quarta-feira, 21 de abril de 2010

Crítica: ALICE, de Tim Burton


Alice, de Tim Burton
e a descoberta de si mesma

Quem conhece as fantásticas aventuras de Alice (No País das Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice Encontrou Lá) de Lewis Carroll, pode estranhar um pouco esta releitura de Tim Burton. Mas, é só se deixar levar pela imaginação e entrar de cabeça neste “novo” mundo onírico, de beleza ímpar, e encontrar a Alice (Mia Wasikowska), o Chapeleiro Louco (Johnny Deep), o Gato Risonho a Lebre de Março, a Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter)..., para se sentir novamente em casa ou quase lá. Já que, com a adaptação, a personalidade de cada um ganhou características ainda mais acentuadas. Como era de se esperar, Burton faz (realmente) uma releitura muitíssimo pessoal de Alice, criando situações bizarras, num espetáculo visual empolgante e sem muito apelo tecnológico. Nem mesmo o 3D é usado com todo o seu potencial.

Quem (jovem ou adulto) nunca teve uma dúvida, um problema que lembrasse o pior dos seus pesadelos (mesmo que a preocupação não fosse para tanto) que dê a sua cabeça para ser cortada pela língua afiada da Rainha Vermelha (de Copas). Para ela, o que conta não é o tamanho da cabeça, mas a (sua) insensatez. Aos 19 anos, numa festa (surpresa) de noivado, antes de dizer sim, ao pretendente a futuro marido, Alice prefere seguir um Coelho Branco, que veste colete vermelho e está sempre atrasado. Ela só vai saber se é o mesmo Coelho, que povoou seus inexplicáveis sonhos infantis, ao cair num buraco que a levará (de volta?) a um mundo subterrâneo..., ou dentro de si mesma. Alice não tem certeza de já conhecer o lugar e os curiosos habitantes que a questionam sobre a sua real identidade: Quem é você? Você é a Alice real? Você é a mesma Alice que já esteve aqui?..., mas, sabe que terá de resolver o enigma que a aflige, para nãos ser devorada por si mesma.

Alice (Alice in Wonderland, EUA, 2010) é um filme em três tempos. Fala de uma Alice criança e seu pesadelo recorrente, que a leva pra um subterrâneo País das Maravilhas, onde vive aventuras alucinantes, rodeada de seres malucos; depois, de uma Alice jovem, em uma viagem pra dentro de si mesma, rumo ao subterrâneo maravilhoso de uma mente confusa, em busca de autoconhecimento; e, por fim, de uma Alice quase adulta, que vence os seus próprios demônios e, livre dos fantasmas do passado, pode tranquilamente traçar o seu futuro e encontrar o seu lugar no mundo.

Se no País das Maravilhas, de Carroll, ou na visão lisérgica da Disney, tudo parecia (apenas?) uma divertida aventura para a Alice, na interpretação de Burton, o País Subterrâneo pode até parecer um Paraíso Maravilhoso, mas esconde armadilhas fatais e o tempo para desarmá-las pode não ser tão flexível, quando não se é mais uma criança sonhadora. Por que será que, quando crianças, todos querem (logo) se tornar adultos e, quando adultos, correm atrás da infância (não vivida) perdida? Alice é uma obra de arte (literária) que pode propiciar tantas leituras diferentes, e até discussões inflamadas, quanto se queira. Se, como escreveu Helena Kolody (1912-2004), em 1986, Significado: No poema/ e nas nuvens/ cada qual descobre/ o que deseja ver, então, nas entrelinhas da Alice de Lewis, pode muito bem se esconder (e ser encontrada) a estranha Alice de Tim, que não caiu no gosto dos leitores e espectadores mais conservadores, mas que, também, possibilita leituras que, com certeza, passam ao largo da imaginada pelo diretor.

Alice traz uma garota feminista, independente, voluntariosa, teimosa e até mal educada, cuja história no País Subterrâneo é um tanto quanto genérica à que vive no País Supraterrâneo. Vitorianamente contemporânea! O filme tem um bom ritmo e deve agradar, em cheio, mais ao jovem adolescente do que a criança, que pode ficar enfeitiçada pelo seu eletrizante visual, mas não entender os diálogos divertidos, porém confusos, para quem não conhece o jogo de palavras original. Se bem que, se for do tipo que dá asas à imaginação, num badalar qualquer das horas, ela vai (ter que) encontrar um Coelho Branco atrasado, digo um Lewis Carroll tomando chá ou um Tim Burton cortando cabeças animadas. Então, é melhor que seja agora.

Os fãs do diretor sabem que ele gosta de coisas cruas, obscuras, estranhas e, assim, Alice é um receptáculo da melhor qualidade. É mais um filme híbrido de Tim Burton. Ou, o lado “luminoso” do (realmente) sombrio Alice (Neco z Alenky - Alemanha, Inglaterra, Suíça, Tchecoslováquia, 1988), do grande mestre tcheco da animação em stop-motion: Jan Syankmajer, onde Alice (Kristýna Kohoutová) divide “o palco” com fantoches, bonecos feitos de ossos, restos de brinquedos, meias, sucatas, velharias, animais empalhados..., que vão se desmanchando e se reconstruindo durante a incômoda saga de pavor. Um e outro bem ao gosto de Jung.

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