sábado, 27 de março de 2010

Crítica: Como Treinar O Seu Dragão


Mais uma vez (como não poderia ser diferente) a DreamWorks surpreende, do princípio ao fim, com o seu belo e divertido Como Treinar O Seu Dragão, uma animação em 3D estereoscópico que, com certeza, vai agradar até mesmo os adolescentes.

Como Treinar O Seu Dragão (How to Train Your Dragon, EUA, 2010), com roteiro e direção de Chris Sanders e Dean Deblois (dupla responsável pelo sucesso de Stitch, o alienígena fora de lei mais pirado do universo animado, em Lilo & Stitch), é baseado na série literária (homônima) de Cressida Cowell. A história se passa no tempo dos vikings e numa terra apavorada por ferozes dragões, onde vivem Soluço e a “sua” turma, em busca de identidade, querendo marcar território, aprendendo táticas “infalíveis” para vencer os terríveis inimigos alados. Soluço é um garoto franzino que foge ao padrão viking de ser. Ele tem idéias mirabolantes, avançadas demais, e pouco diálogo com o pai, chefe do clã..., na verdade é mais um monólogo de Stoico, o Imenso, quando se encontram. O ferreiro Bocão é a única pessoa que lhe dá atenção e se preocupa com ele. Numa manhã, após um terrível ataque noturno dos dragões, Soluço encontra um animal ferido, tipo Fúria da Noite, a quem dá o nome de Banguela, e a sua vida literalmente vira de ponta cabeça. Aliás a vida de toda a tribo vira de ponta cabeça. E é só o começo de muitas confusões cheias de bom humor.


Como Treinar O Seu Dragão tem um visual estonteante, um domínio de técnica excelente e personagens cativantes. O ótimo filme está bem próximo de A Espada Era Lei (1963), grande clássico produzido pela Disney e dirigido por Wolfgang Reitherman. Os dois garotos são magricelas, tímidos e sonham grande. Arthur é cavalariço, quer se tornar um cavaleiro e, enquanto esse dia não chega, se vê envolvido com as agitadas e malucas aulas de Merlin, preocupado com a sua formação escolar, já que ele está destinado a ser rei. Soluço, ajudante de ferreiro, quer ser o maior caçador de dragões da sua terra e, enquanto esse dia não chega, se vê envolvido com as perigosas e movimentadíssimas aulas práticas de Bocão, preocupado com a sua sobrevivência, já que ele está destinado a ser o chefe do vikings. O diferencial está no fato de Soluço (pouca coisa mais velho) querer ir além da mera curiosidade sobre a magia da vida e o mundo ao seu redor, no seu caso, partilhado por terríveis e enigmáticos dragões. Ele quer aprender tudo sobre as feras e, talvez, mudar este relacionamento fatal para todos (dragões, homens e, de quebra, ovelhas). Bem, se sobrar tempo, também conquistar a bela Astrid.

Como Treinar O Seu Dragão, com seus adolescentes (Soluço, Astrid, Melequento, Perna-de-Peixe, Cabeçaquente e Cabeçadura) decididos a se tornarem os melhores caçadores de dragões, se saírem vivos dos assustadores treinos, é ação do começo ao fim. As cenas de ataque e contra-ataque são espetaculares, e as dos vôos dos dragões (em 3D a gente viaja junto) são deliciosamente inesquecíveis. Mas, além do irretocável visual, está um filme tocante, que fala do valor da amizade entre os iguais e os diferentes, bem como da união de forças e da importância da conversa, do diálogo, principalmente entre pais e filhos. Ele trata dos mais diversos e necessários relacionamentos sem ser piegas e muito menos didático. Não há discurso ou sermão, tudo é dito (sem perder o humor) de forma direta..., e sem deixar sequelas. Bem ao gosto de qualquer público que vai ao cinema em busca de diversão e não de lição de moral. É um imperdível filme de aventuras que, arrisco a dizer, já nasceu clássico!

segunda-feira, 22 de março de 2010

Crítica: O Livro de Eli


O Livro de Eli
um Mad Max evangélico

Depois dos dramas católicos com muita ação e aventura: O Código Da Vinci (The Da Vinci Code, EUA, 2006) e Anjos e Demônios (Angels & Demons, EUA, 2009), dirigidos por Ron Howard e estrelados por Tom Hanks, eis que chegou a vez de um novo filão religioso: o evangélico. Mas não é pra qualquer evangélico, não. É para aqueles xiitas de carteirinha que decoram a Bíblia (Antigo Testamento) lá deles, e acreditam em tudo que está escrito, sem questionar e sem ter a menor idéia da intenção daquelas lendas judaicas repletas de violência e recheadas de erotismo.

