quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Crítica: Deixa Ela Entrar


por Joba Tridente

Deixa Ela Entrar (Låt den Rätte Komma In, Suécia/2008), um das produções mais aclamadas, neste fim de década, finalmente estréia no Brasil, um ano depois do lançamento e um ano antes da refilmagem americana que, com certeza, será mais uma baba infanto-adolescentelóide.

Deixa Ela Entrar, dirigido por Tomas Alfredson, é um filme singular, em sua trama envolvente e apavorante, ao narrar o relacionamento de dois solitários adolescentes num drama de amor e morte. Vindo da Suécia, terra de produções intimistas e “cabeça”, onde se destaca Ingmar Bergman, o filme está maravilhando os cinéfilos em todo mundo, com uma história de vampiro contada num ritmo diferente do costumeiro hollywoodiano (o que justifica já ter ganhado mais de 50 prêmios, em festivais, e despertado a cobiça americana pela refilmagem). O título é uma referência ao mito de que um vampiro só pode entrar na casa de alguém se for convidado.

Deixa Ela Entrar fala de crianças invisíveis, aquelas que ninguém da muita (ou nenhuma) atenção. Crianças esquecidas (e aquecidas) no seu mundo particular onde podem ruminar os seus problemas sem aparente solução. Oskar (Kåre Hedebrant) vive em Estocolmo, na década de 1980. Ele tem 12 anos. É filho de pais separados. Diariamente é provocado e invariavelmente apanha dos colegas da escola. Ele não reclama. Sofre calado. Solitário ele trama uma possível reação. Eli (Lina Leandersson) se mudou, com seu velho pai, para o mesmo prédio de Oskar. Ela é tanto (ou mais) solitária que ele. Ela tem 12 anos há muito tempo. Seu fardo é bem maior, ela é uma vampira. Pra continuar viva Eli precisa de sangue. Pra seguir em frente Oskar precisa de amizade. Eles se conhecem no pátio coberto de neve do prédio onde moram. A estranha solidão deles irá uni-los. Na catarse de cada um há o desejo ou a necessidade de morte. Oskar a busca na vingança. Eli busca a busca na vida. A morte nunca é igual e quando se apresenta não alivia a dor. Apenas aumenta o desconforto de ser diferente.

Não importa quantas vezes uma história de vampiros tenha sido contada, mas sim como ela é contada. O que destaca o filme sueco de produções americanas é a direção precisa de Tomas Alfredson, ao sugerir tamanha naturalidade em uma fantasia gótica. Mais do que a química perfeita entre os excelentes atores Kåre Hedebrant (Oskar) e Lina Leandersson (Eli) há um texto repleto se sutileza. Em Deixa Ela Entrar não há excessos ou gratuidades nas cenas mais fortes e muito menos sustos. Os efeitos especiais são poucos e eficientes. Deixa Ela Entrar é uma rara oportunidade de se ver uma história, aparentemente banal, muito bem roteirizada por John Ajvide Lindqvist, também autor do romance que originou o filme, e com uma fotografia deslumbrante e de gelar os ossos. Há muito que paisagens nevadas não eram tão bem fotografadas. Há muito que o público cinéfilo não era presenteado com uma história de amor e amizade tão fascinante.

Crítica: Tá Chovendo Hambúrguer



Tá Chovendo Hambúrguer (Cloudy with a chance of meatballs) é, até certo ponto, uma divertida animação, dirigida por Phil Lord e Chris Miller. Porém, depois de algum tempo o filme, que é uma adaptação do livro infantil homônimo de Judi Barrett, fica um tanto quanto indigesto. Mais americano é impossível, com a sua ode à gula.

Tá Chovendo Hambúrguer é centrado na vida de Flint Lockwood, um cientista bem intencionado cujas invenções são (meio) desastrosas. Zoado desde criança, pelos colegas de escola, Flint não desiste de criar algo realmente útil para todo mundo. Vivendo numa pequena ilha, chamada Swallow Falls, na costa americana, onde o único tipo de alimentação é a sardinha, o jovem cientista decide mudar esta dieta, inventando uma máquina capaz de transformar água em alimento. Logo os insaciáveis moradores começam a dar asas à gula e a engenhoca, sobrecarregada de informações, acaba entrando em pane e comprometendo a segurança dos moradores.


Transformar o céu num grande fast food parece ser um sonho tipicamente americano e o que fazer com as sobras um pesadelo do resto do mundo. A princípio a animação em 3D parece até uma resposta ao excelente documentário Super Size Me – A Dieta do Palhaço (EUA, 2004) do diretor Morgan Spurlock, que critica os fast foods com sua comida insuportavelmente calórica. Enquanto o documentário adverte para os cuidados com a alimentação, o desenho parece sugerir o contrário, tendo como meta a comida em busca da felicidade. Tá Chovendo Hambúrguer não deixa claro se é uma ode ou uma crítica à gula. Nem tão pouco se, ao se tornar viva, esta comida é um alerta transformador ou mero efeito de animação em busca do riso fácil. Na pequena ilha, renomeada de Chewandswallow, apenas um personagem com problemas de excesso alimentar é punido, mas não exatamente por isso.

Vale lembrar que, da recente safra de animações, outras duas também falam de comida: em Ratatouille (ganhador do Oscar de 2008) há um rato, com apurado olfato e sensibilidade para fazer as mais diferentes combinações de alimentos, que sonha em se transformar num grande chef; em O Corajoso Ratinho Desperaux, uma ratazana, não resistindo ao saboroso cheiro, cai dentro da vasilha de sopa e provoca uma tragédia em todo o reino. Ou seja, nas três animações a comida conduz os personagens à glória ou à perdição. Mera coincidência? Não custa (?) esperar pela sobremesa!


A busca do sucesso na vida profissional é um direito de todos. Porém, se a fama é “algo” que transforma o ser humano, qual é o preço a pagar quando ela chega prematuramente ou vai embora inesperadamente..., ou vice-versa? Várias facetas da fama, bem como comodismo, rejeição, bullying, aparecem em Tá Chovendo Hambúrguer, mas sem muita profundidade, já que não conseguem concorrer com o produto principal. Longe da graça e do perfil psicológico dos personagens de Desperaux, o desenho de Tá Chovendo Hambúrguer é legalzinho, mas nada muito original. Chega a lembrar os personagens de Ratatouille. Pode ser birra, mas a caracterização de um policial negro, retratado num misto de gorila com chimpanzé, que, em vez de andar, pula e rodopia de um lado pro outro, além de ser muito brabo, me incomodou.

Tá Chovendo Hambúrguer, com sua dose de inocente sujeira, escatologia infantil e humor negro, tem tudo pra agradar, principalmente as crianças que têm um estômago no lugar do cérebro.


Crítica: Whiteout - Terror na Antártida


O crime não escolhe lugar para ocorrer e pode macular até mesmo a brancura da Antártida. Tem produtor, roteirista, diretor que também quando não tem mais nada pra macular, vai procurar uma HQ na banca de revistas mais próxima. A vítima da vez é a curiosa mini-série Whiteout: Morte no Gelo, uma trama policial criada por Greg Rucka e notavelmente ilustrada e climatizada por Steve Lieber, publicada no Brasil pela Devir Editora. Whiteout, a HQ começa assim: “O fim do mundo. Antártida. O Gelo. Nenhum outro lugar pra ir, exceto pra cima.” Ela conta a história de Carrie Stetko, uma Agente Federal que vive numa base americana na Antártida e se depara com um corpo desfigurado. Ao iniciar as investigações ela se vê na mira de um assassino em série e só pode contar com a ajuda da enigmática Lily Sharpe, uma agente da Inteligência Britânica em quem ela não confia. Whiteout é uma HQ envolvente com uma arte capaz de gelar a espinha.

Whiteout: Terror na Antártica (EUA, 2009), filme dirigido por Dominic Sena, começa com um prólogo (inexistente na HQ) pra justificar uma história totalmente diferente da HQ. Totalmente é um pouco de exagero, na verdade da história original foram mantidos os nomes de três personagens: Carrie Stetko (Kate Beckinsale), Dr. Furry (Tom Skerrit) e Delfy (Columbus Short), a localização da trama na Antártida, o objeto usado pra matar, o título e..., mais nada. A razão da trama mudou. Sai a Inglaterra e entra a Rússia. A bela espiã inglesa Lily dá lugar a um inexpressivo “não sei o que estou fazendo aqui” agente da ONU (?), saído do nada para lugar nenhum: Robert Pryce (Gabriel Macht – pulando do fogo desastroso de Spirit, dirigido pelo mestre das HQs, Frank Miller, para a bobagem gelada de Whiteout, de Dominic Sena) que aparece na história num “passe de mágica”. 


A mudança de sexo e de personagem (Lily por Pryce) pode ter sido uma estratégia (que saiu pela culatra) pra driblar a puritana censura americana, já que na HQ há insinuação e divertidas indiretas dos cientistas da base sobre a sexualidade de Steko..., e quando as duas estão juntas parecem prometer algo que só a última fala do último quadrinho traduz. O moralismo de Hollywood, principalmente em relação a personagens de HQ é mais do que doentio. A primeira coisa em que os produtores e seus roteiristas e diretores pensam ao adaptar uma obra é arranjar uma companhia feminina pro herói, para que não paire dúvidas sobre a sua masculinidade. Tudo isso por conta do Batman e seu pupilo Robin. Por falar em mudança de sexo, outra que não convence é Kate Beckinsale, na pele de Steko, papel que pede uma atriz que não seja apenas bonitinha, mas que tenha a garra de uma Sigourney Weaver, a oficial Ellen Ripley em Alien, de Ridley Scott.

