quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Crítica: O Preço do Amanhã


O diretor neozelandês Andrew Niccol é um caso à parte em Hollywood. Estreou muito bem, no roteiro e direção do genial Gattaca - A Experiência Genética (1997), e continuou surpreendendo como roteirista do belíssimo O Show de Truman - O Show da Vida (1998), argumentista do divertido O Terminal (2004) e, ainda, como roteirista e diretor do polêmico O Senhor das Armas (2005). As suas histórias, sem efeitos especiais mirabolantes, causam estranheza e inquietação, mas são críveis, como esta curiosa metáfora O Preço do Amanhã (In Time, EUA, 2011). 

Nesta nova ficção científica, com base em seu próprio roteiro, Niccol fala de um futuro, onde a população é dividida em duas classes: rica e pobre. Ambas envelhecem até aos 25 anos, quando, então, recebem um relógio subcutâneo e passam a adquirir quanto tempo quiserem de vida futura. Para os abastados o tempo é um investimento, um grande e rentável negócio. Para os miseráveis é praticamente uma sentença de morte. Ter tempo é ter dinheiro. Ter tempo é ter poder. Assim, enquanto a classe baixa vive uma distopia, à mercê da conquista do tempo escasso, a classe alta vive uma utopia, gastando o seu tempo com frivolidades. O que faz a gente pensar num velho trava-língua: O tempo perguntou pro tempo: Quanto tempo o tempo tem? O tempo respondeu pro tempo: O tempo tem tanto tempo quanto o tempo que o tempo tem


Personagens de mundos antagônicos, Will Salas (Justin Timberlake) é um honesto operário que trabalha para ganhar mais tempo para ele e a mãe, e Sylvia Weis (Amanda Seyfried) é a riquíssima filha de um magnata do tempo, aborrecida com tanto privilégio e segurança 24 horas. Após dois incidentes na periferia, Will se vê no direito e obrigação de penetrar o mundo dos ricos, onde conhece a bela garota. Sendo um estranho numa terra estranha, logo se mete numa grande confusão e, por conta do enfezado Timekeeper Raymond Leon (Cillian Murphy), um policial linha dura, a sua vida toma um rumo inesperado, capaz de abalar as estruturas de toda a sociedade. 

O Preço do Amanhã é uma interessante fábula futurista, com muita ação e suspense, que discute, mesmo que superficialmente, o totalitarismo e o tênue fio das suas ramificações. Num breve prólogo fala das conquistas da ciência e retrata os arredores de uma grande cidade, onde as pessoas trabalham muito, para comprar seus minutos a mais de vida. Para os marginalizados, passar dos 25 anos é viver no fio da navalha. Com certeza essa gente preferiria envelhecer e morrer normalmente, mas a medicina evoluiu e agora só morre quem não tiver tempo suficiente em seu novo relógio biológico subcutâneo. A juventude eterna custa caro, a vida eterna, também. Num futuro onde o dinheiro foi abolido e a “moeda” de compra e venda é o tempo, uma minoria (capitalista) ganha e a maioria (descapitalizada) perde. Ou seja, o valor monetário continua sendo uma abstração, só que “sutilmente” fatal. E esta é uma eficiente forma de controle populacional e de extermínio de “endividados”. 


Independente da simplificação do perspicaz argumento, em “ganho” de uma narrativa mais palatável (?), é interessante ver como Niccol envolve (ou defronta) o espectador e seus personagens com o fator tempo, abrindo um leque para diversas leituras e divagações sobre o custo da juventude eterna, os percalços da imortalidade, e ou se o homem é ou não escravo da infinitude do tempo. Ainda que a referência seja inconsciente, ao tratar da relação trabalho e lucro, faz um cinéfilo mais atento se lembrar de (pelo menos) dois clássicos: A classe operária vai ao paraíso (La classe operaria va in paradiso, Itália, 1971), de Elio Petri (1929 - 1982) e Bonnie e Clyde - Uma rajada de balas (Bonnie and Clyde, EUA, 1967), de Arthur Penn (1922-2010). O que, de forma alguma tira o mérito desta boa e inusitada história, que pode não ser o melhor de Andrew Niccol, mas tem o seu DNA. Além de excelente produção e um elenco jovem competente.

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