Já foi dito que após uma terceira guerra mundial o homem voltaria à barbárie e lutaria com paus e pedras e eventuais flechas. Em O Livro de Eli a premissa é outra, voltamos aos anos 1970, com tudo que a vida hippie tem direito, e mais um ingrediente: a barbárie (será pelo excesso de drogas?) bestificante. Aliás, não é só à década de 1970 que voltamos, não, na viagem passamos pelos mais variados fragmentos de filmes de ficção científica (clássicos e muito trash italiano hecatombista, em que a Bíblia é a culpada por todas as desgraças do mundo) com uma fixação maior na série Mad Max, de George Miller: cenário, figurino, diálogo estranho: “o mundo de antes”. Não falta nem música antiga (velha mesmo). Não sei porque os “produtores” de trilhas sonoras de sci-fi adoram música velha. Não importa qual o lugar (tempo) futuro, a música é sempre rock ou pop antigo. Será que no futuro (hollywoodiano), excetuando a esquisitice de Star Wars, de George Lucas, os músicos vão se ocupar com outras coisas ou caçar uma profissão mais lucrativa?

O Livro de Eli (The Book of Eli, EUA, 2010), dirigido pelos irmãos Albert e Allen Hughes, fala (com pouca originalidade) de um mundo pós-apocalíptico, onde só os homens (violentos) e mulheres (submissas), na faixa dos 30 anos, sobrevivem em meio a canibais e iletrados (?), ou a “serviço” de Carnegie (Gary Oldman), um homem esperto, na faixa dos 50 anos, cujo poder está (?) no fato de saber ler (e pensar?). Ele sonha dominar todos os sobreviventes (sem noção) que chafurdam na barbárie, através de ensinamentos (lavagem cerebral) contidos num livro antigo. O que ele não contava é que o tal livro (sagrado?), procurado pelo seu esquadrão assassino, está em poder de Eli (Denzel Washington), um andarilho (tipo guerreiro ninja) que também sabe ler e tem lá as suas razões para guardá-lo e defendê-lo a qualquer custo.

Isso posto, começam as desavenças (no salve quem puder) em nome do Deus de cada um em busca da “paz” e do “renascimento do homem civilizado”. De um lado, o “vilão” querendo se apropriar de um livro que traria textos sagrados que ensinam como dominar multidões através do (subliminar) bom uso da palavra divina. De outro, o “herói” acreditando que a sua missão evangélica é muito mais nobre, já que foi uma voz (divina?) que indicou onde estava o único (?) exemplar do tal livro e o encarregou de levá-lo para um lugar no oeste americano, onde seus ensinamentos serão a base (firme?) de uma nova civilização. E aí, assim como nos escritos bíblicos, não resta pedra sobre pedra e a carnificina santa é ampla, geral e irrestrita, sob o olhar bonzo dos que conseguem se esconder.

O Livro de Eli que parecer ecumênico, mas não consegue se safar do (sempre) velho sermão piegas, calcado no Antigo Testamento, que fazia sentido para “os do mundo de antes”, inocentes úteis do criacionismo. E dá-lhe reza! Excetuando o surpreendente pré-final, que (realmente) pega todo mundo, não há muito que destacar, além das boas atuações de Denzel e Oldman, já que o mérito da fotografia fica por conta (dos efeitos especiais) do mundo digital.

Em tempo: pra entender o inteligente final e se o Eli (americano) é o mesmo Elias e ou Eli (judeu) faça uma boa pesquisa (até na rede) em livros não contaminados e se surpreenda novamente. E ainda, se quiser saber mais sobre um divertido trash movie italiano, com temática parecida (ou quase), vá ao Boca do Inferno e leia um artigo de Felipe M. Guerra, sobre Gerreiros do Futuro (I Nuovi Barbari - Os Novos Bárbaros) dirigido por Enzo G. Castellari. É um dos filmes mais doidos que assisti e muito mais divertido que O Livro de Eli. E por falar em filme, recomendo o Fahrenheit 451, de François Trufaut, direto da obra genial de Ray Bradbury.

sábado, 20 de março de 2010

Crítica: Um Sonho Possível


Um Sonho Possível
com amor, educação e esporte

Se o tema é altruísmo, então é assunto para o cinema americano. Aliás, americano faz filme com qualquer tema que lhe pareça interessante, arrebate platéias e gere muitos lucros. Todo ano tem sempre um ou dois carregados de sentimentos positivistas. Ele pode arrebanhar espectadores, ganhar prêmios, até mesmo Oscar (Sandra Bullock), mas será que arrebata os devidos corações?