Whiteout é um filme que junta um monte de gente bonitinha sem a menor idéia do que estava fazendo no pólo sul. Aliás, nem mesmo o sem noção diretor Dominic Sena parece saber. Se soubesse não trocaria uma história excelente e pronta, como a mini-série (que podia servir até mesmo como storyboard) por outra inferior e a quilômetros de distância da original. Whiteout, o filme, não cumpre o que promete (ser um thriller), porque ele não é o que promete: a versão cinematográfica de Whiteout a HQ. Ele é uma históriazinha boba, convencional, “interpretada” por um bando canastrão. Hollywood é preguiçosa, ela adora pegar o que está pronto ou que já fez sucesso e mudar a cara, quebrando a cara, na maioria das vezes.

Pode até ser que no futuro Whiteout vire um cult trash, pela canastrice generalizada, mas no momento ele poderia muito bem ter se perdido num Whiteout: “O Gelo é o lugar onde mais venta na Terra. Os ventos catábicos sopram do planalto em direção ao oceano. Com rapidez. Algumas vezes ele chega a 320 quilômetros por hora. Com esse tipo de vento, a temperatura cai pra casa dos três dígitos. O vento levanta a neve que tem caído no Gelo por milhares de anos, jogando tudo pelos ares. Acaba com a visibilidade, você não consegue ver meio metro na sua frente, não dá pra diferenciar o chão do céu. Isso é o que chama de “whiteout”. As pessoas congelam até a morte no “whiteouts”...

Crítica: Diário Proibido


por Joba Tridente

Há alguns anos, quando ainda militava pelos cadernos de cultura da imprensa brasiliense, escrevi um artigo em que dizia: Erotismo é tudo aquilo que excita a alma. Pornografia é tudo aquilo que excita o sexo. Ao ver Diário Proibido (Diario de una ninfómana), do diretor Christian Molina, não consegui encaixá-lo em nenhuma das definições. Onde encaixar então este filme que se sugere tabu e, no entanto, não roça e nem toca com profundidade e gosto a sexualidade feminina?

Diário Proibido, que nada tem de proibido, é baseado (ou seria reproduzido?) no best-seller de confidência (Diario de una ninfómana) de Valére Tasso. Não sei quanto profundo é o conteúdo do livro de memória sexual da autora e jamais saberei, mas se for tão “intenso” quanto o filme deve ser de dar sono e de se perguntar: e daí? E daí que ela usava objetos estranhos pra sentir prazer, se permitia ser violentada, se permitia ser humilhada em busca de prazer, desceu até o fundo do poço pra descobrir enfim que não tinha que dar satisfação da sua vida sexual a ninguém. Mas deu, publicando um livro onde expõe as tais “experiências”. E daí? Ao se tornar autora Valére buscava perdão, redenção ou reconhecimento público pela sua “coragem”?

Diário Proibido está longe de ser cinema, mesmo contando com presenças ilustres como a de Geraldine Chaplin, Leonardo Sbaraglia e da bonita atriz Belén Fabra, que interpreta Valére e, fisicamente, é muito parecida com ela. Pra se ter um bom filme é preciso ter uma boa história, o que não é o caso e, dependendo do tema (como esse, por exemplo) que suscite questionamentos, o que também não é o caso. Diário Proibido é, praticamente, a reunião cinematográfica de uma série de burocráticas situações sexuais vividas por Valére, filmadas sem nenhum charme ou desejo de sedução do espectador, intercaladas com uma conversa amena com a avó, sobre sexualidade, aqui, e outra sobre o desacerto com os amantes, ali. Na falta do que dizer é difícil salvar uma película que pensa poder chocar alguém, em pleno século 21, com sexo de clichê.

Pra falar de sexualidade, de sensualidade é preciso conhecer o gesto, a fala, o sussurro, o toque... É isso tudo e um pouco mais que faz de Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen, um dos filmes mais eróticos que vi nos últimos anos. Este arrepia até a alma.

sábado, 19 de setembro de 2009

Crítica: Amantes


por Joba Tridente

Amantes (Two Lowers, EUA, 2008), de James Gray, é um filme que se deixa ver e se envolver. Um excelente drama que trata da paixão compulsiva, das incoerências e incertezas do amor à primeira vista. Da fragilidade das relações que transformam também os homens. Às vezes muito mais do que as mulheres imaginam.

Depois de várias tentativas de suicídio, por causa do fim inesperado do noivado, Leonard (Joaquin Phoenix), com transtorno afetivo bipolar (crises alternadas de depressão e euforia), está de volta à casa e aos cuidados dos pais, em Brighton Beach, Brooklin. Ali ele conhece duas mulheres, Sandra (Vinessa Shaw) e Michele (Gwyneth Paltrow), com quem vive uma ciranda de amor compulsivo. E nesta ciranda, interrompida pela indecisão, Sandra ama Leonard que ama Michele que ama Ronald (Elias Koteas). Se o amor de Sandra por Leonard é um amor compreensivo, sem cobranças, tudo que ele precisa pra sair do fundo do poço de amargura em que se encontra, o amor de Leonard por Michele é louca paixão e incontrolável desejo.

Amantes é dramático, mas não é piegas. Histórias de amores confusos e desencontrados ou de amores que levam à glória ou à redenção não são novidades. Já foram apresentadas antes na literatura, no teatro e no próprio cinema. O diferencial, aqui, é como esta história é contada e muito bem ilustrada com alguns interessantes elementos simbólicos (par de luvas, anel de noivado, mar, fotos em preto e branco), que justificam um final possível. É um filme para quem gosta de se emocionar com uma boa sessão de cinema. E também para apreciar o que talvez seja o último trabalho do excelente Joaquin Phoenix, que “jurou” deixar o cinema para se dedicar à música. Bem, antes dele, outros grandes atores prometeram parar de fazer filmes e não conseguiram. Quem sabe ele acabe mudando de idéia, também.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Crítica: A Verdade Nua e Crua


por Joba Tridente

Se você é um cinéfilo ou mero expectador que não se importa com previsibilidade, principalmente aquela em que, aos cinco minutos do filme, você já sabe como será o final, independente do meio, é provável que goste de A Verdade Nua e Crua (The Ugly Truth, EUA, 2009).

A Verdade Nua e Crua, filme de Robert Luketic, não é lá muito original (a colcha contém retalhos de séries de TV, filmes antológicos e outros esquecíveis) com seus clichês padrão, mas tem um certo charme, devido as performances de Gerard Butler e de Cheryl Hines e John Michael Higgins, que interpretam Georgia e Larry, o estranho casal de âncoras do programa A.M. Sacramento. É uma comédia de costumes igual a dezenas de outras produções do tipo auto-ajuda feminino, só que este é um pouco mais picante. Bem mais picante.

A história gira em torno de Abby Richter (Katherine Heigl), uma produtora de televisão que se vê obrigada a cuidar da produção de um programa que ela considera tão abominável quanto o seu apresentador Mike Chadway (Gerard Butler). O programa em questão é o A Verdade Nua e Crua onde o sujeito, com seu modo desbocado, dá conselhos sexuais machistas aos telespectadores que ligam pra ele. Chadway é direto e parece entender muito bem como funciona a mente masculina: a sexo. Abby, controladora e mandona, que sonha com um príncipe encantado, acha que pode se beneficiar dos conselhos dele para finalmente conseguir conquistar um homem e se casar. A “vítima” dos seus sonhos é Colin (Eric Winter), seu novo e malhado vizinho. Forma-se um inusitado triângulo, envolvendo um mestre sexual, uma mulher carente e um homem amável. Na matemática do amor e do sexo, quem vencerá? O careta ou o sacana? O que promete sexo tradicional ou o que faz sexo animal? É preciso perguntar?

A Verdade Nua e Crua é uma comédia que quer ser ousada, mas fica no meio do caminho. Porém é curta, rápida, romântica e até divertida, com seu palavreado chulo e suas piadas recheadas de insinuações sexuais. Não fosse a incômoda previsibilidade o filme poderia render bem mais, ao expor os mistérios da masculinidade. O curioso é que o pensamento machista do filme é do ponto de vista feminino, já que foi escrito por três mulheres (Nicole Eastman, Karen McCullah Lutz e Kirsten Smith). O que quer dizer que a também previsibilidade da loira tola, Abby Richter, ou do desbocado apresentador, Mike Chadway ou ainda do doutor bom moço: Colin, pode não ser tão previsível, assim. Ou será que é? Ora, na vida real a maioria feminina continua querendo arranjar um homem compreensível e fazer amor com ele e a maioria masculina quer uma mulher para fazer sexo. É claro que há lugares para princesas e príncipes encantados, nos Contos de Fadas.

Bem, se é verdade que os iguais se atraem, em Hollywood os “opostos” se atraem muito mais e aí... Li em algum lugar que o filme agradou o puritano público americano. Acho meio difícil. A não ser que ele tenha visto uma cópia reeditada.

sábado, 12 de setembro de 2009

Cinema de Blog em Blog


arte-postal de Joba Tridente

Cinema de Blog em Blog

Este Claque ou Claquete é um sonho antigo. Menor, porém melhor. Já tive um site, há alguns anos, o Brexó da Palavra, que tirei da rede por questões técnicas. Depois de muitos ensaios e colaborações em espaços como: Jornal Tira Gosto e Portal Cultura Infância, decidi por experimentar um blog próprio e com mais liberdade de expressão. Na verdade são, por enquanto dois blogs, o outro é o Falas ao Acaso, dedicado à literatura e assuntos afins.

Cinema é um assunto que me interessa e muito. Já realizei alguns DOCs, ainda no tempo VHS, atuei como ator em alguns filmes e recentemente, em 2008, dirigi um curta em 35mm: Cortejo, junto com o cineasta Marcos Stankievicz Sabóia. Eu sou um Livre Pensador e gosto de vagar pelas escolas cinematográficas sem me filiar a nenhuma. Sou aquele que gosta de observar e de participar. Um dia claque e noutro..., claquete.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Crítica: O Velho e o Mar



O Velho e o Mar
por Joba Tridente

o filme que é o livro
O velho se chamava Santiago.
O menino se chamava Manolin.
O peixe era um gigantesco Marlin (Peixe Espada).

