quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Crítica: Comer, Rezar, Amar



Crítica: Comer, Rezar, Amar

Comer, Rezar, Amar (Eat Pray Love, EUA, 2010), baseado no best-seller homônimo da escritora Elizabeth Gilbert, com direção de Ryan Murphy, deve agradar muitas mulheres e alguns homens. O drama, leve e romântico, com bons atores, bela fotografia, cenários deslumbrantes, gente bonita (é claro!), boas doses de espiritualismo e de espirituosidade, entretém o público (leitor ou não do livro) e o leva numa jornada, no mínimo curiosa (a três cantos do mundo), em busca de um significado para a vida. Ou seja: Comer, na Itália, Rezar, na Índia e Amar, na Indonésia. Simples, não?

O casamento de Elizabeth Gilbert (Julia Roberts) com Stephen (Billy Crudup) está em crise e a alternativa é o divórcio. O novo relacionamento com o jovem ator David Piccolo (James Franco) é monótono. Com a autoestima abaixo de zero e criatividade em recesso, Liz decide que o melhor negócio a fazer é se dar um tempo (de um ano), abrir o baú onde guarda a coleção da National Geographic, escolher um destino e sair pra conhecer lugares, culturas, gentes diferentes, em busca da felicidade. Assim, se pra comer, basta ter fome (já que saco vazio não para em pé), o lugar (divertido) é a Itália. Se pra orar basta ter fé (já que alma seca vira pó), o lugar (ideal) pra meditar e fazer as pazes com o eu interior é a Índia, com todos os seus contrastes e confrontos religiosos e sociais. Se pra amar basta ter alguém que queira compartilhar o prazer (já que a falta de sexo atrofia o corpo e a mente) e a paradisíaca Bali está logo ali, então, por que perder tempo?


Na Itália, Elizabeth conhece um povo feliz (até demais) com seu “dolce far niente” e libido à flor da pele. Ali se empanturra de boa comida, sem medo de engordar. Vale lembrar que os italianos não gostaram nenhum pouco da forma caricata que foram retratados no filme. Bem, mas nossa viajante não estava mais lá. Havia chegado a hora de rezar na Índia, onde conhece Richard do Texas (Richard Jenkins), um americano em busca de redenção, com quem aprende a meditar. Com o domínio da coluna ereta, a mente quieta e o coração tranquilo, ela segue viagem para Bali, onde reencontra o Xamã Ketut (Hadi Subiyanto), com quem se consultara em uma viagem anterior, e colide com seu atual companheiro Felipe, na pele do ator espanhol Javier Bardem, que até se esforça pra falar algumas palavras em português mas..., é melhor deixar pra lá. Também porque já é estranha demais a história de um brasileiro nato, que saiu do Brasil com vinte anos, pra morar na Austrália, e duas décadas depois ainda não domina o inglês. Não desmerecendo o sensacional Bardem, mas será que o Brasil não tem nenhum ator capaz de viver o papel com a mesma competência, mas sem o sotaque espanhol? Sei não! Coisas de mercado!

Assim como qualquer livro de autoajuda, onde o autor escreve exatamente o que o leitor quer ler, Comer, Rezar, Amar (o filme) mostra ao espectador que (principalmente quando se tem dinheiro) é sempre possível dar uma guinada na vida pra ajustar o que está fora de ordem. É claro que, quem não tem dinheiro, como Liz, não pode se deixar abater. Qualquer coisa, em vez de guinar (durante um ano) pela Itália, Índia e Indonésia, guina-se por aqui mesmo, nem que seja por um mês, comendo, rezando e amando. Trópicos à parte, a verdade é que esta produção positivista, leve na sua exposição das diversas faces do amor (possessivo, amigo, doentio), apesar dos seus 130 e tantos minutos de duração, é bem capaz de provocar alguma mudança nas espectadoras.