Sei que existem pessoas com muito mais talento que eu, mas que nunca chegaram lá. Então, se as pessoas ouvirem a minha história, vão saber que, se dermos uma chance a alguém, haverá esperança para essa pessoa”. Michael Oher

Um Sonho Possível (The Blind Side, EUA, 2009), dirigido John Lee Hancock, baseado em The Blind Side: Evolution of a Game (o título se refere a uma tática do futebol americano) de Michael Lewis, é um típico filme-família e seus valores cristãos. Ele retrata, de forma bastante linear, o convívio de um enorme adolescente Michael Oher (Quinton Aaron), negro, pobre e sem-teto, com uma família branca. Certa noite fria, véspera do Dia de Ação de Graças, ele é abordado por Leigh Anne Touhy (Sandra Bullock) que, num inesperado gesto de bondade, o leva pra sua casa, onde passa a viver. Leigh é uma mulher sofisticada, tem uma loja de decoração, é casada com Sean Tuohy (Tim McGraw), dono de uma rede de restaurantes, e mãe da adolescente Collins Tuohy (Lily Collins) e do adorável menino SJ Tuohy (Jae Head). Para a família, a presença de Mike, um estranho sem qualquer referência (ou documentos), que logo é amado e tratado com um filho e um irmão mais velho, não representa nenhum problema (ou perigo). O mesmo se repete na Wingate Christian School, onde conseguiu uma vaga, mais pelo seu tamanho (promessa esportiva) do que pela escolaridade, e se sente uma ilha, cercado de brancos por todos os lados.

Em Um Sonho Possível ou O Lado Cego (conforme o título original e menos vendável no Brasil) tudo é muito light ou muito diet, até mesmo as discussões pertinentes sobre preconceitos ou drogas. Talvez tenha sido uma (oportuna) opção poupar as pessoas de cenas incômodas ou de violência (apenas uma explícita) e focar mais na questão da adoção, na valorização da família, no fortalecimento da educação, na prática esportiva..., do que em conflitos que, de certa forma, até podem ser evitados (?). Não fosse baseado num livro biográfico, o filme poderia passar por uma edificante e inacreditável história de perseverança e determinação de uma socialite que se envolve em uma causa social. Muita gente vai se emocionar, rir, refletir e até mesmo prometer que se tivesse muito dinheiro, também faria algo parecido. Será? Qual a diferença, a distância e o significado de altruísmo e oportunismo? Quando este é um gesto de caridade ou de puro marketing? Toda ação gera um reação e ou vice-versa? É agir ou conhecer, pra ver.

Apesar da boa intenção, Um Sonho Possível, com todos os elementos de um conto de Dickens: um garoto pobre e sem-teto que tira a sorte grande ao ser encontrado, numa noite fria, por uma família rica que o acolhe e aposta num futuro digno para ele..., é um filme apenas mediano, tradicional, sem surpresas. Uma produção bem ao gosto do lucrativo público comum e que, às vezes, se perde na sua eloquente intenção filantrópica, evidenciando exageros e monotonia, por conta de personagens (reais ou não) que parecem isentos de pecados. Tanta correção e bondade faz a gente até duvidar da veracidade da história.

Se esta história não for contada, as pessoas podem supor que Michael Oher é apenas um grande atleta predestinado a estar na NFL. Mas quando olhamos mais de perto, vemos que se ele não tivesse saído daquele ambiente não teria sequer chegado ao campo de futebol americano da escola de ensino médio, e muito menos à universidade e à NFL. Já estaria morto ou na cadeia, ou simplesmente esquecido”. Michael Lewis

domingo, 14 de março de 2010

Crítica: Direito de Amar - A Single Man


Direito de Amar - A Single Man
fragmentos de uma profunda solidão

Não sou ligado ao supérfluo e talvez por isso, até saber que A Single Man (Um Homem Só), de Christopher Isherwood (1904 - 1986), seria adaptado para o cinema, nunca tinha ouvido falar de Tom Ford. Bem, não sou um fashionable! A minha preocupação (ô pretensão!) não era saber que um gênio do mundo fashion iria dirigir a obra-prima de Isherwood, mas no que ela iria se tornar com a roupagem cinematográfica. Ora, todos sabem que a maioria dos livros que cai nas graças de produtores, roteiristas, diretores de cinema, perde (de imediato) as suas características, se torna uma obra zumbi: repleta de palavras (ocas) e destituída de qualquer sentido lógico. Felizmente as piores previsões, desta vez, não se confirmaram. E a adaptação não poderia ter saído de melhor olhar.