Muitos professores têm dificuldade em trabalhar e mesmo indicar uma obra literária (de qualidade) que fuja da obrigatória programação curricular. A verdade é que, mesmo tendo o copo com água nas mãos, grande parte deles morre de sede..., simplesmente por falta de informação e ou pior, de interesse. Quando professores, alunos e até autores de literatura dirigida ao público infanto-juvenil dizem que a literatura de Monteiro Lobato (que já no seu tempo ironizava sutilmente os Contos de Fadas, através do seu divertido alter ego emiliano, e que virou moda no fim do século passado) envelheceu e que o público leitor de hoje é outro e quer um texto mais contemporâneo..., há algo estranho no abcdiário do mundo escolar. Mas isso é assunto para outra conversa. Agora me interessa falar de cinema..., ou melhor, de obras literárias de qualidade que, transpostas para as telas de cinema, podem ser um diferencial no ensino de literatura.

Antigamente (nem tanto!), quando uma adaptação cinematográfica chegava próxima à qualidade do romance, dizia-se: Leia o livro e Veja o filme! Ou vice-versa. É claro que tal indicação não serve para todo e qualquer filme. Mas, nas exceções, poderá auxiliar uma aula marrenta onde as opções de leitura são poucas e a iniciativa dos alunos nenhuma. Um bom filme, baseado numa obra literária, clássica ou contemporânea, serve como ponto de partida, por exemplo, para incentivar a leitura da obra e discutir linguagens, narrativas, expressões artísticas. E ainda explorar as diferenças entre a “palavra falada” e a “palavra filmada”. Quando lê (ouve) uma obra literária o leitor (ouvinte) é o seu próprio banco de imagens e imagina o que lê, diferente ou muito além da sugestão do autor. Quando vê uma obra cinematográfica o espectador vê tão somente aquilo que o autor quer que ele veja, não há espaço para a imaginação. Diz-se que uma boa imagem vale mais que mil palavras. Mas, mil palavras podem suscitar mil imagens. Ou não?

No Brasil foram para as telas de cinema, por exemplo: O Saci (de Monteiro Lobato/Rodolfo Nanni-1953); Pluft, O Fantasminha (de Maria Clara Machado/Romain Lesage-1962); O meu Pé de Laranja Lima (de José Mauro de Vasconcelos/Aurélio Teixeira-1970); O Menino de Engenho (de José Lins do Rego/Walter Lima Jr.-1965); O Cavalinho Azul (de Maria Clara Machado/Eduardo Escorel-1984); A Ostra e o Vento (de Moacir C. Lopes/Walter Lima Jr.-1997). São filmes lúdicos e interessantes que tratam da relação das crianças e dos jovens com o seu mundo familiar, social e, principalmente, mágico..., obras que poderão ser comentadas futuramente. Assim como documentários importantes: Pro Dia Nascer Feliz (João Jardim) que traça um painel dos adolescentes nas escolas brasileiras, e Meninas (Sandra Werneck), que fala da gravidez na adolescência. Hoje o espaço é de O Velho e o Mar, obra máxima e atemporal de Hemingway.

“Tudo o que nele existia era velho,
com exceção dos olhos que eram da cor do mar,
alegres e indomáveis.”

Dia desses reli O Velho e o Mar, na tradução de Fernando Castro Ferro, para a publicação da Civilização Brasileira, em edição com belas ilustrações de C. F. Tunnicliffe e Raymond Sheppard, reproduzidas da edição inglesa. E também revi O Velho e o Mar, em duas versões cinematográficas, a de 1958, com direção de John Sturges, protagonizado por Spencer Tracy, e a antológica animação do diretor russo Aleksandr Petrov, o mestre que realiza os seus filmes pintando quadro a quadro sobre placa de vidro, e que foi ganhadora do Oscar em 2000. As duas belas obras, é bom que se diga, são bastante fiéis ao livro. Para ser sincero parecem o livro filmado/animado, com a mesma narrativa, inclusive. E aqui não vai nenhum demérito. Ao reler e rever as obras pensei que seria uma boa dica para quem busca novas formas de trabalhar a literatura em sala de aula.

O Velho e o Mar, a obra prima de Ernest Hemingway (1898/1961), é uma das mais belas histórias escritas sobre a amizade entre um velho e um menino e a relação deles com o mar. Ou, ainda, sobre a superação de todos os limites humanos impostos pela idade. Santiago é um velho pescador que vive numa vila de pescadores, no litoral de Cuba, onde é alvo de gozação dos companheiros. Ele não pesca um peixe há 84 dias e conta apenas com a amizade e solidariedade de Manolin, um garoto a quem ele ensinou o ofício e que foi tirado de seu barco e colocado em outro, pelo pai. Solitário, ingênuo e sonhador, Santiago tem uma relação fraternal de amizade com o mar, peixes e aves marítimas e se fortalece com as lembranças de um passado cheio de esperanças que compartilha com Manolin. O Velho e o Mar é uma obra breve que se lê sem querer largar em qualquer idade disponível.

Há quem confunda as obras e os filmes O Velho e o Mar (Hemingway/Sturges) e Moby Dick (Melville/Huston). Ambas falam de grandes pescadores e a vida nos grandes mares..., porém o diferencial está na poética narrativa de um e de outro. Em Moby Dick, de Herman Melville (1819/1891), que chegou aos cinemas em 1956, pelas mãos de John Huston (Ray Bradbury, poeta maior da ficção científica, colaborou no roteiro), praticamente trata de uma luta inglória, movida pela vingança desmedida de Ahab, o insano capitão de um baleeiro que cruza os mares à caça da grande baleia branca Moby Dick: “-Oh! Ahab – exclamou Starbuck – não é muito tarde, mesmo hoje, o terceiro dia, para desistir. Vê! Moby Dick não te procura. És tu, tu, que loucamente o buscas!” (tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos).

Em O Velho e o Mar a luta é outra. Não há vingança. Há um velho pescador que, após 84 dias sem nenhuma pesca, fisga um gigantesco Marlin e, ao mesmo tempo em que busca dominar o peixe, se desculpa com ele por ser obrigado a matá-lo. Santiago teme que o Marlin descubra que ele é apenas um pescador velho que, no momento, só pode contar com a sua experiência. No mar, assim como na vida, nem sempre vence o mais forte e nem sempre cabe, ao vencedor, o espólio da sua vitória. “Meu Deus, nunca pensei que ele fosse assim tão grande. Mas tenho de matá-lo, murmurou o velho. Em toda a sua grandeza e glória. Embora seja injusto. Mas vou mostrar-lhe o que um homem pode fazer e o que é capaz de aguentar.” (tradução de Fernando de Castro Ferro).

O Velho e o Mar, em livro e filmes, é uma obra sensível e de beleza visual impressionante. Não tem o ritmo do videogame, porque o seu tempo é outro, o da reflexão. Mas tem um ritmo que cada leitor/espectador deverá encontrar. Em O Velho e o Mar o que importa mesmo é a sua essência, mesmo que fragmentada.

Crítica: Entre os Muros da Escola


por Joba Tridente
Entre os Muros da Escola..., A Onda - 1
Uma Educação de Risco?

Assim como Entre os Muros da Escola, do cineasta francês Laurent Cantet, um desconfortável filme que trata da difícil relação dos professores com seus alunos, chega agora aos cinemas a nova versão de A Onda, do cineasta alemão Denis Gansel, também baseada numa experiência escolar cujo tema é a autocracia. Em ambos o que conta é a palavra (de ordem), a linguagem (de ordem) e a ordem em si.

Quando se fala em cinema que traz o tema professores e salas de aula, todos lembram logo do cinema-clichê americano com seus tipos estereotipados e de final sempre feliz. O cinema americano tem uma infinidade de dramas e comédias viciosas do gênero, mas que não vão além do lugar comum. Mas o mundo do entretenimento cinematográfico não se resume apenas em cinema americano, temos exemplos belíssimos no cinema iraniano com: O Quadro Negro (da diretora Samira Makhmalbaf) e no asiático, com: Nenhum a Menos (do diretor chinês Zhang Yimou).

Entre os Muros da Escola (Entre les Murs, 2008, França), de Laurent Cantet, trouxe uma leitura diferente do tema e gerou (e ainda gera) muito debate desde o seu lançamento, no começo de 2009. Gostar ou não do assunto filme-escola é apenas um detalhe diante de uma história incapaz de deixar alguém indiferente. Entre os Muros da Escola mexe até com quem já deixou os bancos escolares. Muitos professores acham que ele traça um painel negativo da escola e dos professores. Outros se olharam no espelho.

Diariamente vemos e ou ouvimos relatos de professores em conflito com alunos adolescentes nos mais diversos pontos do país. Muitas situações são críticas e acabam em tragédia e vitimando cada dia mais professores. Nenhum curso prepara um professor para a realidade cada vez mais conturbada das salas de aula. Mesmo sendo um simples Oficineiro Cultural (arte-educador), já enfrentei situações incômodas e de temor, ao trabalhar com comunidades de risco social em favelas, centro de detenção (e correção) de menores..., mas sei que isso é nada diante da rotina dos abnegados professores brasileiros. Trabalhar apenas algumas semanas com alunos rebeldes é uma coisa, trabalhar todos os dias (sem conseguir se desconectar nem nas folgas) é outra.

Entre os Muros da Escola, tem como base o livro homônimo de François Bégaudeau, também protagonista do filme, como professor de francês de uma turma de alunos formada por imigrantes, ou filhos de imigrantes, nascidos na França, que continuam tão excluídos quanto os asiáticos, africanos, latinos. O grande problema enfrentado pelos professores é o da comunicação. Ao fazer o seu drama particular parecer bem maior do que é realmente, cada aluno contribui para que e a indisciplina na sala seja uma constante. Administrar a ação e a reação a algo proposto é um desafio que alguns professores não conseguem suportar. E tudo se resume numa palavra de ordem: linguagem.