Gastronômico, religioso e romântico, o filme pode empolgar, pela plasticidade e didatismo, fazendo parecer mais simples (do que é realmente) uma mudança de comportamento (e de vida), quando a juventude já ficou pra trás. Não sei quanto deve ter saído essas “férias” prolongadas, mas deve ter ficado mais em conta que sessões de terapias com um bom psiquiatra. Enfim, dado um bom desconto na visão caricata e folclórica que o americano tem do resto do mundo, o filme-livro, de Ryan Murphy e Elizabeth Gilbert é até correto.

Agora resta esperar a versão cinematográfica do cômico Drink, Play, F@#K, do escritor Andrew Gottlieb (em resposta a Comer, Rezar, Amar), que fala de Bob Sullivan, um sujeito que foi abandonado pela mulher e decidiu dar uma guinada na sua vida: Beber, na Irlanda, Jogar, em Las Vegas, e F@#K, na Tailândia.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Crítica: Cabeça a Prêmio


Crítica: Cabeça a Prêmio

Cabeça a Prêmio (Brasil, 2010), de Marco Ricca, é um drama policial (?) tenso, arrastado e diferenciado, na sua forma de narrar uma história de traficantes, sem muitos tiros ou violência explícita, comuns nesse gênero de filme. O roteiro (pouco convincente) não é lá dos mais originais. A não ser que falar de tráfico e desestabilidade familiar (ainda) seja novidade e o Nelson Rodrigues não tenha sido avisado no além. Todavia (pelo menos isso), a história baseada no romance homônimo de Marçal Aquino, que colaborou no desenvolvimento do roteiro (de Marco Ricca e Felipe Braga), desceu do morro (tradicional em outras recentes produções) e foi se assentar no centro-oeste, ali na fronteira entre Brasil, Paraguai e Bolívia.


A "cabeça a prêmio", do título, pode se referir a um dos personagens ou a (quase) todos. Miro (Fulvio Stefanini) e Abílio (Otávio Müller) são dois irmãos que dividem o lucro de atividade pecuária e de contrabando. Eles contam com o “prestimoso” serviço de dois capangas (o que há de melhor e o que merece algum destaque na fita): Brito (Eduardo Moscovis), um assassino frio e carente de amor, (afinal: hay que ser duro pero sin perder la ternura jamas), que se apaixona pela ex-prostituta Marlene (Via Negromonte) e Albano (Cassio Gabus Mendes), um assassino falastrão (“Eu sou bom, mas estou do lado errado!”) e mulherengo. Elaine (Alice Braga) é a filha mimada e “esperta” de Miro e Jussara (Ana Braga - em atuação constrangedora). O leva e traz muamba é Dênis (Daniel Hendler) e o seu o contato fronteiriço é Porfírio (Cesar Troncoso).

Cabeça a Prêmio é falado em português e espanhol. A fotografia crua, (por vezes) lânguida, de José Roberto Eliezer, e a ausência de trilha sonora condutora de emoções, dão um ritmo curiosamente contrário ao que se espera (influência do Dogma 95?). Se bem que a monotonia tem a ver com aquele fim de mundo onde até mesmo o tráfico parece significar nada, em meio a terras de ninguém. No entanto, essa disritmia é o “calcanhar de Aquiles” que faz a produção escorregar perto do fim, perdendo o rumo feito uma tumble weed, aquela planta do deserto que rola solta nos filmes de bang-bang.


Ao apostar na sugestão do ato criminoso e na violência implícita, Ricca promete uma diferença que não se cumpre, já que, excetuando os diálogos minimalistas e as expressivas presenças de Moscovis e Gabus Mendes, há nada pra sustentar um filme que parece, então, mais longo que a história narrada. Também porque a “inflamada” desestruturação da Família Menezes soa ridícula, em sua pretensão de escândalo, até mesmo naquele interior. Se focasse apenas na crônica amorosa e no dilema da vida assassina, de Brito e Albano, poderia render um filme muito bom. Mas, com o imbróglio da “decadente” família de Miro, um obeso mórbido e disforme que não sabe lidar com seus sentimentos, fica (e muito) a desejar.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Crítica: Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme


Crítica: Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme

Há algo em comum entre o excelente Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme (Wall Street: Money Never Sleeps, EUA, 2010), de Oliver Stone e o superestimando Origem (Inception, EUA, RU, 2010), de Christopher Nolan. A premissa dos dois é a mesma: o capitalismo selvagem (ou canibalismo capitalista), a ganância, a ambição, a trapaça, a mentira, a corrupção, a “independência” financeira (e o domínio de mercado) a qualquer custo. Mas também há algo diferente na forma de narrar (e tratar) o tráfico de informação (e de influência) e as sutilezas que formalizam um roubo quase perfeito, quando se planta idéias tendenciosas na “cabeça” das “vítimas” de ocasião.