A leitura que Tom Ford fez de A Single Man, de 1964, (publicado no Brasil em 1985, pela Nova Fronteira: Um Homem Só – Fragmentos de Uma Profunda Solidão, com tradução de Sônia Coutinho) é excelente. Pouquíssimas coisas (detalhes) não batem com o curto e belo romance de Christopher Isherwood, que fala de George Falconer (Colin Firth), um professor universitário que não consegue superar a morte de Jim (Matthew Goode), seu companheiro por 16 anos, e decide se suicidar. O clima do livro, a preparação do suicídio, a relação com os vizinhos e com a amiga ciumenta e ex-namorada Charley (Julianne Moore), o flerte com o aluno Kenny (Nicholas Hoult), a intensa dor de estar só, porque ao outro (Jim) cabia ser feliz..., e o irônico final, está ali. Feito uma ilustração da obra.

A história, que se passa no mês de novembro de 1962 e se concentra em apenas um dia, o que seria o último de George, ganha as telas com uma beleza estonteante e sem jamais perder o foco. Muitos críticos e comentaristas de plantão, não tendo onde pegar mal o filme, falam que ele é um preciosismo só e ou que deveria ter se aprofundado na discussão disso ou daquilo..., deixando claro que jamais leram (ou sabem do que se trata) o livro. A insistência em dizer que o filme de Tom Ford é semiautobiográfico (só porque ele tem um namorado (ainda que vivo) há mais de duas décadas?) é irritante e imbecil. O filme tem uns achados fotográficos de cortes, recortes, closes interessantes, favorecendo ainda mais a sua estética. E falando em beleza (reclamação dos que preferem coisas feias e mal acabadas), qual o problema em se fazer um filme bonito, com gente bonita, com música (PONTUADA) bonita de Abel Korzeniowski, em meio a tristeza e a questões políticas, (crise de mísseis com Cuba)?

Pela temática A Single Man (Um Homem Só), que recebeu o abominável título: Direito de Amar, é um filme discreto, pudico até demais. O contrário seria um desastre. Afinal ele não é “um filme gay” sobre “causa gay” e ou sobre um “homossexual em briga com a sua homossexualidade”, mas sobre a incapacidade de superar a perda de um grande amor. George não busca a saída no suicídio porque está cercado de hipócritas por todos os lados, mas porque sente falta da única coisa que lhe interessa e que o confortou por 16 anos, Jim. Ele sofre, não por ser “gay”, mas por ser um homem e, ainda, humano. E essa pegada não panfletária se percebe do começo ao fim, com uma direção cuidadosa e uma entrega impressionante de Firth, que lhe valeu os prêmios de melhor ator (Bafta e Copa Volp, no Festival de Veneza) e a indicação para o Oscar, e de coadjuvantes de peso como a sempre bela e talentosa Julianne Moore. Um filme extremamente elegante e (como raros) muito digno da obra original.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Crítica: Ilha do Medo


Ilha do Medo
elementais confusões mentais...

Um filme de Scorsese sempre causa expectativa, mas não mais o impacto de seus primeiros trabalhos. Para mim, os memoráveis são Alice Não Mora Mais Aqui, A Última Tentação de Cristo e Depois de Horas (o favorito).

Ilha do Medo (Shutter Island, EUA, 2009) tem um roteiro razoável (apesar de previsível), ótimos atores, excelente trilha sonora, bons efeitos especiais, mas... O filme, baseado no livro Shutter Island (Paciente 67, no Brasil), de Dennis Lehane, é um thriller psicológico que se passa no auge da Guerra Fria, em 1954, quando os agentes federais Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) e Chuck Aule (Mark Ruffalo) são enviados a Shutter Island, para investigar o inexplicável desaparecimento da paciente Rachel Solando (Emily Mortimer e Tarícia Clarkson), de dentro de uma cela, no misterioso Hospital Psiquiátrico Aschecliffe. A ilha só tem um lugar possível para entrar ou sair de barco. O hospício tem cercas eletrificadas. Um interno (comum ou criminoso) não tem como e nem pra onde fugir.