Apesar de algum humor, Entre os Muros da Escola não é um filme leve. Ele traz ao expectador toda a tensão reprimida, já em ponto de ebulição, de alunos adolescentes que não conseguem enxergar uma perspectiva positiva em suas vidas estrangeiras ou ao menos se ver como cidadãos. Alunos que não compreendem (ou se negam a compreender) os fundamentos do ensino, a base da educação formal. Não acreditam na valorização do passado e na herança cultural, porque é o presente, mesmo que incerto, que bate na sua porta, ainda fechada. O que veem é um ensino ultrapassado e a cada dia mais longe da sua realidade. Não se dão conta da importância da língua na relação com o outro.

Entre Os Muros da Escola é uma ficção-documental, mas não é uma fábula ou uma metáfora sobre o ensino médio. Ao falar de relações humanas, autoridade (não autoritarismo), numa escola de ensino público, reflete e espalha luz para realidade da educação em todo o mundo, levantando questões que poucos se interessam ou sabem responder: Qual é o caminho para a educação escolar nos dias de hoje? Por que o ensino não satisfaz as necessidades profissionais e culturais dos alunos. As escolas estão formando cidadãos capazes ou meros repetidores de sinais? Qual a diferença entre o jovem de ontem e o de hoje?

Entre os Muros da Escola é um filme, no tamanho certo, para professores, pais e também alunos. Às vezes é delicado, sublime, ao tratar da desconfortável relação de todos eles entre todos eles (separados ou em grupo), e em outras é de uma crueza de arrepiar. Mas não é moralista e muito menos piegas. É uma obra simples e direta, estrelada por não-atores, onde Laurent Cantet nos oferece o buraco da fechadura da sala de aula e da sala dos professores, para que cada expectador tire as suas próprias conclusões.

Crítica: A Onda


por Joba Tridente

Entre os Muros da Escola..., A Onda - 2
Uma Educação de Risco?

Quando vi a recente versão cinematográfica de A Onda, do cineasta alemão Denis Gansel, que fala de uma experiência pedagógica sobre autocracia, lembrei imediatamente de uma “brincadeira” infantil chamada Boca do Forno. Aquela em que os participantes elegem um “mestre”, concordam em cumprir as suas ordens e o último a chegar é punido com tapas em uma das mãos. Para quem não se lembra, talvez as falas ajudem: Boca de Forno! Forno! Fará tudo o que seu mestre mandar? Sim! E quem não cumprir? Leva bolo!... É o “mestre” quem dá a palavra final e castiga o participante: Bolo de Anjo: batida leve; Bolo de Padre: batida leve e a ordem de não se atrasar novamente; Bolo de Tia: fingir que vai bater com força e bater leve; Bolo de Mãe: bater com vontade; Bolo de Pai: bater com força; Bolo de Capeta: bater com muito mais força. Eu e muitas outras crianças saíamos da brincadeira com as mãos em brasa e doloridas. Os “mestres” geralmente eram os mais fortes e mais velhos. Até assistir A Onda não tinha noção de que a “brincadeira” pudesse ser tão humilhante. Não sei a origem da “brincadeira”. Mas acredito que ela possa ter surgido em algum tipo de campo de concentração ou coisa do gênero.

No filme A Onda (Die Welle, Alemanha, 2008), de Denis Gansel, não tem a “brincadeira” Boca do Forno, mas tem uma experiência pedagógica, sobre autocracia, que sai do controle do professor e acaba em tragédia. Lançado no Brasil em 2009, o filme é quase uma versão estendida do média-metragem americano A Onda (The Wave), dirigido por Alex Grasshof e protagonizado por Bruce Davison (Burt Ross), feito para TV em 1981. Os dois são baseados na história real ocorrida na Cubberley High School, em Palo Alto, Califórnia, em 1967.

A História: Numa aula sobre o nazismo, o professor Ron Jones foi questionado quanto a responsabilidade do povo alemão sobre as atrocidades do terceiro Reich. Para exemplificar ele decidiu fazer uma simulação envolvendo todos os alunos. Ensinou postura, respiração, comportamento, respeito, sujeição, a importância de cada um na formação de um grupo. Nos dias seguintes deu um nome ao grupo (Terceira Onda), um slogan, uma saudação, um cartão de "sócio" e até uma "polícia" de estudantes, para vigiar as ações uns dos outros, e assumiu a liderança do grupo. A simulação era perfeita e os alunos se envolveram de tal modo que passaram a acreditar que tudo aquilo era real. Eles se sentiam tão poderosos que começaram a agir, por conta própria e com violência, fora da escola, achando mesmo que a Terceira Onda era uma organização que iria dominar o país e o mundo, tendo como líder o seu professor de história. A vivência terminou com um garoto perdendo uma mão, quando mexia com explosivos, e o professor explicando aos alunos o fim da experiência, provando ser possível manipular, coagir, controlar pessoas através da ordem... A palavra pode construir e destruir mundos. Depende apenas da intenção e da força do usuário.

O Filme: Em A Onda, de Denis Gansel, a experiência americana de Ron Jones foi atualizada e a ação situada na Alemanha ganhou uma leitura mais trágica. Rainer Wenger (Jürgen Vogel), é um professor muito querido pelos alunos porque, além de ser treinador da equipe de pólo aquático, é louco por rock. Ele pretendia dar aula sobre anarquia e se vê obrigado, pela diretoria, a falar sobre autocracia. Muitos alunos estão na sua turma só porque precisam apresentar um trabalho e aquele parece ser um assunto menos maçante. Procurando motivar a classe, falando de um tema que a maioria não tem a menor idéia do significado, ele propõe a simulação de um regime totalitário. Os alunos meio que de brincadeira entram no jogo. Aprendem a sentar, respirar, obedecer, responder, conviver e valorizar o grupo, respeitar e impor respeito. Ganham um líder: "Sr. Wenger", um nome: A Onda, uma logomarca, um uniforme, uma saudação, um site. Juntando interesse com oportunidade, já que muitos alunos encontram na experiência um ponto de fuga de seus problemas pessoais, envolvendo família, amor, futuro profissional..., em uma semana a turma já está entregue de corpo e alma ao projeto e até agindo, por conta própria, fora da escola. Aliciam, através da força e do medo, crianças e jovens para o movimento e punem, com violência, os discordantes. Acreditam que A Onda é a nova ordem que vai dominar o mundo. Sem regras claras o desastre é iminente. Quando o professor tenta retomar o controle da situação é tarde demais e a vivência termina tragicamente. Era uma simulação, uma farsa, um teatro, mas os alunos acreditaram demasiadamente nos seus papéis.

No dia-a-dia não é fácil nos livrarmos das cordas que arrebanham e arrastam multidões para o consumo de bens, para a defesa de uma causa, para a luta de classe... Estamos constantemente sendo manipulados por religiosos, políticos, publicitários, imprensa, professores, artistas..., para o bem ou para o mal. Soldados vão não sabem onde matar não sabem quem..., cumprindo ordens. Na autocracia as pessoas estão sempre cumprindo ordens..., na democracia também. As palavras de ordem (sim! e não!) estão por toda parte. Na sala de aula, no cinema, na igreja, no supermercado, no bar, no quartel, na casa, no campo, no esporte, na favela, na rua..., até mesmo na praia.

A Onda é um filme muito interessante para o professor trabalhar em sala de aula (ou fora dela) e propor ampla discussão sobre o Poder: Princípio, Meio (também como forma) e Fim (também como objetivo). Motivação: aristocracia, autocracia, democracia, teocracia..., e a perda da individualidade. E ainda: fanatismo, intolerância, massificação, controle, sujeição, medo, ordem, disciplina, repressão, autonomia, anarquia. Fragmentos que, de uma forma ou de outra, estão presentes na experiência pedagógica de A Onda.

Notas:
- Na versão americana de A Onda, o professor Ron Jones virou Burt Ross e na alemã virou Rainer Wenger.
- No filme feito para a TV há o famoso discurso do professor Ross:
"Vocês trocaram sua liberdade pelo luxo de se sentirem superiores.
Todos vocês teriam sido bons nazi-fascistas.
Certamente iriam vestir uma farda, virar a cabeça
e permitir que seus amigos e vizinhos fossem perseguidos e destruídos.
O fascismo não é uma coisa que outras pessoas fizeram.
Ele está aqui mesmo em todos nós.
Vocês perguntam: como que o povo alemão pode ficar impassível
enquanto milhares de inocentes seres humanos eram assassinados?
Como alegar que não estavam envolvidos?
O que faz um povo renegar sua própria história?
Pois é assim que a história se repete.
Vocês todos vão querer negar o que se passou em “A Onda”.
Nossa experiência foi um sucesso.
Terão ao menos aprendido que somos responsáveis pelos nossos atos.
Vocês devem se interrogar:
O que fazer em vez de seguir cegamente um líder.
E que pelo resto de suas vidas nunca permitirão
que a vontade de um grupo usurpe seus direitos individuais.
Como é difícil ter que suportar que tudo isso
não passou de uma grande vontade e de um sonho".

Crítica: A Vida Secreta das Abelhas


por Joba Tridente

As abelhas vieram no verão de 64, o verão em que fiz quatorze anos
e minha vida começou a girar em uma nova órbita.
Relembrando isso, quero dizer que elas foram enviadas para mim...
elas apareceram como o anjo Gabriel apareceu para a Virgem Maria.
Sei que é ousado comparar minha pequena vida com a dela,
mas tenho uma boa razão para crer que ela não se importaria.”
Lily
Baseado no premiado romance homônimo de Sue Monk Kidd, chega aos cinemas, com a direção de Gina Prince-Bythewood, A Vida Secreta das Abelhas. O filme traz um elenco feminino afinadíssimo, numa história tocante sobre amizade, família, amor, culpa e redenção.