Em Wall Street, um (vilão executivo) engana muitos (através de sugestão), para ficar com toda a riqueza possível. Em Origem muitos enganam um (através de sugestão), para ficar com toda a riqueza possível. Se no filme de Stone a sugestão se dá através da perícia no uso da palavra (mentirosa), fazendo com que pessoas (mesmo aliadas) tomem medidas drásticas, em Nolan a sugestão se dá através dá perícia do uso da palavra (mentirosa) na lavagem cerebral, provocando uma reação imprevisível. No entanto, a carga de signos e significados de Oliver é muito mais rica e melhor trabalhada, na briga de gente grande, do que a de Christopher. Para um, o que conta são os percalços da vida real (mais ou menos) como ela é. Para o outro, o que vale é a via de um pesadelo (mais ou menos) sem fim. Um é preciso, direto e certeiro, como (espera-se) uma aposta na Bolsa de Valores. O outro prefere complicar o cochilo, para parecer inteligente. Enquanto Oliver Stone trabalha com peças, jogos e gráficos (lógicos) e trilha sonora chique, ilustrando e reforçando (subliminarmente) a narrativa, Christopher Nolan se vale de mirabolantes e belos efeitos especiais e música vigorosamente intrusiva, para distrair a atenção do espectador de uma narrativa frouxa.


Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme traz de volta, 20 anos depois, Gordon Gekko (Michael Douglas), mais dissimulado que nunca. Segundo ele, além de regenerado, muito bem (in)formado. A prisão foi uma escola valorosa. Ali teve tempo suficiente para saber o que deu errado no seu grande golpe e aprender como corrigir as falhas de estratégia, numa eventual reincidência. Fora das grades, ele vai descobrir que as cartas (e o dinheiro) só mudaram de mãos. Agora, quem banca o jogo é Bretton James (Josh Brolin), um desafeto seu. Todavia, ainda é um jogo onde cabe um ou mais jogadores: o jovem talentoso do ramo de investimento, Jacob Moore (Shia LaBeouf), que namora, Winnie Gekko (Carey Mulligan), sua filha, e ele, o próprio garganta profunda: “Não diga mentiras sobre mim, que eu não direi verdades sobre você”.

A narrativa de Wall Street é elegante, ao falar da “gente fina” que pratica crimes nos bastidores, sempre em busca do prazer de ter mais, muito mais dinheiro. Não há tiroteios, cenas de explosivas perseguições (a pé, de carro, trem, ou avião), de mortes espetaculares. A maldade, aqui, está nos detalhes das obras de arte, da arquitetura gráfica de NY, do “cheek to cheek”..., entre bolhas de sabão. Assim como na tênue luz que testemunha as negociatas sombrias. A narrativa é precisa, direta, sem enrolação. Não é preciso nenhuma formação em economia, administração de empresas, especialização em investimento financeiro ou sequer ter visto o Wall Street - Poder e Cobiça, de 1987, para acompanhar o convincente roteiro de Allan Loeb e Stephen Schiff. Afinal, o Brasil é um palco rico no ramo da falcatruagem. Quase diariamente somos inundados por denúncias de políticos e empresários envolvidos nas mais diversas fraudes. O consolo é que, na ficção, sempre é passível de punição.