A princípio o filme lembra o clássico de Milos Forman, Um Estranho no Ninho (One Flew Over the Cuckoo's Nest, EUA, 1975), pela forma como os pacientes são tratados e o uso excessivo das mais variadas drogas e técnicas de “cura”. Mas logo se encaminha pra um clima soturno, arrastando Teddy (DiCaprio) em um redemoinho de emoções conflituosas, repletas de alucinações e pesadelos. Algumas cenas e sequências são construídas com maestria e outras com desmazelo técnico, principalmente com a iluminação. Mas não é o que compromete o resultado. Todos os elementos pertinentes à linguagem de Scorsese estão ali: violência, crueldade, flashback, bizarrice, trilha sonora (muito) bem elaborada, mas o filme parece não ter alma. Segue a apenas a receita..., a cartilha de como se fazer um thriller.

O foco na paranóia e na manipulação psicossocial até desperta interesse, mas não arrebata, não incomoda, não entretêm por inteiro. Parece sobrar ou faltar uma peça no quebra-cabeça. Talvez por isso, ao meio da projeção, um espectador mais atendo terá resolvido a charada que envolve os agentes e aquele lugar. E se for um bom cinéfilo, vai perceber que viu o mesmo final em diversos outros filmes. Ilha do Medo, com seu clima gótico, é um bom exemplar de psicocinema, pena que fique pelo meio do caminho na exploração da claustrofobia sensorial que se propõe. É um filme para fãs. Vale lembrar que ele não tem nada a ver com o clima de terror (do título brasileiro) e muito menos com o que é sugerido no trailer.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Crítica: Bezerra de Menezes – O Diário de um Espírito


Bilheteria nunca foi sinônimo de qualidade, mas talvez seja de popularidade. Quando do lançamento de Bezerra de Menezes – O Diário de um Espírito, de Glauber Filho e Joel Pimentel, era tanto da falação que fiquei curioso. Mas só consegui vê-lo agora. No país da improvisação religiosa, tem muita gente que ainda confunde ficção e realidade. Os espíritas mais devotos vociferaram contra a crítica que achou o filme hediondo. Para eles, falar (mal) do filme é falar (mal) de Bezerra de Menezes.

Cinematograficamente falando, Bezerra de Menezes, o filme, é mesmo tão ruim que é difícil saber por onde começar a crítica. Ele me lembrou de quando era garoto (católico apostólico romano) e lia histórias em quadrinhos que contavam a vida dos santos. Era um martírio só. Àquele bando de mestres, santos e assemelhados taciturnos, carolas, infelizes, não tardei a mudar a leitura para os gibis mais alegres e de pura ficção: Contos de Fadas, Donald, Tarzan, Pimentinha, Gasparzinho, Bang-Bang, Terror... Fiquei pensando (querendo estar enganado), se a vida do médico Bezerra de Menezes foi tal qual a fragmentada no filme, deve ter sido horrível. Uma vida inteira sem alegria, sem prazer, sem amizades...

Ainda adolescente me tornei um livre pensador e, estudando Mitologia Grega, conheci um poema do escritor inglês Wordsworth que diz: Oxalá um pagão ainda eu fosse/ Por velhas ilusões acalentado/ A paisagem seria bem mais doce/ E o mundo muito menos desolado (O Livro de Ouro da Mitologia – Thomas Bulfinch, tradução de David Jardim Júnior – Edições de Ouro - 1967). Diz uma lenda que quando Cristo nasceu, um grito de dor ecoou por toda a Grécia: Deus Pã está morto! Pã era o Deus da Natureza, amante da música e inventor da sírinx. Com a morte da Pã morreu a inocência e com o Cristianismo nasceu a “abnegação” ampla, geral e irrestrita ao custo (ainda) de muitas vidas. Com o cristianismo acabou a alegria de viver e começou o martírio e a culpa sem fim. O cristão paga tanto pecado (desde antes de nascer) que nem sabe mais pelo que está pagando..., até parece a carga tributária brasileira. E ai de quem reclamar!