Situado na década de 1960, quando Movimento Americano dos Direitos Civis agitava o sul dos EUA, A Vida Secreta das Abelhas (The Secret Life of Bees, EUA, 2008)conta a história da adolescente Lily Owens (Dakota Fanning), de 14 anos, que sonha ser escritora e vive oprimida pelo amargurado e grosseiro pai, T. Ray (Paul Bettany), e tem por confidente e amiga a sua tutora negra Rosaleen Daise (Jennifer Hudson). Após um incidente grave elas fogem. Rosaleen busca uma vida melhor. Lily busca respostas sobre a sua mãe, desaparecida há 10 anos. Uma Virgem Maria Negra, estampada no rótulo de um pote de mel, é o sinal de que chegaram ao destino. Na casa cor de rosa, das três irmãs produtoras de mel: August Boatwright (Queen Latifah), June Boatwright (Alicia Keys) e May Boatwright (Sophie Okonedo), o gosto amargo da culpa que assombra Lily, ganha um novo sabor. E em meio a descoberta do primeiro amor e o despertar da sexualidade, a adolescente deve encontrar as respostas para as suas angústias.

Gina Prince-Bythewood dirige A Vida Secreta das Abelhas da primeira à última cena, com uma delicadeza contagiante. Tendo nas mãos uma história que, dependendo do tempero, pode desandar feio, ela não deixa o filme emborcar nos clichês baratos. A emoção à flor da pele fica por conta da performance das atrizes, brilhando no individual e no coletivo. Não é um musical, mas tem belos momentos de canto e dança. Tampouco um filme-verdade, com o predomínio da violência e do racismo. É um filme feminino, sem dúvida, que, num dos momentos mais iluminados, toca fundo na religiosidade afro-americana, resgatando uma história linda sobre a Virgem Maria Negra.

A Vida Secreta das Abelhas é um filme redondo, onde tudo funciona harmoniosamente, do roteiro à belíssima e deliciosa trilha sonora. Pega o expectador tão de jeito que é capaz de arrancar lágrimas até do mais turrão. Para alguns pode parecer doce demais. Para mim pareceu na medida, principalmente para os adolescentes que sabem valorizar uma boa e romântica história. Porém, nunca é demais avisar que o filme tem gente bonita e jovem, mas nenhum Vampiro.

Elevar o coração de alguém, isso importa. O problema com as
pessoas é que elas sabem o que importa, mas não optam por isso.

August

Crítica: A Pedra Mágica


por Joba Tridente

A Pedra Mágica é a mais nova produção de Robert Rodriguez, o diretor prodígio de El Mariachi (1992) que encantou os cinéfilos adultos, com o seu cinema B, e foi ganhando platéias com Um Drink no Inferno (1996), Sin City – A Cidade do Pecado (2005), Planeta Terror (2007), e que também cometeu, com grande sucesso, alguns filmes para o público infanto-juvenil. O mais estranho é que são filmes pra lá de Z, bobinhos, barulhentos e cheios de efeitos especiais bacaninhas que levam a lugar nenhum.

A Pedra Mágica, em que Robert Rodriguez só faltou atuar, já que produziu, escreveu, dirigiu, fotografou, compôs a trilha e ainda fez a montagem do “filme”, que tem um de seus filhos como ator, é outra bobice sem tamanho. A “história”, uma colcha de retalhos cinematográficos bem ao gosto (?) de Hollywood, fala de um subúrbio americano (oh!) chamado Black Falls, onde todos trabalham para a Black Box (oh!), uma empresa com sede em um “destacado” prédio preto, que fabrica umas bobagens-faz-tudo pretas de “alta tecnologia”, cujo dono arrogante e prepotente, igual a seus filhos (ou seria o contrário?) usa roupa preta e trata seus (submissos) empregados como capachos e onde os moradores são estranhos (oh!) e tem um garoto bobo (nerd?) de 11 anos que não se dá com a irmã adolescente (oh!) e seus pais são tão ausentes que se comunicam apenas através do celular (oh!) e é maltratado pelos malvadões da escola e... Chega! Black Falls é um lugar esquisito e cheio de gente idiota onde, num dia chuvoso, três crianças enfadonhas encontram, na ponta de um arco-íris, uma pedra colorida que caiu do céu. A partir daí, a tal pedra encantada (que era preta ao cair) vai passando de mão em mão e realizando desastrosos desejos da gente tola, mesquinha, avarenta, do bairro. Assim como Deu a Louca no Mundo (Stanley Kramer) se dará também em Black Falls, e então todo mundo sabe como será o edificante final, já que é um filme americano e, é claro, moralizante. Ou seja, mostra a vida como ela não é e nem vai ser daqui a mil anos ou mais. Mas tem quem acredita. Talvez até valha a pena acreditar, para quem tem tempo pra isso.

A “história” de A Pedra Mágica é contada através de episódios embaralhados (na falta do que dizer é melhor confundir) que vêm e vão ao longo do filme dublado (argh!). Os efeitos especiais estão acima da média. O que não é nenhuma novidade nos filmes infanto-juvenis de Robert Rodriguez. No entanto, é difícil imaginar que uma criança acima de dez anos goste desta “história” barulhenta, mas sem nenhum encanto, magia, fantasia.

Caso seja um adulto, com a promessa de levar um parente jovem para ver a Pedra Mágica, se não conseguir entrar no clima infantilóide do filme, pode se divertir encontrando (sem precisar procurar) as muitas referências gráficas e cinematográficas de Robert Rodriguez. E nem é preciso ter visto todos os filmes do mundo, mas alguns dos mais divertidos. Eis algumas dicas: 1) Se achar que já viu a logomarca da tal Black Box em algum lugar (já viu mesmo!), é só procurar por logomarca/imagem no Google. 2) Se achar que as pequenas naves parecerem versões de última geração, mas sem a graciosidade, de um outro filme, force a memória e verá que O Milagre Veio do Espaço (Matthew Robbins). 3) Se achar que gente morta parece uma grande e nojenta meleca, não tema, chame Os Caça – Fantasmas (Ivan Reitman). 4) Se os minúsculos ETs parecerem engraçadinhos e inofensivos, cuidado: Marte Ataca (Tim Burton). 5) Se..., deixa pra lá, são muitas as “referências” do senhor Rodriguez. Afinal ele é um homem de cinema!

Bem, é isso. É ver pra crer. Ou não.

Crítica: Os Normais 2


por Joba Tridente

Um filme de qualidade se faz com um bom argumento e um roteiro no mínimo razoável. Ou, na falta dos dois, com uma boa direção. Ou ainda com excelentes atuações. Quanto ao Os Normais 2, procurando num cesto de abacaxis podres, quando muito, é possível encontrar aquele ator, que era engraçado..., como é mesmo o nome dele? Ah, e tem também aquela atriz, que é também engraçada, filha daquela outra atriz considerada uma das grandes damas do teatro a... O resto é escada de segunda!

Os Normais, série global que já foi tarde, deixando (?) incontáveis fãs desolados e carentes da baixaria televisiva (e olha que a TV continua abarrotada de mediocridades), mexe e vira tenta voltar via cinema, e parece que agora é pra valer. Nunca fui fã da série e nem vi o primeiro filme-capítulo em longa-metragem. Mas arrisquei a ver o segundo filme-capítulo em longa metragem para, se possível, rever os meus (pré)conceitos.

Conclusão: Para quem é louco por uma escatológica e tola americanalhice cômica e ri de uma piada velha, mesmo que mal contada, e sua catarse fisiológica depende da quantidade de palavrões que ouve, Os Normais 2, dirigido (?) por José Alvarenga Jr., ressurgiu do esgoto para a satisfação geral dos idiotas.

Mas, quem acredita que sexualidade é um bom tema e pode render comédias inteligentes e engraças, sugiro Pagando Bem, Que Mal Tem?, de Kevin Smith ou até mesmo o sutil, inteligente e delicioso Divã, dirigido também por José Alvarenga Jr. Ou será que o que salva o Divã é Lília Cabral e o ótimo texto de Martha Medeiros?

Crítica: Brüno


por Joba Tridente

Brüno, o novo personagem do comediante Sacha Baron Cohen, é o avesso de Borat, mas tão divertido quanto. Ou mais. Brüno, que também é dirigido por Larry Charles (de Borat e Religulous), satiriza, sem nenhum pudor, o mundo fashion, as celebridades de ocasião e, principalmente, a homofobia.

Em Brüno (Brüno, EUA, 2009) Sacha Baron é um fashionista gay austríaco que tem um programa de televisão, sucesso em todos os países de língua alemã, menos na Alemanha, e que, após uma grande e hilária confusão num desfile de moda, é demitido e decide ir aos Estados Unidos para se tornar mais célebre que Adolf Hitler. Levando, meio a contragosto, um auxiliar de seu ex-personal style, Lutz (Gustaf Hammarsten), que o ama de paixão, Brüno logo vai descobrir que vai ter de rebolar muito para conquistar uma brecha no rol dos famosos e continuar top.

Engraçadíssimo, com seu humor ferino, ou negro, ou estilo pegadinha, Brüno não é um filme indicado a preconceituosos de qualquer estirpe (ou será que é?), já que vai fundo na sua parte, digamos, documental e arranca declarações e ações inacreditáveis e inconfessáveis de seus ridículos e desavisados entrevistados. Rimos de todos eles e, às vezes, lá no fundo, de nós mesmos. É difícil falar de Brüno, sem descrever algumas “gags” e estragar as “piadas” quase contínuas. Mas estão todas lá (algumas desde Borat) e vão da nudez explícita a inesperadas situações e posições sexuais..., da descoberta da sexualidade à inversão de comportamento sexual..., do pensamento político ao pensamento religioso de judeus, libaneses e afro-americanos..., e de, quebra, pais capazes de tudo, em busca da fama para os seus filhos. É ver para crer e chorar de rir. E pensar que tudo que passa ali, naquela tela de cinema, é a mais pura verdade sobre o homem e as “suas” idiossincrasias ocultas sobre frágeis véus, desveladas com um simples sopro de Brüno/Cohen.