Oliver Stone, que parece até dono do próprio nariz, faz raros filmes de qualidade, feito esse, e muita coisa (equivocada) esquecível, principalmente os mais “politizados”. Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme, é muito bom na sua “crítica” ao sistema financeiro (e à especulação generalizada), mas não é perfeito. Apesar da montagem e trilha fascinantes e boas atuações, tem um pré-final previsível e um final maionese com ketchup, tipicamente americanos. Se bem que, pensando na crise de lá, é até coerente..., e pra família (americana) nenhuma botar defeito no seu positivismo exacerbado e esperançoso, num céu de bolhas que insistem em pipocar. No entanto, esse é um (pequeno?) detalhe clichê que não compromete (tanto) o que o precedeu.

domingo, 19 de setembro de 2010

Crítica: O Bem Amado


Crítica: O Bem Amado

Dirigido pelo irregular Guel Arraes (que também assina o roteiro em parceria com Miguel Paiva), finalmente estréia em Curitiba a comédia (?) O Bem Amado (Brasil, 2010), fazendo o espectador sentir saudade da novela, da minissérie, do Odorico Paraguaçu, de Paulo Gracindo (1911 - 1995), da Judicéia Cajazeira, de Dirce Migliaccio (1933 - 2009), do Dirceu Borboleta, de Emiliano Queiroz, do Zeca Diabo, de Lima Duarte.

O Bem Amado fala de um prefeito corrupto que constrói um Cemitério em Sucupira, cumprindo uma promessa de campanha, e como não consegue inaugurá-lo, por falta de um morto sequer, trata de arranjar uma forma de “provocar” alguma morte e ficar bem com seus eleitores e acalmar a oposição. No cinema a história virou um vídeoclip onde se embaralharam, num ritmo alucinante e sem decodificador, curioso material de telejornais, boa música, fotografia e figurino (genéricos) almodovarianos, narrativa confusa, “piadas” velhas e sem graça, personagens gritadores... Assim (como em Origem, de Christopher Nolan) o espectador não se atém às falhas de roteiro ou precariedade da narrativa.


A “comédia” (comum às produções da Globo) tem cara de especial televisivo de pés de barro, onde só falta a claque de gargalhadas compradas. Se bem que não sei se seria o suficiente para provocar algum riso no público mais exigente. É um filme que começa e termina sem um rumo definido. Não namora e nem desocupa a moita onde a farsa, a sátira, a ironia de Dias Gomes provocava os fiéis à tradição, à família e ao patrimônio (político e religioso). As divertidíssimas irmãs cajazeiras foram tão descaracterizadas que (agora) não passam de três solteironas aborrecidas. E a peça-mestre acabou se diluindo, quadro a quadro, em sequências de nada.

Produção muito inferior à obra levada à televisão e ao teatro, essa versão cinematográfica é elencada (como sempre) pelos globais (de sempre), com seus tiques (de sempre) dos personagens que “interpretam” no momento televisivo: Zezé Polessa encarna uma Dorotéia Cajazeira, com a mesma entonação “cômico-dramática” de Sofia, da tola novelinsossa Escrito nas Estrelas; Tonico Pereira (Vladimir, dono do jornal A Trombeta) continua sendo o chato Mendonça, chefe de Lineu (Nanini), no cansativo A Grande Família, de onde parece que Andréa Beltrão acabou de sair, para travestir a Marilda em Dulcinéia Cajazeira. Quanto à caricaturice de Caio Blat e Maria Flor, vivendo o casal Neco Pedreira e Violeta (“igual que nem” a todos os casais dos filmes de Arraes), com seus diálogos em soquinhos, “sutaqui” nordestino encariocado, cuja sensualidade fica abaixo de zero, é melhor nem comentar. Encabeçam a trama, mas também sem convencer: Marco Nanini (Odorico Paraguaçu), Matheus Nachtergaele (Dirceu Borboleta), José Wilker (Zeca Diabo), Drica Moraes (Judicéia Cajazeira).

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Crítica: Como Cães e Gatos – 2



Como Cães e Gatos – 2

Os cães e gatos estão de volta, mais preparados e muito mais divertidos. Agora, lutando juntos, pelo seu próprio bem e de toda a humanidade. É que os agentes não esperavam ter de enfrentar um problema de proporções globais que atende pelo singelo nome de Kitty Galore.

