sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Crítica: Tudo Pelo Poder



Em briga de cachorro grande, ou melhor, de burro grande, sedento de poder, o melhor a fazer é assistir de camarote. É claro que sair respingado de lama é uma possibilidade, mas quem entra num circo, com o picadeiro em chamas, é para se queimar, não é?
  
Baseado na peça teatral Farragut North, de Beau Willimon, Tudo Pelo Poder, dirigido por George Clooney, se passa em Des Moines, Iowa, a poucas semanas do partido democrata escolher o candidato ideal para concorrer à Presidência dos EUA. No primeiro ato o foco está nos bastidores da campanha do governador Mike Morris (George Clooney), um político liberal cujo discurso progressista vem despertando interesse em todos os segmentos da sociedade. Determinado a vencer este jogo ele confia na jovialidade e eficiência do diretor de comunicação Stephen Myers (Ryan Gosling) e na supervisão do experiente Paul Zara (Philip Seymour Hoffman), que travam um corpo a corpo com o maquiavélico Tom Duffy (Paul Giamatti), que trabalha para o candidato Senador Pullman. No segundo ato, a descoberta de fatos graves, um envolvendo a estagiária Molly Stearns (Evan Rachel Wood) e outro que relaciona Myers a Duffy, podendo comprometer toda a campanha, coloca em cheque o compromisso do jovem assessor com a verdade do candidato que defende e aquela em que ele acredita.


O drama, com todos os elementos pertinentes ao thriller político, faz um coeso exercício de reflexão sobre integridade humana. Clooney (o diretor), que escreveu o roteiro, com Grant Heslov e Beau Willimon, mergulha com maestria num assunto que sempre rende muito na imprensa americana: fidelidade (partidária e familiar), explorando bem o afiado papel das redes de comunicação nas investidas da dissimulada colunista política Ida Horowicz (Marisa Tomei).

Ao desenhar a (des)construção de um candidato ao governo americano, a narrativa (catártica para muitos espectadores) propicia uma leitura que vai muito além do “belo” discurso óbvio (dos sacrifícios nacionalistas) que embala o cinismo dos pretendentes ao cobiçado cargo de “senhor do mundo” e daqueles que o assessoram. Uma leitura que melancolicamente reforça o velho pensamento de que, quando se faz concessões, abre-se mão dos sonhos coletivos. Num jogo em que a dialética se torna retórica e se entorna em eloquência, e a única alternativa é ganhar, talvez o idealismo não seja tudo afinal.


No vale Tudo Pelo Poder, cabe a Sthephen Myers a função de abrir e fechar as cortinas do palco montado para o show impecável de Mike Morris, ambos prisioneiros do próprio discurso (moralizador?). Aí é que a excepcional fotografia de Phedon Papamichael faz a diferença. Sem ser redundante, compõe no cenário, através de luz e sombra, aquilo que o diálogo oculta ou o que não precisa (ou não pode) ser dito. É à meia-luz que, por duas vezes, somos apresentados a Myers. Na primeira, ele é o sujeito iluminado que sonha o sonho do seu candidato e sai das sombras (do poder) para testar o som (e não o discurso), num palco (à meia-luz), degustando as palavras. Na segunda, ele é o sujeito frio que volta às sombras (do poder) para falar sobre os rumos da campanha, num palco (à meia-luz), degustando o silêncio. Na política os refletores podem iluminar, com a mesma intensidade, sonhos e pesadelos. Mas, na penumbra, todas as falas são parcas.


Nas coxias, onde segredos são desvelados e tramas são tecidas, pode se perder a inocência, mas não o (bom ou mau) caráter. Quando a traição iminente alcança o ponto e muda a representação, já não importa quem “apunhalou” e ou se deixou “apunhalar”, uma vez que os despojos apenas mudarão (ou não!) momentaneamente de mãos. Não fosse a política brasileira repleta de escândalos explícitos que (provados e comprovados) dão em nada, e assim continuará enquanto o eleitor brasileiro (obrigado a votar) não se importar, o excelente Tudo Pelo Poder, na exposição crua do lixo (corrupção, mentira, blefe, chantagem) que nos embriaga, até causaria algum barulho. Com narrativa e atuações magníficas, ele é, sem dúvida, eficiente e (ainda) necessário (ao público jovem), mas no atual estágio do Paraíso da Impunidade, nem marola.

3 comentários:

  1. Joba, que droga: cheguei em Campo Grande, agendei de ver esse filme e ele saiu de cartaz... O jeito vai ser esperar sair em vídeo. Vc viu Trabalho Interno (Inside Job), um documentário sobre a crise de 2008? Um amigo postou um texto sobre esse filme no arquivos críticos (dê uma olhada) e eu estou vendo aos poucos, no youtube. Muito bom!
    E muito bom seu texto, pena que não dá pra matar a vontade de ver o filme agora.
    Grande abraço!

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  2. Ah, sim: linkei lá no blog: arquivoscriticos.blogspot.com

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  3. Olá, Ravel.
    Tudo Pelo Poder é um filme fascinante.
    Acredito que vá gostar.
    O bom é ver no cinema, mas...
    Trabalho Interno, está aqui e na lista de espera.
    Alimentar três blogs não é fácil.
    Assim que puder dou uma olhada na matéria do Arquivo Crítico.

    Abração.

    T+
    Joba

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