Quando ouvi falar de Brüno, imaginei algo a lá Prêt-à-Poter, o mundo fashion na divertida visão de Robert Altman, mas as alfinetadas de um e as chuleadas de outro caminham em tecidos parecidos, mas com cortes diferentes. O filme Brüno entra em cartaz ainda neste mês de agosto..., o mês do cachorro louco. Mas, lembre que, se você gostou de Borat, vai amar Brüno e sua brünices. Caso contrário..., leve a sua gripe suína pra outro lugar.

Crítica: O Contador de Histórias


por Joba Tridente

Premiado recentemente, no badalado II Festival Paulínia de Cinema (09 a 16 de Julho, em Paulínia, São Paulo), com o Prêmio Especial do Júri – Melhor Filme, Prêmio de Melhor Ator, dividido por Marcos Ribeiro, Paulo Mendes e Cleiton Santos, que interpretam Roberto Carlos Ramos, Prêmio do Júri Popular – Melhor Filme de Ficção, o tocante filme: O Contador de Histórias, de Luiz Villaça, ganha as salas de cinema, espera-se (ou acredita-se), de quase todo país neste mês de agosto.

O Contador de Histórias é a fantástica história, cheia de imaginação, de Roberto Carlos Ramos, premiado Contador de Histórias que, contrariando as previsões mais otimistas, de ser um “caso irrecuperável”, aos 13 anos e sob os cuidados da FEBEM mineira, é encontrado por uma pedagoga francesa e, às portas de um provável ocaso, o acaso se apresenta e uma escada para a saída do limbo começa a ser delineada.

Na década de 1970, Roberto Carlos Ramos (Marco Antonio Ribeiro), por conta de um anúncio veiculado na TV, aos seis anos é levado por sua mãe (Jú Colombo) à FEBEM - Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor, (hoje, Fundação CASA - Centro de Atendimento Sócio-educativo a Adolescentes) que tinha o propósito de formar “médicos, advogados, engenheiros”. Ali, o caçula de dez filhos, longe dos laços da família, dos amigos e vizinhos estranhos do bairro, refugia-se no mundo da fantasia e dos sonhos, e talvez até acredite nas promessas de um futuro promissor. Mas, a partir dos sete anos, descobre que o mal é estar ali e que a única saída do pesadelo é escalar o muro que cerca a instituição. Mais de cem fugas depois, e ainda analfabeto, aos treze anos, ele conhece a pedagoga francesa Marguerit Duvas (Maria Medeiros) que, ao contrário das pedagogas e professores da FEBEM, que o tratam como uma coisa qualquer, antes de lhe dirigir a palavra, lhe pede licença e por favor. Algo tão simples, mas que fará grande diferença em seu futuro. E a vida que, até então, lhe parecia madrasta vil (na FEBEM e na rua) começa a se transformar em fada-madrinha (na casa da pedagoga francesa, que busca compreender a marginalização do menor).

A vida de superação de Roberto Carlos é narrada com muita emoção, fantasia, humor e, entre um cigarro e outro, alguns momentos bem incômodos, num filme que recebeu apoio da UNESCO, por enfocar temas de cultura e educação. É difícil prever carreira, mas deve agradar a um público mais seleto, principalmente aquele dedicado à educação. O Contador de Histórias, é bom que se diga, felizmente não é mais um ”filme” sobre favela/tráfico/violência, apesar de tangenciar o tema. Tem passagens marcantes, como a da chegada de Roberto à FEBEM, ou hilárias e inesquecíveis, como a do assalto ao banco, e de perturbadora poesia, como a do assalto dos adolescentes, retratado feito uma clássica partida de futebol do Canal 100.

O Contador de Histórias (Brasil, 2009), de Luiz Villaça, é um filme simples, direto, sem firula, e talvez por isso incomode nos momentos mais pesados (tenho dúvidas sobre a necessidade de tal exposição) tanto quanto emociona, toca fundo ao desvelar, com deliciosa ingenuidade infantil, o mundo de sonhos, de fantasia, em que Roberto se refugia. Para tanto, o diretor conta com uma excelente produção, onde brilha a competente e requintada fotografia de Lauro Escorel, registrando com maestria e uma luz inacreditável, cada etapa da vida de Roberto Carlos Ramos, em um casamento perfeito com a direção de arte de Valdy Lopes, que nos brinda com uma bela e saudosa reconstituição de Belo Horizonte dos anos 1970,1980. No elenco, além Maria Medeiros (pedagoga francesa Marguerit), Mallu Galli (psicóloga), Jú Colombo (mãe de Roberto), vale destacar o trabalho dos meninos Marco Antonio Ribeiro (excelente) e Paulo Henrique, que representam Roberto Carlos aos seis e aos treze anos.

O Contador de Histórias, de Luiz Villaça é um filme incômodo, não tanto quanto o Entre os Muros da Escola, de Laurent Catet, mas tão necessário quanto.

Crítica: Horas de Verão


por Joba Tridente

Horas de Verão é a Arte de fazer Arte de colecionar Arte de herdar Arte de avaliar Arte de comprar Arte de expor Arte de ver Arte.

É possível herdar objetos de arte e com eles o sentimento de quem os produziu ou as lembranças de quem os adquiriu? Quando um objeto meramente funcional se transforma em arte? O que é arte? Horas de Verão (L’Heure D’Eté, França, 2008), filme de Olivier Assayas, trata com ternura e beleza dessas e de outras questões relacionadas à arte de viver e conviver com arte em família, antes e depois da herança que vai além dos bens materiais.

Com roteiro do próprio Olivier Assayas e a sutileza na marcante fotografia de Eric Gautier, Horas de Verão inicia com a comemoração dos 75 anos da elegantíssima Hélène (Edith Scob), na companhia dos três filhos: o economista Fréderic (Charles Berling) - que mora na França, a designer Adrienne (Juliette Binoche) - que mora nos Estados Unidos, e o executivo Jérémie (Jérémie Reinier) - que mora na China, além das noras e netos. Enquanto os filhos comemoram o raro reencontro, Hélène tem preocupações que somente Fréderic ouve: o destino das obras de arte reunidas pelo tio-avô Paul Berthier, também grande artista, após a morte dela, que não tarda. Não há um testamento, apenas anotações e conversas soltas sobre a conservação e o destino das obras e da própria casa. Com dois filhos morando fora da França, e sem intenção de voltar, é hora de cada um dos irmãos tomar a sua decisão em relação aos bens herdados: preservar um bem que, apesar das boas lembranças, não será usufruídos por todos ou se desfazer dele, descartando completamente o passado, e aproveitar o ganho com a venda para refazer a vida no presente? Em Depois da Vida (Wandâfaru Raifu) belíssimo filme de Hirokazu Kore-Eda, de 1998, a história gira em torno de uma única lembrança, a melhor, que acompanhará o espírito de uma pessoa por toda a eternidade. Dizem que quando alguém morre não leva nada da vida..., mas, por menos que se tenha, sempre se deixa alguma coisa, como é o caso de Horas de Verão.

Muita gente, durante a vida, junta uma coisinha aqui e outra ali, peças de arte ou que serão consagradas como tal depois..., cujo valor maior é a lembrança a que elas remetem. A convidativa casa de Hélène, repleta de obras de arte e de boas memórias, algumas intencionalmente fugidias, não é um museu aberto a apressados visitantes indiferentes às obras expostas. Ali, peça a peça, cada traço, cada pincelada num caderno de esboços e até mesmo cacos de uma escultura de Degas, quebrada por Fréderic, quando criança, tem uma história que, com interesse e dedicação, pode ser resgatada. Ali, cada objeto parece ter sido adquirido para o espaço que ocupa. Coisa alguma está fora de lugar..., apenas o tempo parece não concordar.

Como cada um dos filhos (e mesmo terceiros) trata a herança deixada por Hélène, é a grande metáfora do filme. Para o filho mais velho, saudosista, é importante manter tudo como está, para o usufruto de toda a família, em dias que passam mais depressa do que se espera e a tecnologia acaba cegando a todos para as coisas mais simples da vida, como um olhar mais demorado para um vaso que, dependendo do ponto de vista, pode ser um caríssimo objeto de arte ou um simples utilitário para acomodar um ramalhete de flores do campo. Para os dois irmãos, distantes até mesmo das lembranças da infância, a herança parece um fardo que pode ser útil com a venda de tudo ou um peso com a manutenção de uma casa que não desejam mais usufruir. Com a morte da mãe todas as suas lembranças, mesmo que compartilhadas pelos filhos, morreram com ela. E assim como a casa de Hélène fica vazia de lembranças e objetos, também as obras de arte, expostas no Museu D’Orsay, parecem vazias de sentimento e de interesse aos visitantes.

Horas de Verão tem uma narrativa distinta que flui em ritmos e espaços diferentes. Enquanto no interior da França, tudo é tranqüilo, saudável, em um clima nostálgico e lúdico de casa de campo com jardins, risos, bosque, cantoria, frutos selvagens..., em Paris vive-se a agitação, o clima neurótico na cidade claustrofóbica com seus ruídos, apartamentos, enlatados, escritórios, elevadores, comida rápida, trânsito ensandecido, onde todos parecem estar constantemente atrasados. Até mesmo a conversa entre os irmãos, sobre o destino da rica herança, muda de humor quando sai da sala da velha casa para terminar num apertado escritório em Paris.

Horas de Verão não é um filme previsível e muito menos sem fim, como é comum no cinema francês..., e tão pouco uma película para se ver estressado. É para ser saboreado com tranquilidade, pois só assim é possível ver e compreender o belo reflexo do começo no final.