Parodiando os mais diversos filmes policiais, de agentes secretos (a abertura é puro 007) e de suspense, Como Cães e Gatos – 2: A Vingança de Kitty Galore, dirigido por Brad Peyton, é ação e aventura do começo ao fim. Desta vez o tema não é o ciúme, mas o trauma, causado pela rejeição e pelo abandono. Kitty é uma gata, ex-agente da M.I.A.U, que, ao ser perseguida por cães policiais, sofre um acidente. Rejeitada pela sua família humana ela tem sede de vingança. Diggs é um pastor alemão que cresceu num abrigo de filhotes abandonados e saiu de lá para integrar o Esquadrão Canino da Polícia de São Francisco, fazendo parceria com o policial Shane (Chris O’Donnell). Ansioso, querendo “mostrar serviço”, acaba sempre metendo as patas traseiras pelas dianteiras (acho que é isso), criando muita confusão. Ao ser dispensado da corporação Diggs é requisitado pela DOG, agência secreta dos cachorros, para uma importante missão: caçar Kitty Galore e impedir que ela alcance os seus malignos objetivos.


O grupo de caça é o mais improvável: dois cães (o agente Butch e o novato Diggs), uma gata (a especialista Catherine) e um pombo (o atrapalhado Seamus, que viu o que não devia e, por isso, corre risco de vida). Eles sabem que, sem a união de forças, estarão “perdidos na selva”. Assim, meio desconfiados, juntam as patas, as garras e o bico, e vão à luta. Uma verdadeira briga de bicho grande e com direito ao que há de mais espetacular em equipamentos de última geração. Aliás, tecnologia sofisticada não está apenas nas patas e garras dos bichos em ação. O avanço tecnológico e o treinamento de animal-ator (desde o primeiro filme de 2001) evoluiu tanto, que é praticamente impossível saber quem é animal, animatrônico ou boneco.


Um dos grandes achados, em meio a tanta paródia, é o da hilária visita da equipe animal (para entender a loucura de Kitty) ao insano Mr. Tinkles (do primeiro Como Cães e Gatos), preso em Alcatraz, feito o Hannibal Lecter, do clássico de suspense O Silêncio dos Inocentes. Mesmo quem nunca ouviu falar de Lecter, com certeza, vai se divertir com a sequência no famoso presídio. Escrita por Ron J. Friedman e Steve Bencich, com base nos personagens criados por John Requa e Glenn Ficarra, a comédia tem diálogos malucos, um ritmo alucinante e piadas engraçadas. É uma produção que não subestima a inteligência do público infantil ou adulto e cumpre o que promete: muita diversão. Falar mais é entregar os melhores momentos deste pastelão animal que ainda brinda o espectador com um curta estrelado por Papa-Léguas e Coiote e, ao final, com uma série de vídeos de cães e gatos, pinçados do YouTube.

domingo, 5 de setembro de 2010

Crítica: Nosso Lar


Crítica: Nosso Lar

Muitos fãs ou crentes sempre fazem questão de não entender que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, assim como um livro é um livro e um filme é um filme..., ou algo parecido. Cinema e literatura têm tanto pontos convergentes quanto divergentes. E daí, se ao final há um e ponto ou e vírgula? Nenhum espectador público ou privado deve ver ou deixar de ver um filme ou qualquer espetáculo que seja só porque leu uma crítica favorável ou contrária. Espectador que é espectador (ou seria cinéfilo?) assiste o que quer, para ter a sua própria opinião, concordante ou discordante e (aqui, sim) ponto!


