices.

Depois do bom e divertido Rock of Ages (2012), de Adam Shankman, com Tom Cruise, que não caiu no gosto popular, eis que nos chega A Escolha Perfeita, um outro bom e também divertido musical, cuja sinopse (e cartaz!) engana. Na verdade, A Escolha Perfeita não é assim exatamente um musical, mas um filme sobre a paixão de universitários (norte-americanos) pela música cantada a cappella (a capela), ou seja utilizando tão somente o divino dom (ou seria tom?) da voz.

A Escolha Perfeita (Pitch Perfect, EUA, 2012) é uma comédia leve (previsível desde o título) que aborda o universo de grupos musicais acústicos, formados por universitários estadunidenses, e as concorridas competições onde mostram todo o potencial da voz humana como um fascinante instrumento melódico. Recheado de velhas e novas canções pop, em deliciosos arranjos, o filme dirigido por Jason Moore, cujo público alvo é o adolescente e o jovem adulto, é uma versão suave do livro homônimo de Mickey Rapkin.


O roteiro de Kay Cannon acompanha a chegada de Beca (Anna Kendrick), aspirante a DJ em LA, na universidade e o seu envolvimento com o grupo vocal Bella, liderado pela intransigente Aubrey (Anna Camp), com franca colaboração da subserviente Chloe (Brittany Snow). O “famoso” grupo, depois do vexame da última apresentação, está sendo reestruturado e agrega meninas estranhas (deslocadas!), onde se destacam a “gorducha” Fat Amy (Rebel Wilson) e a suave e inaudível Lilly (Hanna Mae Lee), que roubam todas as cenas. Na subtrama, um relacionamento amoroso morno de Beca com o bom rapaz e bom cantor Jesse (Skylar Astin) e a rebeldia tardia (desajustamento social!?) da garota.

A Escolha Perfeita conta uma boa história (de superação e amadurecimento) com ironia e charme jovial, passando mais ou menos ao largo de dramas familiares e bullyng estudantil. Tem piadas para todo gosto (as politicamente incorretas sobre judeus estão entre as melhores). O casal de críticos, John (John Michael Higgins) e Gail (Elizabeth Banks), fazendo comentários ácidos sobre os conjuntos vocais são impagáveis..., lembra os dois velhos rabugentos de Os Muppets.


É um filme bacana e divertido na sua esquisitice. Porém, não fossem as “escorregadas” em (basicamente) três sequências de interferência escatológica (o público alvo deve gostar!) que quebram a harmonia da narrativa, feito uma voz desafinada atravessando uma boa canção, poderia ser muito melhor. O apêndice fétido que ataca o estômago sensível (às adversidades) de Aubrey e ou provoca uma briga (sem pé nem cabeça) entre duas gerações de cantores é mais uma daquelas gratuidades (rendosas?!) da qual Hollywood parece não querer abrir mão tão cedo.

Contratempos cômicos e dramáticos (ou referências: Glee, Fama) à parte, A Escolha Perfeita é uma produção com força musical para emocionar e contagiar o espectador. Tem um elenco competente e uma trilha razoável, que ganha muito com os arranjos a cappella. É um bom programa para fãs do gênero. Só pelos números musicais já vale uma olhadela.

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