Crítica: Tempos de Paz


por Joba Tridente

Tempos de Paz, a versão cinematográfica da montagem teatral Novas Diretrizes em Tempos de Paz, de autoria de Bosco Brasil, que em 2002, com a direção de Ariela Goldman, recebeu os prêmios Shell (Autor: Bosco Brasil, Atores: Tony Ramos e Dan Stulbach e Iluminação: Gianni Ratto) e APCA - Associação Paulista dos Críticos de Arte (Autor: Bosco Brasil e Ator: Dan Stulbach), chega agora aos cinemas, com a direção de Daniel Filho e, no elenco, a premiada dupla protagonista do teatro.

1945. A 2ª Guerra Mundial chega ao fim na Europa. No Brasil Getúlio Vargas, por conta da pressão dos EUA, anistia presos políticos. Em tempos de ditadura, qualquer brecha pode ser um aceno a Tempos de Paz e conciliações após anos de degradação humana nos porões do poder. É uma paz passageira e, como todos (que querem saber) sabem, não demorou para que os porões voltassem a ser ocupados para novas “correções” ditatoriais. É nesse período e clima de mudança aparente que entre os imigrantes europeus chega Clausewitz (Dan Stulbach), um ator polonês, desencantado com a profissão, que acredita num Brasil inexistente onde espera se tornar um agricultor. No meio do caminho, entre a alfândega e a terra ainda por conquistar, ele tropeça em Segismundo (Tony Ramos), o chefe da imigração da alfândega do Rio de Janeiro, ex-oficial da polícia política, ex-torturador de presos políticos..., que nunca foi ao teatro.

Feliz por estar no Brasil e querendo impressionar os encarregados da alfândega, ao recitar um poema de Carlos Drummond de Andrade, em português, Clausewits é confundido com uma nazista e se vê obrigado a provar o contrário ao frio e amargurado Sigismundo, que não esperava as reviravoltas políticas no país e na sua própria vida, com o fim da guerra. Acostumado a dar ordens (e muito mais em acatar), Sugismundo recebe, num sótão e num porão obscuros, Clausewits, para que este prove não ser um nazista fugitivo disfarçado de agricultor.

Em Tempos de Paz tudo é um grande teatro. A sala é um palco claustrofóbico onde Sugismundo usa todo o seu poder para intimidar os imigrantes e decidir se ficam ou se voltam para casa. A sala é o palco onde Clausewits terá que usar todo o seu recurso de ator para provar que é um agricultor ou um ex-ator ou ainda um ator que não acredita mais no teatro para a representação no pós-guerra. Nesta sala sombria um representará para o outro. Um tentará provar ao outro a sua infelicidade e a sua desgraça perante a raça humana. Um por ter torturado inocentes. Outro por assistir passivamente aos horrores da guerra. Crime político ou crime de guerra? O drama de um encontra eco na tragédia do outro. O final do embate é imprevisível. A culpa de ambos é imensa e tanto pode vencer aquele cuja dor é maior como aquele que se expõe mais.

Tempos de Paz foi roteirizado pelo próprio autor teatral, Bosco Brasil e, na adaptação cinematográfica, na representação da representação quem se sai melhor é Dan Stulbach. Tony Ramos, excede onde deveria ser mais comedido. O texto de Bosco Brasil é forte, pesado, dramático ao extremo e um vacilo da direção, pode por tudo a perder. Talvez por isso a discreta direção de Daniel Filho não compromete o que já está pronto desde o teatro. Não há invenção cinematográfica. Chega parecer um teatro filmado, principalmente quando o foco é Tony Ramos..., mas, na vez de Dan Stulbach a magia do ator e do personagem-ator se (com)fundem e mesmo no claustro a tela se ilumina.

O trailer de Tempos de Paz não é lá muito convidativo. O filme é bem menos tenso do que parece. Mas está longe de ser um drama leve ou de costume. Valorizando a palavra (e que palavra!) mais que a ação (implícita nos gestos..., nos olhos..., na voz) Tempo de Paz pode incomodar, pela sugestão do horror praticado no Brasil e na Europa (tortura física e mental e outras mazelas que só os humanos são capazes de praticar) e até mesmo cansar quem busca fluidez. Mas, longe da onda de filmes que cultuam temas como favela/tráfico/violência, é provável que encontre o seu público. Como Tempos de Paz é praticamente um filme de dois atores, já premiados no teatro pela mesma interpretação, não há muito que se destacar. A não ser, talvez, a marcante abertura, a discreta música de Egberto Gismonti e a fotografia correta de Tuca Moraes.

Crítica: G.I Joe - A origem de Cobra


por Joba Tridente

Se você é do tipo que adora ver filmes com vilões insanos e heróis ensandecidos. Se você gosta de filme de pancadaria e muita perseguição. Se você é louco por um filme cheio de batalhas no céu, na terra e no mar. Se você se diverte vendo militares travestidos de heróis perseguindo bandidos travestidos de terroristas e matando centenas de cidadãos comuns, para salvar milhões de cidadãos comuns e, além disso, destruindo patrimônios e muitos, mas muitos veículos (automóveis, ônibus, trens, aviões). Se você não se importa de ter visto estas mesmas cenas em outros filmes de ação (Soldado Universal, Exterminador do Futuro, Robocop, Star Wars, James Bond, Batman...). Se você viveu a febre dos bonequinhos G.I Joe (Comandos em Ação) nos anos 1980. Se você adora filmes com muitos efeitos, mas muitos efeitos especiais, mesmo..., alguns até bem bacanas e outros bem ruizinhos (parecidos com os usados na trágica refilmagem O Dia Em Que A Terra Parou), então o filme G.I Joe foi feito na medida para você.

Se você acha que filme cheio de beijinhos e abracinhos e romancinhos é coisa de mulherzinha, você vai adorar G.I Joe (G.I Joe - The Rise of Cobra, EUA, 2009). Nele é só pau, pau..., ou melhor é só pow! pow! Até as duas belas mulheres (a bandida e a mocinha) não têm tempo pra “essas bobagens”. Uma está preocupada em destruir o mundo e outra preocupada em salvá-lo. Até parece que elas acreditam que namorado (marido, amante) bom é namorado morto.

Dirigido por Stephen Sommers (dos divertidos A Múmia, O Retorno da Múmia, Van Helsing - O Caçador de Vampiros), que apostou no filme como “uma mistura de revista em quadrinhos com um filme James Bond”, G.I. Joe não exige que o expectador saiba quem é G.I. Joe, que vai se explicando por si só durante a projeção. A história (um tanto quanto descebrada, como é comum nesse tipo de filme) não é lá muito original: armas (ogivas de “nanomite”), construídas com nanotecnologia, que podem decidir o destino do mundo (tendo ainda como alvo principal a Rússia ou os EUA) ou quem vai governá-lo, mudando de mão em mão até o desfecho final (?). Cientistas loucos, corporações mal intencionadas e, claro, infiltradas no poder americano, heróis (e bandidos) durões, heróis (e bandidos) românticos, heróis (e bandidos) vingativos, não muito convictos, é bem verdade (se bem que o negócio aqui é diversão e não convicção), é a coleção de personagem que se chocam do começo ao fim..., com raríssimos momentos para arejar o cérebro. É difícil destacar um ator ou um personagem nessa galeria de tipos bizarros, onde cada um cumpre à risca o seu papel e ponto final (?). Quem sabe na continuidade que, com certeza, já deve estar programada, haja algo ou alguém digno.

Por enquanto, na falta do que fazer ou querendo ver como seriam os famosos G.I Joe de ontem, nos dias de hoje e de amanhã, compre um ingresso (com acompanhamento, de preferência) e deixe o tempo passar. A mim o filme pareceu ser muito mais longo do que realmente é. Talvez por ter passado incólume à moda dos pequenos heróis americanos em fins do século passado.

Crítica: Divã


por Joba Tridente

Sincero, é o mínimo que se pode dizer do delicioso Divã dirigido por José Alvarenga Jr. Baseado no livro Divã, de Martha Medeiros, que primeiro ganhou os palcos, também no corpo de Lilia Cabral, o filme traz a sutileza de um humor inglês num roteiro de Marcelo Saback, responsável também pela adaptação teatral, que só não é mais que perfeito por conta do escorregão com o merchandising de um cosmético que, para aparecer com destaque, vira todos os outros alheios de costas, como geralmente acontece quando gente da TV vai cobrir algum assunto em um local comercial.
Divã fala das emocionantes e divertidas descobertas de Mercedes (Lilia Cabral) sobre si mesma, diante da psicanálise, e o reflexo delas na sua relação com a família e com os amigos. Ele me lembrou uma Lilia Cabral (e o texto) que tive o privilégio de assistir no teatro em Solteira, Casada, Viúva, Divorciada (1994), com direção de Marcelo Saback, cheia de garra e com uma naturalidade pouco comum no cenário teatral feminino. A princípio pode parecer natural que uma atriz que representou a mesma personagem no teatro a represente com a mesma competência no cinema..., mas é bom lembrar que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Assim como história em quadrinho, apesar do enquadramento, não é cinema, teatro também não é.
Divã é um daqueles filmes que faz a gente se sentir bem desde a primeira cena. Tem direção inesperadamente sóbria e competente de José Alvarenga Jr., conhecido diretor de séries ‘adultas’ globais e que outrora dirigiu bobagens cinematográficas de Xuxa, Angélica, Trapalhões..., mas que, aqui, deixou a comédia pastelão para trás, se entregando totalmente ao humor com conteúdo ou vice-versa, sem nenhuma necessidade de palavrões, escorregões e escatologias típicas da comédia americana. Divã é envolvente, divertido e corre solto, permitindo que cada espectador faça a sua própria tradução da trama, sem a necessidade de subterfúgios dramáticos ou clichês de segunda, com suas músicas chorosas. Tem ainda uma notável direção de arte de Cláudio Domingos e uma fotografia preciosa de Nonato Estrela provando que, em alguns momentos, uma imagem (e que imagem!) vale mais que mil diálogos.