Nosso Lar (Nosso Lar, Brasil, 2010), com roteiro e direção de Wagner de Assis, é um drama da vida além morte, baseado no livro homônimo psicografado (em 1944) pelo médium Chico Xavier (1910 - 2002), através do espírito de André Luiz. Ele narra a venturosa caminhada de André Luiz (Renato Prieto) na Terra e numa Cidade Celestial que existiria acima do nosso planeta. André é um médico (viciado em seu trabalho) que, dado a exageros alimentares, contrai uma doença terminal. Considerado um suicida (pelo excesso praticado), morre e esperta no umbral, um tipo de purgatório, e ali convive com torturadores e torturados (num sofrimento aparentemente sem fim), até ser resgatado e levado para uma clínica. Ao despertar, agora num admirável mundo novo, ele questiona aquela realidade e a sua própria morte, toma consciência dos seus “atos pecaminosos” e atinge a redenção, conquistando o Nirvana. Ali, fora do hospital, numa cidade que parece saída diretamente de um fantasioso livro de contos maravilhosos ou de um filme de ficção científica sobre totalitarismo, com projetos arquitetônicos futuristas ou retrô (alguns de gosto bem duvidoso) ele terá oportunidade de (re)encontrar velhos conhecidos, acertar as contas com o passado e desenvolver poderes psíquicos, em prol dos desencarnados.


A produção que se destaca pelo uso de alta tecnologia digital nos efeitos especiais, um avanço também no gênero cinereligião realizado no Brasil, acaba abusando e provocando indigestão. Em algumas sequências o resultado passa do deslumbrante ao brega numa rápida mudança de foco. Como um filme não se faz (ou se basta) apenas com “roupa bonita”, Nosso Lar, com forte didática doutrinária e um clima que vai do horror gótico à ficção (variada), sem esquecer as parábolas bíblicas, carece de algo mais. O que se vê na tela é uma história pouco profunda, incômoda na sua carolice que, como toda e qualquer religião, tenta se impor sobre os (pobres) fiéis mais pelo temor (a alguma Divindade) do que pelo amor ( a alguma Divindade). É claro que, oferecendo a alternativa hipócrita do livre arbítrio (de fachada) onde só existem dois caminhos possíveis: o “certo” e o “errado”. Lembrando que não importa qual seja o escolhido, já que, quem decide qual é o “certo” e ou o “errado”, não é o humano comum (que fez a sua “livre” escolha), mas alguma Divindade poderosa (que se acha) acima do bem e do mal. Luz ou trevas é o buraco negro de todas as religiões, acredita-se ou não. E ponto!


Nosso Lar traz um elenco de (sempre os mesmos) atores carimbados (globais) ligados no automático em curto-circuito. A atuação do grupo principal, além de teatral, é sofrível. Parece aquelas espetaculosas apresentações religiosas dubladas, onde os atores precisam apenas abrir e fechar a boca, para parecer real. Não há conivência, envolvimento, entrega ao personagem. Tudo bem que o texto (aqui) não ajuda, mas se o ator acreditar nele, o espectador também acreditará. Pieguice à parte, para quem não é fiel ardoroso, Nosso Lar (infelizmente) soa apenas como um cinecatequese que pode mais afastar do que conquistar adeptos à sua causa evangelizadora. Se o tratamento dado à obra de André Luiz e Chico Xavier não foi dos mais felizes, o uso da trilha sonora de Phillip Glass, também decepciona. Ela se tornou intrusiva (e chata) demais, aparando arestas, preenchendo lacunas, conduzindo emoções... Lastimoso ainda é o figurino hippie judaico-cristão, com suas túnicas e togas comuns nesse tipo de filme evangélico ou de ficção (até mesmo científica) “zen”. Com a moda indo e vindo no tempo, não deve ser fácil projetar trajes, para uso futuro ou no além, que fujam dos pretensos angelicais.


Para quem pensa que o filme é ruim porque é brasileiro está muito enganado. Há centenas de tralhas estrangeiras (piores até) que têm a religião como pano de fundo. Os indigestos abacaxis mais recentes foram: O Livro de Eli (The Book of Eli), dirigido pelos irmãos Albert e Allen Hughes, filme evangélico estrelado por Denzel Washington, e Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones), filme espírita dirigido por Peter Jackson. Para quem quer ver uma obra-prima, recomendo Depois da Vida (Wandafuru Raifu), filme japonês dirigido pelo mestre Hirokazu Kore-eda, em 1998.
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