Apesar de pertinente, não vou falar do tema tabu das religiões: alegria e felicidade na Terra dos fiéis e não no Paraíso dos infelizes, mas sobre Bezerra de Menezes, o filme, e não o médico e espírita. Porque uma coisa, como se diz, é uma coisa e outra coisa é outra coisa. O filme, que não queria ser filme, pois pensava ser documentário, é uma espécie de cinebiografia meio aos trancos e barrancos e totalmente sem convicção. A começar pela narrativa enfadonha (pior que a de um audiolivro) em primeira pessoa, na voz de Carlos Vereza (Bezerra de Menezes), que provoca sono e desinteresse. O roteiro de Glauber Filho, em parceria com Andréa Bardawil, parece a incorporação de um espírito doido que não sabe o que faz num corpo alheio e nem o que fazer pra sair dele. A produção passeia pela infância triste e solitária de Bezerra e depois pela juventude triste e solitária de Bezerra e finalmente pela velhice triste e solitária de Bezerra que, mesmo tendo mulher e filhos, era triste e solitário. E isso tudo embalado por uma trilha chorosamente onipresente e onisciente e onirritante e onichata..., em alguns momento é tão alta que mal se ouve a narrativa (também chata) de Vereza (Bezerra). Será que também para o espírita é pecado ser feliz? Ou era o carma de Menezes?

Bezerra de Menezes, o filme, que nasceu de um convite para a realização de um documentário (para distribuição em DVD), feita aos diretores, pela Associação Estação da Luz, do Ceará tem uma linguagem primária e ultrapassada de especial de TV estatal do século (bem) passado. É uma espécie de anticinema, e não vai aqui nenhum mérito, pois não se trata de algo novo ou, no mínimo, experimental. Não há grandes interpretações, porque que não há o que interpretar: Sem trama, sem drama! Mesmo assim, na linha reta e sem nós que ele segue, sabendo que vai chegar, pelo menos, ao fim, um destaque deve ser dado à direção de arte. É uma pena que só ela se destaca nessa engrenagem enferrujada.

Para os fiéis espíritas e admiradores do personagem título, no entanto, qualquer comentário crítico ao filme é irrelevante, pois acreditam que ele prestou (mesmo que de encomenda) uma justa homenagem ao homem conhecido como: “médico das almas e dos pobres”. Sinceramente, o grande Bezerra de Menezes, um dos responsáveis pela difusão da Doutrina Espírita em todo o Brasil, merece reconhecimento melhor.

Em tempo, vi o novo trailer de Chico Xavier, de Daniel Filho, que estreia em Abril, e me pareceu tão ruim quanto este. É esperar pra ver.

domingo, 7 de março de 2010

Carrapatos e Catapultas


Carrapatos e Catapultas
vencedor do ANIMATV

Dia 05 de Março de 2010 foi um dia especialíssimo para os realizadores de cinema de animação no Paraná, principalmente para os de primeira viagem. O cineasta e escritor Almir Correia foi um dos dois contemplados no Programa ANIMATV, promovido pelas Secretarias do Audiovisual e de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, EBC - TV Brasil, Fundação Padre Anchieta - TV Cultura, Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais – ABEPEC, com o apoio institucional da Associação Brasileira de Cinema de Animação – ABCA. Na etapa final os dois pilotos concorreram com outros 15 episódios, cujo público alvo é de crianças entre 6 e 14 anos. Não deve ter sido uma decisão fácil, porque a grande maioria apresentou animações de excelente qualidade.

A animação do diretor paranaense é Carrapatos e Catapultas (da Zoom Elefante do Paraná) e a do Rio de Janeiro é Tromba Trem, de José Luiz Brandão Albuquerque (da Copa Studio). As duas produtoras terão, a partir de agora, um ano para realizar 12 episódios e com uma verba de R$950,00. Assim que saiu o resultado, Almir postou no blog Carrapatos e Catapultas: Já estamos começando a entrar em contato com os animadores para montarmos as equipes que produzirão a série Carrapatos. Agora sim temos a certeza que os carrapatos ainda vão grudar muito.

A história nonsense de Carrapatos e Catapultas , de Almir Correia, se passa no Planeta Vaca na Galáxia de Andrômeda, onde vivem os carraPATOS, carrapatos bicos de pato, que sonham em explodir, pra viver feliz no Mundo dos Carrapatos Fantasmas. Tromba Trem, de José Luiz Brandão Albuquerque, conta as confusões em que se metem um elefante indiano e uma tamanduá hiperativa, na companhia de uma colônia de cupins completamente doidos, a bordo de um trem a vapor.