Divã faz a gente acreditar no bom cinema nacional e, além de fazer bem à alma, mostra que existe vida inteligentíssima muito além das baixarias tipo favela x tráfico x violência. Ele é recomendado para todos os amantes de um filme de qualidade e principalmente para quem ainda não acredita no cinema brasileiro.

Crítica: Gran Torino


por Joba Tridente

Todo homem é uma ilha? Walt Kowalski, de Gran Torino, é! Ou pelo menos acredita que seja.

Walt Kowalski, personagem de Clint Eastwood, em Gran Torino (Gran Torino, EUA, 2008), é um homem rabugento, preconceituoso, racista, cercado de estrangeiros por todos os lados no decadente bairro onde continua vivendo depois da morte da mulher. Ele é um homem velho e xenófobo, no ocaso da vida, que não vê necessidade de mudar seus pré-conceitos americanos de ser. Orgulhoso de ter trabalhado, por décadas, na Ford, onde ajudou a montar inclusive o seu carro Gran Torino, um bem maior que guarda na garagem apenas para o seu deleite, não aceita a invasão dos carros japoneses e muito menos dos seus vizinhos hmongs, latinos e afro-americanos.

A Guerra da Coréia deixou marcas desagradavelmente tão profundas que minou seus sentimentos, dificultando também o seu relacionamento com os filhos. Solitário, da varanda de sua casa, onde tremula uma bandeira americana, tendo como combustível muita cerveja e a companhia da cadela Daisy, Walt Kowalski não reconhece mais o próprio bairro. Certa noite, numa tentativa de roubo do seu Gran Torino, ele se vê envolvido de corpo e alma numa questão que jamais acreditaria ser possível, obrigando-o a rever seus conceitos, enfrentar seus fantasmas, conhecer realmente os vizinhos que odeia e até mesmo bater-se contra um jovem padre que insiste em cumprir o último desejo da sua esposa: a confissão dos seus pecados.

Não sou um apaixonado pela obra de Eastwood, que acho um diretor superestimado na maioria das suas realizações, mas confesso que apesar dos clichês e previsibilidade da história, achei bastante simpático este Gran Torino. Possivelmente por tratar de temas delicados como: migração, costumes, aceitação, medo, insegurança, crime, castigo, perdão..., com humor, às vezes negro, é verdade, e algum sarcasmo. Trabalhando praticamente só com atores de primeiro filme, como os hmongs: Bee Vang (Thao) e Ahney Her (Sue), entre outros, Clint conta uma história ainda contemporânea, com uma vertente diferenciada sobre a periferia de uma cidade industrial, com suas gangues demarcando território, emigrantes em busca de visibilidade e trabalho, e a interferência diária da religião, numa hora em que a crise, muito mais de valores familiares que econômicos, desperta a todos, com a mesma campainha, de um sonho ou pesadelo. E isso, com muita veracidade.

Crítica: O Spirit, de Frank Miller


por Joba Tridente
O SPIRIT de quem, mesmo?

O ano 2009 talvez fique marcado pela polêmicas adaptações cinematográficas dos clássicos dos quadrinhos como Watchmen (de Alan Moore) na visão de Zack Snyder e The Spirit (de Will Eisner) na visão de Frank Miller. No entanto, se em Watchmen, de Zack Snyder, é possível encontrar algumas qualidades, no desastrado The Spirit (EUA, 2008), de Frank Miller, encontra-se apenas o marasmo, o equívoco, a galhofa, a caricatura do adorável personagem de Will Eisner (1917-2005).

The Spirit, o filme é, digamos... Então, tem aquele celular em 1940... Ah, tem também aquela cena do laptop... Deixa eu ver, acho que tem uma músiquinha... Ah, tem as gags de desenho animado... Nas mãos estranhas de Frank Miller, que até prometia, na co-direção de Sin City, The Spirit é contrangedor. E olha que Miller assinou contrato para mais dois filmes do personagem. Will Eisner que se cuide na tumba ou, já que Spirit faz companhia a ele no mundo dos mortos, que o envie à Terra em missão boicote.

Muito se fala da estética de The Spirit ser semelhante à de Sin City. Eu diria estar mais para genérica. Mas esse nem é o problema maior de The Spirit, já que a maior influência de Miller, nas suas irrepreensíveis HQs, foi Will Eisner, com seu jeito cinematográfico de desenhar e escrever uma boa história cheia de contradições humanas e por isso verdadeira. O problema desta adaptação é que não há adaptação, apenas embromação. O que se vê na tela é praticamente um Spirit inventado por Frank Miller. Algo como se ele tivesse ouvido falar de um personagem genial que parecia ter vivido aventuras assim e assado mas não se tinha muita certeza e então, com um, digamos, “roteiro” do espírito doido, se pôs a filmar. Como se lhe bastassem lembranças esparsas de um personagem de HQ, herói de ocasião e irônico por natureza..., porém boa gente. Tudo bem que HQ é HQ e cinema é cinema..., desde que seja cinema. Frank Miller é um dos maiores mestres da narrativa, mas em HQ. Aqui ele não sabia que tinha tanta casca de banana pelo caminho.

The Spirit, personagem criado pelo genial Will Eisner em 1940 e aposentado em 1952, com diversas tentativas de voltar à ativa (em 1998, pelos geniais Alan Moore e Dave Gibbons, e em 2007, por Darwyn Cooke), é o policial Denny Colt, tido como morto, que “volta à vida” na pele de um investigador e apavora os vilões que agem principalmente, nas sombras, em Central City. Temido pelos malvados, perseguido por vilões, amado pelas mocinhas e vilãs maliciosas, Spirit é um “herói” às avessas. Em meio a crimes, romances, mistérios, ele apanha muito, também bate, mas acaba solucionando os casos mais estranhos com tiradas geniais, filosóficas, com humor ferino..., mas divertido. The Spirit, de Will Eisner, merece uma releitura melhor.

The Spirit, o filme traz Gabriel Macht, na pele do herói, Dan Lauria (Comissário Dolan), Sarah Paulson (Ellen Dolan) e os vilões: Samuel L. Jackson (Octopus), Scarlett Johansson (Silken Floss), Eva Mendes (Sand Saref) e Paz Vega (Plaster de Paris)..., nenhuma atuação que mereça algum destaque.

The Spirit não é um filme para fãs do personagem ou até mesmo para quem ouviu falar dele, já que é ridículo demais para ser levado a sério. Mas os desavisados podem até gostar.

Crítica: Watchmen


Os anos 1986/87 foram um marco no mundo dos quadrinhos com o lançamento da estranha e antológica minissérie Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibson, em 12 alucinantes capítulos, envolvendo um grupo de “heróis” num mundo (ainda) em convulsão política e social. Agindo isoladamente ou em parcerias, os Vigilantes Mascarados são sonhadores, egocêntricos, arrogantes, prepotentes e crédulos de que a paz na cidade de Nova York e no mundo depende da ação deles. Mas, se fantasiados procuram passar a imagem de verdadeiros paladinos, em defesa dos fracos e oprimidos (e também a serviço dos governantes e poderosos), sem a máscara (foras da lei ou não) são pessoas tristes, homens e mulheres com todas as suas idiossincrasias.

Duas décadas depois Watchmen (Watchmen, EUA, 2009) chega às telas de cinema e se vai causar o mesmo impacto é difícil de se prever, apesar da boa produção, e da mão pesada mas certeira de Zack Snyder, o mesmo diretor do espetacular 300, baseado na HQ 300 de Frank Miller. Também porque Alan Moore, com todos os seus subtextos políticos e paralelismo antropológico, é prolixo e exige um pouco mais (bem mais) de paciência com a sua obra do que Frank Miller.


Ao contrário da HQ V de Vingança, também de Alan Moore, que se passa na década de 1980 e foi atualizada pelos irmãos Wachowski para ganhar a telona em 2006, Watchmen continua em 1985, com toda a paranóia que tomou conta da década com a Guerra Fria, a iminência de conflito Nuclear e ainda os resquícios da Guerra do Vietnan. Uma década de medos e de alguma esperança na paz. Watchmen, com roteiro de David Hayter e Alex Tse (sem qualquer participação de Alan Moore), está um pouco mais palatável, mas não menos complexo e às vezes até ininteligível em algumas citações - como na estranha conversa/desabafo de Comediante com Moloch sobre a ilha onde estão os artistas, escritores e cientistas desaparecidos - que só faz sentido com o desfecho original da HQ,


É claro que quem espera encontrar a HQ, quadrinho a quadrinho, vai se decepcionar um pouco. A dramática história dos Vigilantes Mascarados está ali, com suas questões políticas, sociais, psicológicas ao extremo, retratando um grupo de pessoas, onde cada um é cada vez mais cada um, na sua megalomaníaca busca pela paz no mundo, acreditando que os seus atos (até mesmo os imperdoáveis) serão justificados no fim. Porém, em versão cinematográfica, onde situações (e personagens) que parecem não ter importância foram descartadas (jornaleiro e seus fregueses, leitor de gibis, história do gibi, investigadores, gangues) e outras reescritas, fazendo a violência, por exemplo, que é apenas insinuada na HQ, ganhar ares além do real (e da necessidade) na telona.


À primeira vista Watchmen encanta pela sua plasticidade e trilha sonora, mas a sensação final é de que para uma razoável reflexão sobre o que é ser humano o diretor lapidou demais os Vigilantes Mascarados. Para quem não conhece a HQ recomendo que a leia depois (ou antes) de ver o filme. Mas sem esquecer que Watchmen, a HQ, é uma coisa e Watchmen, o filme, é outra, apesar das semelhanças e diferenças.
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