quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Crítica: Amor Sem Escalas


Amor Sem Escalas

Amor Sem Escalas
em uma vida solteira

Amor sem Escalas (Up In The Air, EUA, 2009), o aclamado filme de Jason Reitman (do adorável Juno), finalmente estréia no Brasil. O filme busca reflexão na recente crise socioeconômica ao falar da “estranha” vida de Ryan Bingham (George Clooney), um executivo a serviço de uma empresa especializada na difícil “arte de demitir” funcionários em empresas que não têm coragem de fazê-lo. Não há ironia, sarcasmo, ou sequer culpa, no trabalho realizado, com toda ética possível, por Ryan, diante de uma situação tão constrangedora: demissão (sem justa causa). E, apesar da frieza exigida pelo trabalho, é mais favorável a ela do que ao programa de demissão, via Internet, desenvolvido pela colega Natalie Keener (Anna Kendrick).

Feito um discípulo Zen, cumprindo o ditado: Um dia sem trabalho é um dia sem comida, o que conta para Ryan é a precisão diária, seja na forma de realizar as demissões alheias ou preparar a mala, com o essencial, para as incansáveis viagens. Ele passa mais tempo em aviões, acumulando milhas, viajando de uma cidade a outra, pra cumprir o ritual de demitir pessoas que ele não conhece, do que no minúsculo quarto/sala alugado. Quando não está demitindo faz palestras motivacionais sobre o tema Bagagem de Vida. Com uma mochila aberta, sobre a mesa, fala do peso que cada um carrega (nos ombros/costas) durante toda a vida familiar, social, profissional e a importância e o valor que se dá a cada coisa.

Solteiro convicto, e entregue com gosto aos amores fugazes com a executiva Alex Goran (Vera Farmiga), ele acredita viver uma vida de sonho, sem se preocupar com família, colegas de trabalho... Rodeado de estranhos, por todos os lados, Bingham é uma ilha a deriva em si mesmo, preferindo encontrar a ser encontrado. O roteiro brilhante (co-escrito por Reitman e Sheldon Turner) é baseado no romance Up in the Air, de Walter Kirn, já lançado no Brasil, cuja história surgiu em uma viagem de avião, quando o autor perguntou a um passageiro ao seu lado de onde era e ele respondeu que era dali, daquele assento. O passageiro não tinha laços com ninguém, nem mesmo uma casa pra voltar. Vivia viajando a trabalho, assim como muitos iguais a ele.

Em um grande momento do filme, Ryan é convocado pela irmã Kara (Amy Morton) para falar com Jim Miller (Danny McBride), o noivo de Julie (Melanie Lynskey) que, confuso e em busca de coragem, se refugia numa sala para ler um clássico da literatura motivacional, o belo conto O Coelho de Pelúcia (The Velveteen Rabbit), de Margery Williams. O conto é sobre um coelho de pelúcia que sonha tornar-se um coelho de verdade, mesmo não tendo a menor idéia do que é ser um coelho de verdade. Então, pela “felicidade” da irmã (e do casal), cabe a Ryan, o orador motivacional, contrário a qualquer tipo de casamento, convencer o noivo a arriscar a sorte. Colocar o seu discurso à prova faz Bingham pensar no peso da sua própria mochila vazia. Ao se preocupar em começar a enchê-la percebe que nem tudo que está ao seu redor cabe ou merece estar ali. Carregar mochilas cheias ou vazias depende da vontade de cada um. Viver é um risco e quem arrisca aposta em ganhos ou perdas. Faz parte!

Com uma impressionante edição, de Dana E. Glauberman, pontuando de maneira precisa, dos créditos iniciais aos finais, Amor sem Escalas, feito uma parábola contemporânea, narra com um humor melancólico, as possíveis opções de vida (profissionais e sociais) que igualam e diferenciam os seres humanos. Emociona com os dramas (reais) dos demitidos e provoca risos ao tratar de relacionamentos amorosos. É um retrato sincero sobre vidas solteiras ou casadas, mas com providencial e eficaz sinalização para as os pontos de fuga emergenciais.

O Coelho de Pelúcia, o belo conto motivacional lido por Jim, pode ser encontrado na Internet, em versões bilíngues (inglês/português).

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