ENTREmailVISTA

Assim que soube do resultado tentei uma entremailvista com Almir. Passei uma série de perguntas (atropeladas) que ele respondeu por atacado. Confira:

Como você está se sentindo, depois de tantos problemas para a realização do desenho animado? Como é ser vencedor entre tantas animações de qualidade? Já caiu a ficha? E aí, qual é o próximo passo? Vai continuar com a mesma equipe? Vai montar uma equipe maior? Muda alguma coisa nos desenhos? Já pensa num longa dos Carrapatos em 3D? (tem que sonhar grande). Houve interesse de produtoras estrangeiras? Qual foi a reação dos outros concorrentes? Qual é o prazo para a produção dos próximos episódios? Serão apresentados só no Brasil ou também no exterior? Apresentados só na rede pública? Quer acrescentar algo?

Joba, estou meio tonto ainda.

A responsabilidade é enorme e a grana super apertada.

Em São Paulo, muitas outras equipes já apostavam na nossa animação.

Então, se fosse em termos de uma história diferente e maluca, nós tínhamos muitas chances. Mas sempre ficava aquela ideia de que a Rede Cultura iria puxar para algo mais didático, e aí não teríamos chances.

Consegui vários contatos com produtoras fortes de SP e Rio. Inclusive a Urca Filmes, que deseja fazer parceria em roteiros e outros projetos.

Não adianta, São Paulo e Rio são os lugares onde as coisas podem acontecer. Conheci também a produtora da animação Minhocas que está com parceria internacional. E aí descobri o quanto é importante o contato direto, olho no olho. Email resolve algumas coisas, mas o contato direto é o que faz as coisas realmente acontecerem.

Por enquanto não imagino os Carrapatos como longa.

Mas agora vai ficar mais fácil para o roteiro de longa em animação Frankespiro e Frankespirro - Dois Detetives Monstruosos (que espero terminar até o final do ano) acontecer em 3D e já focando o mercado internacional. Quero ver se ano que vem inscrevemos no MINC.

O pessoal da Urca já me disse que mesmo antes de terminar os 12 episódios eu já posso tentar com a ANCINE a grana para mais 12, aí com mais verba, é claro.

Nesta nova fase a ideia é trabalharmos com várias produtoras de animação. A Sputnik vai fazer alguns episódios e umas duas ou mais até farão outros. O Antonio (Eder) vai dar uma ajuda com as produtoras. Temos que entregar 2 episódios no final de 2 meses. Então a ideia é reaproveitar ao máximo o material.

A produtora de Michoncas e Historietas frequenta Feiras Internacionais de Animação e nos disse que a nossa ideia é uma em 600. E que nessas feiras eles compram apenas uma ideia em 600. Acredito que agora os Carrapatos vão. E vão virar série internacional em alguns anos. Aí sim teremos grana para vários outros projetos.

Esta semana preciso criar uma equipe de pré-produção com ilustradores e storyboarders, se você souber de alguns me avise ou repasse o email deles.

Todos os episódios passarão na Rede Cultura e TV Brasil e serão depois negociados para o exterior.

O legal na divulgação dos pilotos do ANIMATV, na TV Cultura, é que a audiência foi de 6.1, algo realmente espantoso para um canal público.

Foi feita uma pesquisa qualitativa e eles vão nos repassar os dados. Acho isso super importante.

Mantenha contato
Abraços

Almir Correia

terça-feira, 2 de março de 2010

Crítica: Os Inquilinos



Os Inquilinos (Os Inquilinos – Os incomodados que se mudem, Brasil, 2009), de Sérgio Bianchi, é mais um filme-denúncia social (?) bem ao estilo do diretor. A temática (violência x favela), aqui pelo viés do acuamento, que não é das mais convidativas, dificilmente vai chegar a quem é devido e (com certeza) vai passar a quilômetros do espectador comum que busca o cinema como distração (divertimento, relaxamento) e não vitrine ou reflexo do quotidiano. Como (desgraça pouca é bobagem) muita gente não suporta e não tem paciência para programas de baixaria (travestidos de telejornais) que exploram as variações explícitas da violência, e quem tem (?) esse gosto não vai ao cinema, fica complicado saber a qual público ele é dirigido. Se é que tem um público alvo.

Adaptado de um conto de Vagner Geovani Ferrer (escrito como exercício de um curso de criação de texto, no EJA - Educação de Jovens e Adultos, em 2002), por Beatriz Bracher e Sérgio Bianchi, o filme trata (numa das leituras possíveis) da mudança de comportamento de Valter (Marat Descartes) e de sua família, com a chegada de três novos vizinhos. Valter trabalha de dia, estuda de noite e, por causa das histórias escabrosas sobre as atividades dos rapazes, contadas pela mulher Iara (Ana Carbatti), teme pela segurança da sua família. Para ele, a sua casa é o seu castelo, só não sabe o que fazer se precisar defendê-lo. Valter é um barril de pólvora sem pavio..., um palito de fósforo numa caixa encharcada. Por mais que queira, só consegue se defender na sua (indignada) imaginação. Ele tem medo até da própria sombra. Nos dias de hoje, quem não tem?

A fúria contida de Valter lembra a fúria incontida do executivo William Foster (Micheal Douglas) no filme Um Dia de Fúria (Falling Down, 1993), de Joel Schumacher. Enquanto Valter (de Bianchi) se sente impotente diante da vizinhança bandida, que se instalou na casa ao lado da sua, William (de Schumacher), a caminho da casa da ex-mulher, lava a alma, ao fazer justiça com as próprias mãos, enfrentando os tipos estúpidos e marginais (ricos e pobres) que encontra pela frente. Se em Um Dia de Fúria a violência (justificada?) é explícita, em Os Inquilinos ela é insinuada e não vai da fala ao gesto. A violência exposta por Biachi é a do medo do desconhecido, da incapacidade do cidadão comum (quanto mais comum, mais impotente) violado em todos os seus direitos, inclusive o de existir.

Raul Seixas, na música Por Quem os Sinos Dobram, canta: Nunca se vence uma guerra lutando sozinho/ Você sabe que a gente precisa entrar em contato/ Com toda essa força contida e que vive guardada/ O eco de suas palavras/ não repercute em nada.(...) É sempre mais fácil achar que a culpa é do outro/ Evita o aperto de mão de um possível aliado, é.../ Convence as paredes do quarto, e dorme tranquilo/ Sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo.

Valter se “acovarda” porque é brasileiro, pobre, subempregado e tem a certeza de que, se reagir ao “patrão” que o explora e não quer registrá-lo em carteira ou tomar medidas drásticas contra os incômodos vizinhos marginais, quem tem a perder é ele (sempre). Valter é “inseguro” porque tem uma família que ama e pra quem quer o melhor, feito o operário e anti-herói Tião (Carlos Alberto Riccelli) em Eles Não Usam Black-Tie (1981) de Leon Hirszman, que fura a greve, organizada pelo seu pai Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), por temer o desemprego e o comprometimento de um futuro melhor (idealizado no casamento com a noiva grávida). Ao furar a greve Tião entra em conflito com o pai. Ao esperar ser provocado, para reagir, Valter entra em conflito com a mulher Iara. Valter, ao seu modo, é um lutador e o adversário é o seu próprio reflexo. Na sala de aula, a sua personalidade “mansa” contrasta com a de outros alunos, na compreensão dos textos apresentados pelos professores. Para alguns, a poesia de Ferréz (Uma Poesia Nova) ou de Carlos Drummond de Andrade (A Morte do Leiteiro), é o retrato da vida como ela é (e como tem que ser), para Valter a vida merece um retrato melhor, sem violência. Valter é um sonhador, apesar das diversidades. Ou um perdedor, dependendo do ponto de vista.

Os Inquilinos é tenso (sem saída?), uma obra que, como muita literatura denunciativa ou reflexiva fica restrita a um pequeno e impotente círculo vicioso de pessoas: de mim pra mim mesmo. É consumida apenas por quem tem a mesma consciência e não precisa de tal reforço. Ela não encontra eco e a sua catarse não vai além da catarse do próprio autor. Mesmo que o espectador se veja na personagem passiva de Valter (ou aflita de sua mulher) ele já não sai do cinema com um desejo (novo?) de mudança. Ele sabe que no Brasil a mudança que se quer (e que nem mais se espera) é, praticamente, impossível. E em cinema, quase tudo é ficção!

O filme tem uma trilha sonora de gosto duvidoso. A música-tema que massacra Valter sadicamente, principalmente quando ele vai de ônibus de um lado pro outro, é de doer. Uma pieguice desnecessária que também se repete no final. A verdade é que são raros os cineastas (principalmente brasileiros) que acreditam na força da palavra (diálogo, texto) dos personagens e ou na ausência dela, pra descartar a breguice das músicas chorosas aliciadoras de espectadores desavisados. Apesar dos perceptíveis problemas técnicos, como a edição de som (sem profundidade) ou de continuidade, a produção apresenta uma dupla de atores afinados e convincentes.

... Coragem, coragem/ se o que você quer é aquilo que pensa e faz/ Coragem, coragem/ eu sei que você pode mais - canta Raul Seixas no refrão.
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